sexta-feira, 19 de julho de 2019

'Cahiers du Cinéma': Como foi a sua recepção para a 'Nouvelle Vague"!

'Cahiers du Cinéma': Como foi a sua recepção para a 'Nouvelle Vague'! - Marcos Doniseti!
Cenas de 10 filmes essenciais da Nouvelle Vague: "Nas Garras do Vício' (Chabrol); 'Acossado' (Godard); 'Os Incompreendidos' (Truffaut); 'Hiroshima, Meu Amor' (A. Resnais); 'Lola' (Jacques Demy); 'Jules e Jim' (Truffaut); 'Adeus Philippine' (Jacques Rozier'); 'Cléo das 5 às 7' (A. Varda); 'O Desprezo' (Godard) e 'Minha Noite com Ela' (Éric Rohmer). 


Muitas pessoas pensam que, pelo fato dos cineastas que criaram 'Nouvelle Vague' (Godard, Truffaut, Chabrol, Rivette e Rohmer) terem sido críticos da revista ''Cahiers du Cinéma", a publicação sempre teria defendido o movimento, desde o início, quando Claude Chabrol, em 1958, filmou o primeiro longa-metragem da história da Nouvelle Vague, que foi "Le Beau Serge" ('Nas Garras do Vício'; 1958).

Mas não foi isso que aconteceu, por incrível que possa parecer. Nos primeiros anos da Nouvelle Vague a 'Cahiers du Cinéma' não defendia os filmes dos cineastas do movimento. Ela comentava os filmes, nas não defendia o movimento contra as críticas que eram feitas ao mesmo da parte de outras publicações, como a 'Positif'.

Isso não acontecia porque a equipe da revista tinha sido bastante modificada após a saída dos 'Jovens Turcos', que criaram a Nouvelle Vague, se tornaram cineastas e não colaboravam mais com a publicação.

Godard, Truffaut, Chabrol, Rivette não estavam mais colaborando com a revista, pois as suas carreiras de cineastas tinham deslanchado e, desta maneira, eles realizavam filmes em sequência. Assim, nesta época em que a Nouvelle Vague estava começando, quem comandava a revista era o Eric Rohmer (cujo nome verdadeiro era Jean-Marie Maurice Schérer), que se recusava a assumir a defesa da Nouvelle Vague nas páginas da revista. 

A respeito da atuação da 'Cahiers', Rohmer disse o seguinte: "Nosso alvo é um público restrito, cuja ótica é a do museu... Se ainda não existem, no mundo, museus do cinema digno desse mundo, cabe a nós estabelecer suas fundações. Este é o objetivo mais claro da nossa luta, que esperamos travar, nos anos vindouros, de maneira mais ativa, mais precisa, mais circunstancial".
Claude Chabrol e Jean-Luc Godard no escritório da 'Cahiers du Cinéma', em 1959.

Traduzindo: A 'Cahiers' não iria assumir a defesa da Nouvelle Vague naquele momento, pois Rohmer entendia que ainda era muito cedo para se confirmar a qualidade das produções dos cineastas do movimento. Para Rohmer, seria necessário 'dar tempo ao tempo' até que as inegáveis virtudes dos filmes da Nouvelle Vague fossem reconhecidas para que, somente depois disso, a 'Cahiers' assumisse a defesa do movimento. 

Enquanto isso, os críticos franceses das outras publicações dedicadas ao Cinema eram extremamente hostis à Nouvelle Vague e, como a 'Cahiers' seguia a orientação de Rohmer, a publicação recusava-se a defender a Nouvelle Vague nos primeiros anos do movimento. 

Por isso mesmo é que o Rohmer acabou sendo retirado do comando da revista a partir de Agosto de 1962, que passou para um colegiado no qual a maioria dos integrantes era de críticos que defendiam a Nouvelle Vague. 

E a partir de 1963 a revista passará a ser comandada por Jacques Rivette, que imprimiu uma orientação totalmente diferente para a 'Cahiers', que passou a promover os inúmeros 'Cinemas Novos' que se desenvolviam pelo mundo afora,(Brasil, Canadá, Japão, Tchecoslováquia, Polônia, etc).

É bom que se diga que não era essa a intenção dos críticos que se rebelaram contra a orientação imposta por Rohmer à 'Cahiers'. A ideia inicial era fazer um acordo com Rohmer. 
Bernadette Lafont, Gérard Blain e Jean-Claude Brialy em cena do filme 'Le Beau Berger' ('Nas Garras do Vício'; 1958), que foi o primeiro longa-metragem de um cineasta da Nouvelle Vague.

Porém, a resistência de Rohmer a permitir que a 'Cahiers' assumisse a defesa da 'Nouvelle Vague' era tão grande que foi necessário organizar um verdadeiro 'complô' para retirar o mesmo do comando da revista. Esse 'complô' começou no início de Junho de 1962 e foi comandado por Doniol-Valcroze (que era o principal acionista da revista, seguido de Truffaut), Jacques Rivette, Pierre Kast eTruffaut. Logo depois, Godard se uniu ao grupo. 

Em um primeiro momento os líderes deste 'complô' tentaram convencer o então editor-chefe da 'Cahiers', por quem eles tinham um grande respeito e chamavam, carinhosamente, de 'Grande Momo', a mudar a orientação da revista, sem que fosse necessário tirar Rohmer do cargo, mas este resistiu fortemente a isso, pois entendia que a publicação estava melhor do que nunca. 

Desta maneira, Rohmer jogava para o futuro a possibilidade de se promover mudanças na linha editorial da 'Cahiers', que era definida por ele mesmo. 

Com isso, Doniol-Valcroze decidiu escrever um editorial que seria submetido aos outros quatro integrantes do movimento e que seria publicado na 'Cahiers' e no qual ele defenderia a mudança de orientação da linha editorial da revista. 

É bom que fique registrado que eles procuraram fazer isso enquanto reconheciam a importância de Rohmer para a publicação, elogiando, no editorial, o trabalho que ele havia feito no comando da 'Cahiers'. Desta maneira, em um primeiro momento, eles tentaram um entendimento com Rohmer. 

Mas o 'Manifesto dos Cinco', como ficou conhecido o editorial de Jacques Doniol-Valcroze, foi rejeitado por Rohmer, que recusou até mesmo publicar o texto na 'Cahiers'. Em função disso, Truffaut escreveu, em 5 de Julho, uma carta para Doniol-Valcroze, no qual resume o impasse em que a revista se encontrava e manifestava o desejo de se chegar a um acordo com Rohmer, mas ele confessava que não sabia como isso seria possível. 
Eric Rohmer e Truffaut durante as filmagens de 'La Chambre Verte', filme dirigido por Truffaut, em 1977.

Doniol-Valcroze, assim, volta a tentar convencer Rohmer da necessidade de se promover mudanças na orientação da 'Cahiers', usando de vários argumentos, como o de que a revista não deveria ter medo de "à nossa maneira, e ao nosso estilo, voltar à luta e não ter medo de com isso parecer defender nossos próprios bastiões".

Ele dizia que o objetivo dos cinco não era revolucionar a revista (leia-se: eles não queriam afastar Rohmer do comando), mas acrescentar algo, ou seja, a defesa da Nouvelle Vague por parte da publicação que, até aquele momento, atuava como se não tivesse nada a ver com o movimento, embora os criadores do mesmo tenham saído das páginas da 'Cahiers'.

No fim de Agosto de 1962, os cinco se reuniram e decidiram pressionar, de forma conjunta, ao teimoso Rohmer, que percebe que a direção do ventou mudou e decide fechar um acordo com os cinco. Desta maneira, ele decide permitir que a 'Cahiers' assuma a defesa da Nouvelle Vague.

Então, foi somente a partir de Agosto de 1962 é que a 'Cahiers' passou a defender abertamente a Nouvelle Vague, ou seja, quatro anos depois que o Chabrol tinha dirigido o primeiro longa-metragem da Nouvelle Vague ('Nas Garras do Vício'; 1958). 

Aliás, a Nouvelle Vague era violentamente atacada pelos críticos das inúmeras publicações francesas que eram dedicadas ao cinema (a 'Positif', por exemplo) naquela época.

A consagração dela viria anos mais tarde.  

Jean Seberg na capa da 'Cahiers', na edição de Janeiro de 1960, em cena de 'Acossado', primeiro longa-metragem de Godard que revolucionou a maneira de se fazer filmes.

Obs: Todas estas informações eu peguei no livro 'Cinefilia', de Antoine de Baecque (que também escreveu as biografias de Truffaut, Godard e a história da 'Cahiers'), no capítulo 9 do livro: "A passagem ao moderno: Como os Cahiers du Cinéma abalaram a cinefilia (1959-1966)", págs. 333 a 385.

Link:

Entrevista com Antoine de Baecque:
https://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/cinefilia/

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