domingo, 29 de setembro de 2019

Cinema: Cults, Clássicos e Filmes de Arte! - Afinal, quais são as diferenças?

Cinema: Cults e Clássicos - Afinal, quais são as diferenças? - Marcos Doniseti!

'Blade Runner' (1982) é um exemplo de filme 'Cult' que, depois, passou a ser considerado um Clássico. 

Existe um debate intenso sobre o que seria um filme Clássico e o que seria um filme Cult e em várias publicações nas redes sociais surgiu uma discussão bastante interessante sobre o assunto.

A respeito de filmes considerados Cult, eu reproduzo os ótimos comentários do Luiz Matos, alguns cinéfilos dizem o seguinte:

"Interessante que o termo 'Cult' atualmente tem sido usado para se classificar filmes que possam ser mais 'cabeça', intelectuais, coisa do tipo. Até alguns anos atrás 'Filme Cult' (pelas informações que eu sempre li) era um filme que havia sido um fracasso de bilheteria, ou até mesmo de crítica (ou os dois), mas que acabou ganhando fama e muitos admiradores entre grupos de cinéfilos com o passar dos anos, passando a ser cultuado, daí a justificativa da palavra em inglês".

Eu concordo com essa definição, que me parece ser a correta.

A expressão 'Cult' sempre foi usada no sentido de designar um tipo de filme que, independente de ter sido sucesso ou não (de crítica ou de público), passou a ser 'cultuado' por um certo número de fãs, que se reuniam para assistir ao filme inúmeras vezes, conversavam e debatiam sobre o filme, enfim, eles cultuavam o filme.

Um exemplo perfeito de filme que se tornou Cult é 'The Rocky Horror Picture Show', que passou a reunir os fãs em eventos nos quais o filme era exibido e os fãs compareciam usando figurinos semelhantes aos dos personagens. 

Assim, passaram-se a usar as expressões 'Cult Movie' e 'Classic Cult' para designar tais filmes.


Cena de 'Acossado' (1960), revolucionário filme de Godard, um cineasta Autoral que influenciou muitos outros cineastas. O chamado 'Cinema Autoral' deu origem ao que se passou a chamar de 'Filmes de Arte'.

Porém, ultimamente os conceitos de filmes Cult, Clássicos e mesmo de 'Filmes de Arte' (expressão que é originária da ideia de Cinema Autoral) estão sendo misturados por muitos cinéfilos. Enquanto isso, a expressão 'Filmes de Arte' passou a designar aqueles que são dirigidos por cineastas de perfil Autoral e que são exibidos principalmente pelo 'Circuito Alternativo', em cineclubes, universidades, salas de pequeno porte.


Entendo que os filmes chamados de Clássicos são aqueles que possuem uma certa importância para a história do Cinema e cujos diretores também são bastante significativos, tendo influenciado muitos outros, influência essa que chega até os dias atuais.

Temos muitos cineastas cuja obra preenchem esses requisitos, como são os casos de Hitchcock, Kubrick, Fellini, Welles, Rossellini, Jean Renoir, Visconti, Fassbinder, Godard, Kurosawa, Varda, Resnais, De Sica, Mizoguchi, Nicholas Ray, Antonioni, Carlos Saura, Tarkovski, Wim Wenders, Malle, Almodóvar, Coppola, Melville, Truffaut, Kieslowski, Fritz Lang, Glauber e por aí vai.

Enfim, é uma lista bastante vasta.

Além disso, certos filmes que, originalmente, eram considerados 'Cult' acabaram conquistando reconhecimento, de público e de crítica, e passaram a ser considerados Clássicos.

Um exemplo muito bom disso é 'Blade Runner', que não chamou a atenção de quase ninguém quando foi lançado mas que conquistou um público fiel que passou a cultuar o filme e que, agora, também é considerado um Clássico.
 
'Psicose' (1960) é um filme clássico de Hitchcock. Mas durante muito tempo o cineasta britânico foi considerado alguém cuja obra seria de menor importância. Foram os críticos da 'Cahiers du Cinéma' (Truffaut, Godard, Chabrol, Rivette, Rohmer) que travaram uma verdadeira batalha durante a década de 1950 e, assim, conseguiram mudar o conceito que se tinha da obra do 'Mestre do Suspense'.

Aliás, o grande Alfred Hitchcock foi considerado, por muito tempo, um cineasta comum, meramente comercial, que nunca tinha contribuído em nada para o Cinema.

Quem mudou o status de Hitchcock foram os críticos, chamados de 'Jovens Turcos', da revista 'Cahiers du Cinéma' (Truffaut, Godard, Chabrol, Rivette, Rohmer, os criadores da 'Nouvelle Vague') que, durante os anos 1950, travaram uma intensa batalha contra a crítica do período a fim de convencer a todos da importância do trabalho de Hitchcock. 

E os 'Jovens Turcos' acabaram triunfando e, depois, Hitchcock passou a ser considerado como um verdadeiro Mestre do Cinema. Mas nem sempre foi assim. 

Além disso, também foi possível perceber que, ultimamente, muitas pessoas, em muitas redes sociais, designam os filmes Clássicos e os também chamados de 'Filmes de Arte' ou 'Autorais' como sendo Filmes Cult, misturando tudo. 

Talvez isso tenha acontecido porque temos um canal de TV por assinatura chamado 'Telecine Cult' que exibe muitos filmes Clássicos e mostra também os chamados 'Cults' e os 'Filmes de Arte' e de cineastas 'Autorais'. 

Enfim, atualmente está tudo sendo misturado, mas é bom que se saiba que fazer isso não me parecer ser inteiramente correto, pelos motivos que apontei nesse texto. 

'Blow-Up' (1966), de Michelangelo Antonioni, é uma das principais obras dos anos 60, retratando a 'Swinging London' (Londres Psicodélica), ao mesmo tempo em que indaga a respeito da natureza da realidade. Ele é um exemplo dos chamados 'Filmes de Arte'. 

 Link:

A lista dos 100 Melhores Filmes Cult de todos os tempos:
https://www.revistabula.com/11307-os-100-melhores-filmes-cult-de-todos-os-tempos/

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Godard e a compreensão da sua obra!

Godard e a compreensão da sua obra! - Marcos Doniseti!
Godard filmando as manifestações de Maio de 68, em Paris, das quais participou ativamente.


Godard: Fazendo filmes para quem, mesmo?



Algumas pessoas dizem que Godard realizaria filmes que seriam voltados para ele mesmo. Discordo totalmente desta afirmação. Godard não faz filmes para ele mesmo. 

Nunca fez.

Essa é uma crítica sem fundamento algum no caso da obra de Godard, que sempre procurou refletir sobre o mundo ao seu redor, tentou modificar o mesmo, e também realizou filmes que tratam do próprio ato de produzir e criar Cinema, sempre se questionando a respeito do papel do cineasta e do Cinema em nossa sociedade. 

Entendo que as pessoas que fazem essa crítica não assistiram e tampouco assistem aos filmes dele. E se assistiram, então elas não entenderam nada.

Vejam os casos de filmes como 'Viver a Vida' e 'A Chinesa'

Em ambos os casos, Godard se informou sobre os temas dos dois filmes e também pesquisou para escrever o roteiro dos mesmos. No caso de 'Vivre sa Vie' ele se baseou em reportagens sobre o tema da prostituição que foram realizadas na França naquela época e no caso do segundo filme ele chegou a entrevistar estudantes maoístas da Universidade de Nanterre para poder fazer o 'La Chinoise'. 

Anne Wiazemski também era estudante da Universidade de Nanterre, conhecia estudantes maoístas da mesma e colaborou com Godard na realização do filme. Outro que também o ajudou foi um intelectual maoísta, Jean-Pierre Gorin, com quem Godard criou, em 1969, o Grupo Dziga Vertov.  
A belíssima Brigitte Bardot em 'Le Mépris' (1963), filme no qual Godard faz uma reflexão sobre a produção cinematográfica e assume a defesa do Cinema Autoral.

Na época em que fez parte do 'Grupo Dziga Vertov', Godard também realizou uma série de filmes de caráter político e ideológico e que exibia, junto Jean-Pierre Gorin, para estudantes e operários, com o objetivo de contribuir para desenvolver uma consciência revolucionária entre os mesmos. Assim, Godard estava atuando no sentido de transformar a sociedade. Isso não deu certo, mas a iniciativa de Godard aconteceu, sim. 

E o seu filme mais recente, o 'Le Livre D'Image' (de 2018, vencedor de uma Palma de Ouro Especial no Festival de Cannes de 2018), é mais um exemplo perfeito disso, pois no mesmo há uma crítica bem pertinente, feita por Godard, a respeito da maneira como o mundo ocidental mostra os árabes e os muçulmanos, de maneira preconceituosa e sem permitir que se expressem, impedindo que mostrem a sua visão dos acontecimentos.

E no seu filme ele faz com que os árabes e muçulmanos se expressem.

Assim, Godard faz a crítica a esse atitude do Ocidente e mostra como seria possível mudar essa maneira de tratar e de se relacionar com árabes e muçulmanos, algo de grande importância para os europeus, que convivem com uma numerosa e crescente comunidade de muçulmanos.

Este último filme de Godard, aliás, é fortemente concentrado em temas e assuntos que são, principalmente, do interesse dos europeus, como a questão do meio ambiente, das guerras no Oriente Médio e das relações com árabes e muçulmanos. 

No entanto, os brasileiros são tão provincianos e isolados do mundo que nem perceberam isso. Mas eu percebi a presença destes assuntos no filme de Godard. E isso aconteceu porque eu me esforcei para compreender o mesmo, o que bem poucas pessoas fazem.

Bem poucas, mesmo. 

Os filmes de Godard exigem um mínimo de esforço intelectual para que sejam compreendidos e a imensa maioria das pessoas não faz isso, pois querem tudo explicado, nos mínimos detalhes, tudo 'mastigadinho'. Grande parte do público, e no Brasil isso é ainda pior, não faz isso porque não quer, porque tem preguiça de pensar.
'A Chinesa' (1967), filme de Godard sobre os estudantes maoístas franceses e para o qual ele entrevistou e fez pesquisas, com a ajude de Anne Wiazemski e Jean-Pierre Gorin.

Não adianta… A maior parte do público vê no Cinema apenas uma forma de diversão e de escapismo. Isso é inegável.

A imensa maioria das pessoas quer ver, no Cinema, o equivalente aos livros de Sydney Sheldon, algo que leem apenas para passar o tempo, para se entreter, e não para pensar, para refletir e, muito menos, para pesquisar a fim de que possam compreender o que assistiram ou que acabaram de ler. 

É por isso que os filmes de super-heróis são um retumbante sucesso e os filmes de Godard e outros que estimulam a reflexão não são. Se bem que no caso de Godard, é preciso ir além da mera reflexão, pois ele exige que se pesquise bastante sobre os assuntos e referências que incluem em seus filmes.

Então, entendo que essas pessoas, que não querem se esforçar para compreender os filmes de Godard, fariam muito melhor se ignorassem os filmes dele, pois assim evitariam de criticar aquilo que não conhecem e que não compreendem. 

Desta maneira, tais pessoas evitariam de fazer comentários patéticos, ridículos e superficiais do tipo 'não gostei', 'é chato' ou ‘é uma porcaria’, pois a compreensão dos filmes de Godard exige muito mais do que esse tipo de comentário estúpido, vazio e rasteiro.

Esse tipo de comentário pode valer para outros filmes, que são ocos e que nada dizem (aqueles de super-heróis, por exemplo), mas jamais para os filmes de Godard.

Não querem se esforçar? Então, sugiro que esqueçam os filmes de Godard e vão assistir outras coisas.

É isso.
"Le Livre D'Image" foi o mais recente filme de Godard e faz uma reflexão sobre o estado atual do mundo, comentando sobre a destruição do meio ambiente, as guerras, o Oriente Médio e a maneira como o Ocidente vê os árabes e os muçulmanos, estabelecendo conexões com acontecimentos do passado. No filme, Godard reflete sobre o trabalho do cineasta e também sobre o próprio Cinema.

Sobre o "Le Livre D'Image"! 

Escrevi e publiquei, aqui no blog, um texto a respeito do filme mais recente de Godard, que foi o "Le Livre D'Image" (ver link abaixo).

Para escrever o mesmo eu tive que assistir ao filme duas vezes (ambas no Cinema, em sessões consecutivas) e também tive que pesquisar bastante sobre tudo o que ele mostrou na obra. Demorou três dias para terminar o texto. Então, se eu faço esse esforço, então os outros também podem fazer. Não fazem isso porque não querem.

Algumas pessoas dizem que não tem tempo livre disponível para fazer algo assim. Pode até ser que isso seja verdade, embora muitos tenham tempo livre para assistir muitos programas de TV e filmes ruins por aí e para escrever comentários rasteiros e estúpidos sobre os filmes do Godard nas redes sociais. 

Mas, se for mesmo esse o caso, ou seja, a falta de tempo disponível, então não comentem nada sobre os filmes de Godard, oras!


Deixem essa missão para quem tem o tempo e a disposição necessárias para fazer o esforço intelectual que os filmes de Godard exigem para que possam ser compreendidos.

Assim, o problema estará resolvido.

Convencendo alguém a gostar da obra de Godard: Isso é possível?
'Ambição no Deserto', livro do escritor egípcio Albert Cossery no qual Godard se baseou para fazer reflexões a respeito da situação política do Oriente Médio. Desta maneira, Godard transpôs para o seu filme a visão de um árabe a respeito da situação dos países árabes e muçulmanos. 


Uma amiga cinéfila me disse que respeita o meu grande interesse pela obra de Godard e que gostaria de ser convencida por mim para que ela pudesse vir a demonstrar o mesmo interesse.

O que eu respondi, para ela, é que para que ela possa vir a ser convencida, então ela terá que assistir aos filmes do Godard e fazer o esforço intelectual necessário para poder compreender os mesmos. Portanto, a minha resposta foi que esse convencimento irá depender exclusivamente dela e de mais ninguém.

Os filmes de Godard exigem, como já afirmei, esse esforço intelectual de nossa parte.

Afinal, não é possível assistir aos filmes dele do mesmo jeito que assistimos a outros filmes, pois eles possuem características próprias, que são específicas da obra 'godardiana' e que exigem um estudo e uma análise bastante detalhados e minuciosos de cada um dos seus filmes.

Obs: Tal afirmação também é válida para outros grandes cineastas importantes e significativos para a história do Cinema mundial, como são os casos de Rossellini, Bergman, Orson Welles, Fellini, Kieslowski, Chaplin, Buñuel, Tarkovski, Kubrick, Hitchcock, Kurosawa, entre muitos outros. As obras destes cineastas também exige esse mesmo tipo de esforço.

Eu afirmo isso não porque Godard seja melhor do que os outros cineastas (embora eu pense que ele seja, sim), mas porque a sua obra é diferente, possuindo um caráter único e pessoal. Em função disso é que se faz necessário realizar esse esforço intelectual para que ela possa ser compreendida.

Nem todos tem interesse (ou tempo disponível...) em fazer esse esforço intelectual 
para compreender a obra de Godard, o que eu respeito, mas neste caso é melhor não ver os filmes dele e tampouco comentar sobre os mesmos.

Afinal, sem esse esforço ninguém jamais conseguirá adquirir um grau mínimo de compreensão a respeito da obra de Godard. E no meu caso eu aprecio tanto a obra de Godard que estou disposto a fazer esse esforço.

É isso.
Glauber Rocha e Godard. O cineasta brasileiro participou do filme "Le Vent D'Est" ('Vento do Leste'; 1970), realizado na época do Grupo Dziga Vertov, que foi criado por Godard e Gorin e que tinha o objetivo de ajudar a criar uma consciência revolucionária entre operários e estudantes.

Links:

Sugestões para se compreender melhor a obra de Godard:
https://popeseries.blogspot.com/2019/03/jean-luc-godard-sugestoes-para-melhor.html

Relação de longas-metragens de Godard:
https://popeseries.blogspot.com/2019/03/godard-relacao-de-longas-metragens-do.html

Uma pequena história sobre o início da Nouvelle Vague:
https://popeseries.blogspot.com/2019/04/uma-pequena-historia-sobre-o-inicio-da_12.html

Algumas curiosidades sobre a Nouvelle Vague: https://popeseries.blogspot.com/2019/04/algumas-curiosidades-sobre-nouvelle.html

"Le Livre D'Image": Em filme-ensaio excepcional, Godard condena os 'Idiostas Sanguinários' que governam o Mundo:
https://popeseries.blogspot.com/2019/03/le-livre-dimage-em-filme-ensaio.html
"A Nouvelle Vague e Godard": O livro de Michel Marie é essencial para se compreender a origem do movimento cinematográfico mais revolucionário da história e que teve em Godard o seu protagonista mais influente e polêmico.

Alexandre Astruc escreveu o texto que antecipou a criação da Nouvelle Vague: 
https://popeseries.blogspot.com/2019/01/alexandre-astruc-escreveu-o-texto-que_26.html

Isabelle Huppert fala sobre quando Godard a convidou para trabalhar em 'Salve-se quem puder - a vida' (1980)!

Isabelle Huppert fala sobre quando Godard a convidou para trabalhar em 'Salve-se quem puder - a vida' (1980)! - Marcos Doniseti!

Isabelle Huppert com Godard, filmando 'Passion' (1982). Este foi o segundo filme em que eles trabalharam juntos.

Nessa breve entrevista, a excepcional atriz francesa Isabelle Huppert fala sobre como foi que Godard a convidou para participar do seu filme 'Sauve qui peut - la vie' ('Salve-se quem puder - a vida', de 1980), que marcou o retorno do cineasta francês aos filmes distribuídos no circuito comercial, ao qual ele havia abandonado totalmente depois da sua intensa participação durante as manifestações do movimento de Maio de 68 e no 'Grupo Dziga Vertov'. 

Entrevista!

“Quando eu conheci Jean-Luc, eu não estava tão ciente sobre os seus filmes na época, provavelmente vi 'Acossado' e 'Pierrot le Fou'. E eu sabia, é claro, quem ele era e quem ele ainda é, mas eu não era uma grande conhecedora de seus filmes.

Ele me ligou e me disse 'sou Jean-Luc Godard', você sabe que ele tem um sotaque suíço e, em seguida, ele disse que 'eu gostaria de conhecer você'. Eu disse, sim, sempre que quiser. E ele disse, 'agora então'. 

E literalmente 15 minutos depois ele estava no meu apartamento, tocando à porta, e ele estava lá, foi um momento agradável, porque foi tão rápido que eu não precisei me preparar. Estava apenas sentado no apartamento, me dizendo que ele queria fazer esse filme comigo.

Eu estava gravando o 'Heaven's Gate' (O Portal do Paraíso) e o 'Heaven's Gate' foi muito mais longo do que pensávamos.

'Sauve quiet peut - la vie' (Cada um por si - a vida; 1980) ele planejava filmar no outono, mas Jean-Luc queria ir me visitar novamente. 

Um momento peculiar aqui é que isto só foi bom para poder dirigir pelas estradas de Montana, levando-o a este restaurante. Em um certo momento pedi a Jean-Luc que me dissesse apenas algumas palavras sobre o meu personagem, sobre o que eu deveria fazer no filme. 

Ele olhou para mim e disse que tinha que ser o 'Rosto do Sofrimento' e que nunca, sempre lembrarei disso, do jeito que ele está triste e, de fato, acho que vi 'Vivre sa Vie' (Viver a Vida; 1962), que tem semelhanças com o que faço em 'Sauve quiet peut - la vie'. 

E quando vi o filme entendi mais o significado dessa frase e da ligação óbvia entre os dois filmes.

O 'Rosto do Sofrimento' foi algo tão definitivo, tão forte, revelador e emocionante e comovente. Foi de um jeito que isso é tudo o que você precisa como ator para ter algo que torna seu mundo imaginário completo e cheio.".

Obs1: Bem, acho que a tradução está boa. Se alguém descobrir algum erro é só avisar. 

Links: 

Entrevista com Isabelle Huppert:




Salve-se quem puder (a vida) - Trailer 


domingo, 22 de setembro de 2019

Em defesa de Jean-Luc Godard e do Cinema Autoral!

Em defesa de Jean-Luc Godard e do Cinema Autoral! - Marcos Doniseti!
O nível de desinformação no Brasil é tão gigantesco que é necessário defender a importância da obra revolucionária de um cineasta ousado e inovador como é o Godard. Enquanto isso, os patéticos filmes de super-heróis arrebentam nas bilheterias. Pobre país...


Godard: Uma obra vasta, genial, diversificada e que poucos realmente conhecem!

"Rossellini me ensinou que, para fazer um filme, você só precisa de um jovem, uma garota e de um carro" (Jean-Luc Godard). 

Godard foi o cineasta mais inovador e ousado da Nouvelle Vague. 

Ele nunca se acomodou, nunca fez um filme igual ao anterior. Diferente de outros cineastas, que criam uma fórmula, uma receita, para fazer os seus filmes, lucram com isso e não a modificam mais, Godard sempre procurou inovar. Sempre. Até os dias atuais ele faz isso. 

Ele poderia ter se acomodado, ter ido para Hollywood e feito 'Acossado' 2, 3, 4... Teria ficado milionário rapidamente e poderia ter ido cuidar da vida, sem se preocupar com o dia seguinte, pois talento ele sempre teve de sobra.

Mas Godard não fez isso. 

Godard escolheu seguir um caminho pessoal e não se deixou dominar pelos desejos do público (que, na sua maior parte, não sabe nada sobre Cinema e enxerga o mesmo apenas como uma reles forma de escapismo) e nem dos produtores gananciosos, que desejam apenas acumular lucros cada vez maiores, não tendo qualquer compromisso com uma obra de arte ou com a cultura. 

Assim, e tal como o produtor interpretado por Jack Palance fala em 'Le Mépris' (O Desprezo; 1963), quando os produtores ouvem a palavra 'cultura', eles sacam o talão de cheques. 

Foi a esse negócio sujo, meramente mercantil, visando o lucro, ao qual o grande artista que é Godard não se rendeu. Assim, ele pôde preservar a sua independência e o caráter autoral da sua obra, possuindo total controle sobre a mesma. Quantos cineastas ou artistas podem dizer o mesmo? 

Aliás, é bom ressaltar que a defesa do Cinema Autoral sempre foi a razão de existir da chamada Nouvelle Vague e isso começou anos antes, quando os criadores do movimento ainda eram críticos da 'Cahiers du Cinéma'

E tudo isso, para mim, é motivo de elogios e não de críticas. 
Capa da revista 'Cahies du Cinéma' com a belíssima Jean Seberg, em cena de 'Acossado', na edição 103, de Janeiro de 1960. O filme foi lançado em Março do mesmo ano e revolucionou o Cinema mundial. 

Aliás, são bem poucos, entre os autodenominados cinéfilos, aqueles que conhecem, de verdade, a íntegra da obra de Godard, que é muito vasta e diversificada. 

Godard dirigiu 47 filmes (longas-metragens) e também dirigiu mais 104 trabalhos de vários tipos: Séries de TV, curtas-metragens, documentários, segmentos para projetos coletivos.

Assim, no total, são 151 produções dirigidas por Godard. No entanto, a maior parte das pessoas assistiu, no máximo, meia-dúzia dos seus filmes e produções e já pensam que sabem tudo sobre o trabalho dele, o que é totalmente ridículo, patético mesmo.

Obs: A relação completa das obras de Godard vocês encontram no IMDB (ver link abaixo).

Na verdade, o grande público, atualmente, é muito mal informado e também é muito acomodado. Logo, poucas são as pessoas que vão atrás de informações corretas, que pesquisam por conta própria, com o objetivo de ter conhecimento dos fatos e, desta maneira, passar a ter condições de tirar conclusões corretas a respeito dos mesmos.

Com isso, cria-se uma situação em que muitas pessoas começam a acreditar que 'a Terra é plana', que 'o Nazismo é de Esquerda' e outras asneiras e imbecilidades semelhantes. O cérebro destas pessoas já foi estragado, não tem mais conserto e afirmar que elas são burras é uma ofensa aos burros, esse animal tão útil para o ser humano.
'Um Ano Depois': Ótimo livro de Anne Wiazemsky sobre o seu relacionamento com Godard nos últimos anos da década de 1960 e que possui um relato plausível e equilibrado, muito diferente do filme de Hazanavicius. Este último distorceu e manipulou inúmeros acontecimentos em prejuízo de Godard, com o objetivo de atacar o genial cineasta franco-suíço.

'Le Redoutable'/'O Formidável' - O filme mais desonesto da história!

E como se não bastasse tudo isso ainda tivemos um filme absurdamente desonesto e mentiroso (aquele 'O Formidável'), feito por aquele diretor invejoso do Michel Hazanavicius, que dirigiu um filme inteiro atacando Godard de forma baixa, suja e covarde.

Afirmo isso porque no filme nós temos um festival interminável de mentiras abjetas e repulsivas a respeito deste que é um dos mais importantes cineastas de todos os tempos e que mudou a história do Cinema mundial.

'O Formidável' foi o filme mais desonesto e mentiroso que já vi na vida. Nunca vi um filme tão manipulador. Nunca vi tantas mentiras em apenas um filme.

Apesar disso,eu li textos de vários críticos conhecidos que não leram o livro da Anne Wiazemsky ('Um Ano Depois', que recomendo), no qual o Hazanavicius diz que se baseou para fazer o 'Le Redoutable', e que acreditaram que o filme refletia a verdade a respeito de Godard.

Nada mais falso.

Eu li o livro da Anne e assisti ao filme do Hazanavicius na mesma época. Assim, eu tive como comparar ambos e fiquei horrorizado, pois o Hazanavicius deturpou e distorceu TUDO o que está no livro da Anne. TUDO!

Desta maneira, não há um único acontecimento que a Anne tenha relatado em seu livro que tenha sido transposto para o filme de maneira correta. Tudo foi manipulado.

Portanto, enquanto a Anne fez um relato bem plausível e equilibrado da época em que viveu (e foi casada) com o Godard, nos últimos anos da década de 1960, o Hazanavicius fez um filme desonesto, mentiroso e manipulador, com o objetivo de enganar o público e jogar o mesmo contra o Godard.

Isso fica claro porque todas as deturpações do filme de Hazanavicius foram feitas com o objetivo de atacar, de forma suja e covarde, ao Godard, em comparação ao qual o Hazanavicius não passa de um diretor medíocre, sem importância alguma para a história do Cinema. Todas as alterações realizadas por ele foram feitas para piorar a imagem de Godard perante o público que, na sua imensa maioria, não leu (e nem irá ler, pois o hábito de leitura nunca vigou aqui no Brasil), acredita que o filme seria fiel ao livro. E não é.

E com relação ao trabalho de Godard, eu fico com a frase do Truffaut: Existe o Cinema antes de Godard e existe o Cinema depois de Godard.

É isso.
"L'Express", em sua edição 328 (de 03/01/1957), trouxe uma matéria de capa sobre a nova geração da juventude francesa, a qual ela denominou de 'Nouvelle Vague'. Posteriormente a expressão foi usada para designar o movimento cinematográfico criado por críticos da revista 'Cahiers du Cinéma', que eram defensores do chamado 'Cinema Autoral'.

A expressão 'Nouvelle Vague' não tem nada a ver com o Cinema!

Talvez muitos não saibam, mas na verdade a expressão Nouvelle Vague foi um rótulo criado pela imprensa francesa. A expressão foi inventada por uma revista semanal francesa de informações chamada "L'Express" e não tinha nada a ver com o Cinema.

Em Outubro de 1957 a revista publicou, em uma matéria de capa, os resultados de uma ampla pesquisa sobre a juventude francesa, que havia sido encomendada, pela publicação, para o instituto 'IFOP' (um IBOPE francês) a fim de descobrir quais eram as características, anseios e objetivos desta nova geração, que a revista chamou de 'Nouvelle Vague'.

E quando apareceu aquela nova e revolucionária geração de cineastas que eram originários da revista 'Cahiers du Cinéma' (Godard, Truffaut, Chabrol, Rivette, Rohmer), junto com outros que também faziam um trabalho de perfil autoral (Jean-Pierre Melville; Robert Bresson; Agnes Vardà; Louis Malle; Alain Resnais) eles passaram a ser considerados como sendo membros de uma 'Nouvelle Vague', uma nova geração.

Mas o que os cineastas ligados à chamada Nouvelle Vague defendiam mesmo era a criação de um Cinema Autoral, ou seja, um cinema produzido com a assinatura pessoal do cineasta.

A origem do termo está em um texto de Alexandre Astruc (ver link abaixo), de Março de 1948, no qual ele defendia a criação de um Cinema Autoral, que foi a grande luta dos críticos da 'Cahiers du Cinéma' durante toda a década de 1950. Inclusive, para defender tal projeto cinematográfico, eles diziam que muitos dos principais cineastas eram autores, incluindo Anthony Mann, Orsos Welles, Alfred Hitchcock, Jean Renoir, Nicholas Ray, Fritz Lang, entre muitos outros.

Neste sentido, todos os cineastas do movimento foram fiéis à Nouvelle Vague, pois cada um criou e desenvolveu o seu próprio estilo de filmar.

Godard, Truffaut, Chabrol, Rivette, Rohmer: Cinco cineastas com cinco maneiras diferentes de filmar. Portanto, eles triunfaram, pois conseguiram criar uma arte de caráter estritamente pessoal, que é exatamente o que eles queriam.
Antes de começar a trabalhar com Godard, a bela Anna Karina era modelo, Jean-Paul Belmondo ainda lutava para se firmar no cenário do Cinema francês e Jean Seberg vinha de dois filmes, dirigidos por Otto Preminger, que haviam fracassado. Depois de trabalhar com Godard os três se tornaram grandes estrelas. 

Links:

Alexandre Astruc escreveu o texto que antecipou a criação da 'Nouvelle Vague':

Relação das obras dirigidas por Godard:

Os curtas e médias-metragens dos 'Jovens Turcos' da 'Cahiers du Cinéma' que anteciparam o movimento:

'Cahiers du Cinéma': Como foi a sua recepção para a 'Nouvelle Vague':

Antoine de Baecque conta a história da Cinefilia na França entre 1944 e 1968:
https://popeseries.blogspot.com/2019/06/cinefilia-antoine-de-baecque-conta.html

sábado, 21 de setembro de 2019

"Lola" mostra o olhar corrosivo de Fassbinder sobre o 'Milagre Econômico' alemão do Pós Guerra!

Lola mostra o olhar corrosivo de Fassbinder sobre o 'Milagre Econômico' alemão do Pós Guerra! - Marcos Doniseti!
'Lola' (1981) é o segundo filme da Trilogia de Fassbinder sobre o 'Milagre Econômico' alemão e mostra que a corrupção, a hipocrisia e a imoralidade também fizeram parte deste processo histórico.
Rainer W. Fassbinder foi um dos mais geniais e talentosos cineastas europeus do Pós Guerra, tendo integrado a segunda geração do ‘Novo Cinema Alemão’, que começou em 1962 quando tivemos a publicação do 'Manifesto de Oberhausen'.
Fassbinder, junto com Wim Wenders e Werner Herzog, constituiu o seu trio mais criativo, de maior sucesso comercial e também o mais premiado internacionalmente, embora o movimento tenha tido outros representantes que produziram uma obra excepcional, tais como Margarethe von Trotta, Volker Schlondorff e Alexander Kluge. 
Os filmes de Fassbinder contam a história da Alemanha no século XX, mostrando as crises do período do Entre Guerras e a ascensão do Nazismo (em ‘Berlin Alexanderplatz’), a Segunda Guerra Mundial (em ‘Lili Marlene’) e as mudanças pelas quais o país passou durante o Pós Guerra, destacando o 'Milagre Econômico' na consagrada ‘Trilogia da Alemanha Ocidental’.
‘Lola’ (1981) é o segundo filme desta ‘Trilogia’, que conta a história da Alemanha Ocidental no Pós Guerra e que começou com ‘O Casamento de Maria Braun’ (1978) e que foi concluída com ‘O Desespero de Veronika Voss’ (1982).

Armin-Mueller Stahl e Barbara Sukowa: Interpretações brilhantes neste clássico de Fassbinder, que também possui uma fotografia que reflete o clima de devassidão moral no qual os personagens vivem. 
Em ‘Lola’, o prefeito de uma pequena cidade da Alemanha Ocidental nomeia um novo diretor de planejamento urbano (von Bohm, magistralmente interpretado por Armin Mueller-Stahl), que é considerado íntegro, honesto, moralista e incorruptível.
Porém, von Bohm acabará se deparando com uma intensa atividade criminosa e corrupta que envolve a elite dominante local, que desvia recursos das obras públicas que são realizadas na cidade: o prefeito, jornalistas, empresários, funcionários públicos participam desse esquema de corrupção.
 
E tem algo mais que os une: Eles são clientes de um bordel que pertence a um dos principais membros desta elite cínica, imoral e corrupta (Schuckert, interpretado brilhantemente por Mario Adorf).
 
Os acontecimentos se desenvolvem em plena época do ‘Milagre Econômico’ alemão, cujo início coincide com o momento em que a Alemanha conquistou a sua primeira Copa do Mundo de Futebol, em 1954, na Suíça, após a reconstrução do país ter sido concluída. Essa reconstrução foi viabilizada pelo 'Plano Marshall', que foi financiado com dinheiro dos EUA e que vigorou entre 1948 e 1953. 
 
Gradualmente, o moralista von Bohm vai percebendo como é que as coisas funcionam naquela pequena cidade e ele decide enfrentar a elite corrupta da cidade, inviabilizando a construção de um grande conjunto habitacional, cuja concorrência é viciada e com a qual os membros da elite local irão se locupletar.
 
O grande ator Armin Mueller Stahl interpreta von Bohn, que tenta escapar ao esquema de corrupção que vigora na cidade onde assumiu a responsabilidade pelo planejamento urbano e, logo, pela realização de obras públicas.

No entanto, o triste e solitário von Bohm acaba se apaixonando por Lola (interpretada brilhantemente por Barbara Sukowa), uma bela e sensual mulher, que é mãe solteira e, também, é uma prostituta que trabalha no bordel que pertence a Schuckert, um dos mais ativos e corruptos membros da elite dominante local e que tem grandes interesses no setor de construção de obras públicas. 
O cínico Schuckert se especializa em subornar os funcionários envolvidos nestes projetos de construção, permitindo que frequentem o seu bordel e escolham as prostitutas de sua preferência. Essa paixão de von Bohm por Lola irá mudar o rumo da sua, até então, entediante vida e o levará a se envolver com a elite corrupta da cidade, além de promover a sua ruína ética e moral. 
A se destacar a belíssima fotografia, a bela e irônica trilha sonora, o roteiro extremamente crítico, corrosivo e sarcástico a respeito da Alemanha Ocidental, país que foi criado em 1949 quando as zonas de ocupação dos EUA, França e Grã-Bretanha foram unificadas pelos EUA, já como parte do novo ciclo histórico da Guerra Fria. 

Destaque-se, também, a brilhante interpretação de Barbara Sukowa, que graças à sua atuação conquistou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cinema de Munique, em 1981. 
 
Barbara Sukowa está perfeita no papel de Lola, que trabalha em uma boate que pertence a Schuckert (Mario Adorf), que faz parte da corrupta elite da cidade.
Informações Adicionais!

Título: Lola;
Diretor: Rainer Werner Fassbinder; 
Roteiro: R.W. Fassbinder, Pea Frohlich e Peter Marthesheimer;
País de Produção: Alemanha;
Ano de Produção: 1981;
Gênero: Drama;
Duração: 115 minutos; 
Música: Peer Raben e Freddy Quinn; 
Fotografia: Xaver Schwarzenberger;
Elenco: Barbara Sukowa (Lola); Armin-Mueller Stahl (Von Bohm); Mario Adorf (Schuckert); Mathias Fucks (Esslin); Karin Baal (Mãe de Lola); Elisabeth Volkmann (Gigi); Hark Bohm (Volker); Christine Kaufmann (Susi).
Prêmios: 
Melhor Atriz para Barbara Sukowa no Festival de Munique (1981). 
Melhor Atriz para Barbara Sukowa no Festival de Cinema Alemão (1982).
Melhor Ator para Armin-Mueller Stahl no Festival de Cinema Alemão (1982). 
 
A excepcional atriz Barbara Sukowa, que também atuou em 'Berlin Alexanderplatz', interpreta Lola, que ajudará a arruinar moralmente ao, até então, incorruptível von Bohm.

Trailer do Filme: