segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Godard e a compreensão da sua obra!

Godard e a compreensão da sua obra! - Marcos Doniseti!
Godard filmando as manifestações de Maio de 68, em Paris, das quais participou ativamente.


Godard: Fazendo filmes para quem, mesmo?



Algumas pessoas dizem que Godard realizaria filmes que seriam voltados para ele mesmo. Discordo totalmente desta afirmação. Godard não faz filmes para ele mesmo. 

Nunca fez.

Essa é uma crítica sem fundamento algum no caso da obra de Godard, que sempre procurou refletir sobre o mundo ao seu redor, tentou modificar o mesmo, e também realizou filmes que tratam do próprio ato de produzir e criar Cinema, sempre se questionando a respeito do papel do cineasta e do Cinema em nossa sociedade. 

Entendo que as pessoas que fazem essa crítica não assistiram e tampouco assistem aos filmes dele. E se assistiram, então elas não entenderam nada.

Vejam os casos de filmes como 'Viver a Vida' e 'A Chinesa'

Em ambos os casos, Godard se informou sobre os temas dos dois filmes e também pesquisou para escrever o roteiro dos mesmos. No caso de 'Vivre sa Vie' ele se baseou em reportagens sobre o tema da prostituição que foram realizadas na França naquela época e no caso do segundo filme ele chegou a entrevistar estudantes maoístas da Universidade de Nanterre para poder fazer o 'La Chinoise'. 

Anne Wiazemski também era estudante da Universidade de Nanterre, conhecia estudantes maoístas da mesma e colaborou com Godard na realização do filme. Outro que também o ajudou foi um intelectual maoísta, Jean-Pierre Gorin, com quem Godard criou, em 1969, o Grupo Dziga Vertov.  
A belíssima Brigitte Bardot em 'Le Mépris' (1963), filme no qual Godard faz uma reflexão sobre a produção cinematográfica e assume a defesa do Cinema Autoral.

Na época em que fez parte do 'Grupo Dziga Vertov', Godard também realizou uma série de filmes de caráter político e ideológico e que exibia, junto Jean-Pierre Gorin, para estudantes e operários, com o objetivo de contribuir para desenvolver uma consciência revolucionária entre os mesmos. Assim, Godard estava atuando no sentido de transformar a sociedade. Isso não deu certo, mas a iniciativa de Godard aconteceu, sim. 

E o seu filme mais recente, o 'Le Livre D'Image' (de 2018, vencedor de uma Palma de Ouro Especial no Festival de Cannes de 2018), é mais um exemplo perfeito disso, pois no mesmo há uma crítica bem pertinente, feita por Godard, a respeito da maneira como o mundo ocidental mostra os árabes e os muçulmanos, de maneira preconceituosa e sem permitir que se expressem, impedindo que mostrem a sua visão dos acontecimentos.

E no seu filme ele faz com que os árabes e muçulmanos se expressem.

Assim, Godard faz a crítica a esse atitude do Ocidente e mostra como seria possível mudar essa maneira de tratar e de se relacionar com árabes e muçulmanos, algo de grande importância para os europeus, que convivem com uma numerosa e crescente comunidade de muçulmanos.

Este último filme de Godard, aliás, é fortemente concentrado em temas e assuntos que são, principalmente, do interesse dos europeus, como a questão do meio ambiente, das guerras no Oriente Médio e das relações com árabes e muçulmanos. 

No entanto, os brasileiros são tão provincianos e isolados do mundo que nem perceberam isso. Mas eu percebi a presença destes assuntos no filme de Godard. E isso aconteceu porque eu me esforcei para compreender o mesmo, o que bem poucas pessoas fazem.

Bem poucas, mesmo. 

Os filmes de Godard exigem um mínimo de esforço intelectual para que sejam compreendidos e a imensa maioria das pessoas não faz isso, pois querem tudo explicado, nos mínimos detalhes, tudo 'mastigadinho'. Grande parte do público, e no Brasil isso é ainda pior, não faz isso porque não quer, porque tem preguiça de pensar.
'A Chinesa' (1967), filme de Godard sobre os estudantes maoístas franceses e para o qual ele entrevistou e fez pesquisas, com a ajude de Anne Wiazemski e Jean-Pierre Gorin.

Não adianta… A maior parte do público vê no Cinema apenas uma forma de diversão e de escapismo. Isso é inegável.

A imensa maioria das pessoas quer ver, no Cinema, o equivalente aos livros de Sydney Sheldon, algo que leem apenas para passar o tempo, para se entreter, e não para pensar, para refletir e, muito menos, para pesquisar a fim de que possam compreender o que assistiram ou que acabaram de ler. 

É por isso que os filmes de super-heróis são um retumbante sucesso e os filmes de Godard e outros que estimulam a reflexão não são. Se bem que no caso de Godard, é preciso ir além da mera reflexão, pois ele exige que se pesquise bastante sobre os assuntos e referências que incluem em seus filmes.

Então, entendo que essas pessoas, que não querem se esforçar para compreender os filmes de Godard, fariam muito melhor se ignorassem os filmes dele, pois assim evitariam de criticar aquilo que não conhecem e que não compreendem. 

Desta maneira, tais pessoas evitariam de fazer comentários patéticos, ridículos e superficiais do tipo 'não gostei', 'é chato' ou ‘é uma porcaria’, pois a compreensão dos filmes de Godard exige muito mais do que esse tipo de comentário estúpido, vazio e rasteiro.

Esse tipo de comentário pode valer para outros filmes, que são ocos e que nada dizem (aqueles de super-heróis, por exemplo), mas jamais para os filmes de Godard.

Não querem se esforçar? Então, sugiro que esqueçam os filmes de Godard e vão assistir outras coisas.

É isso.
"Le Livre D'Image" foi o mais recente filme de Godard e faz uma reflexão sobre o estado atual do mundo, comentando sobre a destruição do meio ambiente, as guerras, o Oriente Médio e a maneira como o Ocidente vê os árabes e os muçulmanos, estabelecendo conexões com acontecimentos do passado. No filme, Godard reflete sobre o trabalho do cineasta e também sobre o próprio Cinema.

Sobre o "Le Livre D'Image"! 

Escrevi e publiquei, aqui no blog, um texto a respeito do filme mais recente de Godard, que foi o "Le Livre D'Image" (ver link abaixo).

Para escrever o mesmo eu tive que assistir ao filme duas vezes (ambas no Cinema, em sessões consecutivas) e também tive que pesquisar bastante sobre tudo o que ele mostrou na obra. Demorou três dias para terminar o texto. Então, se eu faço esse esforço, então os outros também podem fazer. Não fazem isso porque não querem.

Algumas pessoas dizem que não tem tempo livre disponível para fazer algo assim. Pode até ser que isso seja verdade, embora muitos tenham tempo livre para assistir muitos programas de TV e filmes ruins por aí e para escrever comentários rasteiros e estúpidos sobre os filmes do Godard nas redes sociais. 

Mas, se for mesmo esse o caso, ou seja, a falta de tempo disponível, então não comentem nada sobre os filmes de Godard, oras!


Deixem essa missão para quem tem o tempo e a disposição necessárias para fazer o esforço intelectual que os filmes de Godard exigem para que possam ser compreendidos.

Assim, o problema estará resolvido.

Convencendo alguém a gostar da obra de Godard: Isso é possível?
'Ambição no Deserto', livro do escritor egípcio Albert Cossery no qual Godard se baseou para fazer reflexões a respeito da situação política do Oriente Médio. Desta maneira, Godard transpôs para o seu filme a visão de um árabe a respeito da situação dos países árabes e muçulmanos. 


Uma amiga cinéfila me disse que respeita o meu grande interesse pela obra de Godard e que gostaria de ser convencida por mim para que ela pudesse vir a demonstrar o mesmo interesse.

O que eu respondi, para ela, é que para que ela possa vir a ser convencida, então ela terá que assistir aos filmes do Godard e fazer o esforço intelectual necessário para poder compreender os mesmos. Portanto, a minha resposta foi que esse convencimento irá depender exclusivamente dela e de mais ninguém.

Os filmes de Godard exigem, como já afirmei, esse esforço intelectual de nossa parte.

Afinal, não é possível assistir aos filmes dele do mesmo jeito que assistimos a outros filmes, pois eles possuem características próprias, que são específicas da obra 'godardiana' e que exigem um estudo e uma análise bastante detalhados e minuciosos de cada um dos seus filmes.

Obs: Tal afirmação também é válida para outros grandes cineastas importantes e significativos para a história do Cinema mundial, como são os casos de Rossellini, Bergman, Orson Welles, Fellini, Kieslowski, Chaplin, Buñuel, Tarkovski, Kubrick, Hitchcock, Kurosawa, entre muitos outros. As obras destes cineastas também exige esse mesmo tipo de esforço.

Eu afirmo isso não porque Godard seja melhor do que os outros cineastas (embora eu pense que ele seja, sim), mas porque a sua obra é diferente, possuindo um caráter único e pessoal. Em função disso é que se faz necessário realizar esse esforço intelectual para que ela possa ser compreendida.

Nem todos tem interesse (ou tempo disponível...) em fazer esse esforço intelectual 
para compreender a obra de Godard, o que eu respeito, mas neste caso é melhor não ver os filmes dele e tampouco comentar sobre os mesmos.

Afinal, sem esse esforço ninguém jamais conseguirá adquirir um grau mínimo de compreensão a respeito da obra de Godard. E no meu caso eu aprecio tanto a obra de Godard que estou disposto a fazer esse esforço.

É isso.
Glauber Rocha e Godard. O cineasta brasileiro participou do filme "Le Vent D'Est" ('Vento do Leste'; 1970), realizado na época do Grupo Dziga Vertov, que foi criado por Godard e Gorin e que tinha o objetivo de ajudar a criar uma consciência revolucionária entre operários e estudantes.

Links:

Sugestões para se compreender melhor a obra de Godard:
https://popeseries.blogspot.com/2019/03/jean-luc-godard-sugestoes-para-melhor.html

Relação de longas-metragens de Godard:
https://popeseries.blogspot.com/2019/03/godard-relacao-de-longas-metragens-do.html

Uma pequena história sobre o início da Nouvelle Vague:
https://popeseries.blogspot.com/2019/04/uma-pequena-historia-sobre-o-inicio-da_12.html

Algumas curiosidades sobre a Nouvelle Vague: https://popeseries.blogspot.com/2019/04/algumas-curiosidades-sobre-nouvelle.html

"Le Livre D'Image": Em filme-ensaio excepcional, Godard condena os 'Idiostas Sanguinários' que governam o Mundo:
https://popeseries.blogspot.com/2019/03/le-livre-dimage-em-filme-ensaio.html
"A Nouvelle Vague e Godard": O livro de Michel Marie é essencial para se compreender a origem do movimento cinematográfico mais revolucionário da história e que teve em Godard o seu protagonista mais influente e polêmico.

Alexandre Astruc escreveu o texto que antecipou a criação da Nouvelle Vague: 
https://popeseries.blogspot.com/2019/01/alexandre-astruc-escreveu-o-texto-que_26.html

Nenhum comentário: