quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Filmes da Marvel: Por que as críticas que Scorsese e Coppola fizeram são corretas?

Filmes da Marvel: Por que as críticas que Scorsese e Coppola fizeram são corretas? - Marcos Doniseti! 
Francis F. Coppola e Martin Scorsese fizeram duras críticas aos filmes da Marvel. 
Dois dos grandes cineastas contemporâneos, Martin Scorsese e Francis F. Coppola, fizeram duras críticas aos filmes da Marvel, como as de que eles não seriam Cinema de verdade e que também seriam desprezíveis, sendo filmes para parques de diversões. Scorsese deixou claro que respeita os profissionais que trabalham nestes filmes, mas afirmou que os mesmos não são Cinema, de fato. 
Isso desencadeou uma grande polêmica envolvendo os fãs destas filmes e, também, aqueles que não os apreciam.

Existem uma série de motivos pelos quais podemos criticar os filmes da Marvel e abaixo irei relacionar e comentar a respeito de alguns deles, que entendo que são bastante relevantes.

Fazer justiça com as próprias mãos e os Salvadores da Pátria!

Em primeiro lugar, tais filmes defendem a ideia de que se pode fazer justiça com as próprias mãos, aprovando uma 'Privatização da Justiça', na qual alguns ‘Super-Heróis’ formam um verdadeiro 'Esquadrão da Morte' constituído por seres superpoderosos.

Nestes filmes também está implícita a ideia de que problemas complexos poderão ser resolvidos por ‘Salvadores da Pátria’ e de maneira simplista.

Então, você quer impedir imigrantes de entrar ilegalmente em seu país? Construa um muro e tudo será resolvido. Mas é claro que isso não resolverá coisa alguma. Isso é a típica proposta feita para enganar trouxa. E quem a formulou sabe de tudo isso, é claro. Afinal, oportunistas rasteiros e amorais, neste mundo, é o que não faltam.

Obs: Mas parece que essa época está terminando, como deixam claro os protestos no Equador, Chile, Líbano, Barcelona, a queda de Matteo Salvini na Itália e o resultado de algumas eleições recentes (Parlamento Europeu, Canadá, Dinamarca, Argentina, etc). Trump, por sua vez, é rejeitado por 57% da população dos EUA, segundo uma recente pesquisa que foi divulgada pela CNN, e 50% aprovam o seu Impeachment.
Martin Scorsese e Robert De Niro em 'O Touro Indomável', um dos grandes clássicos do cineasta ítalo-estadunidense.

Novos nomes?

Nestes filmes também não temos nenhum diretor, roteirista, ator ou atriz que tenha sido revelado pelos mesmos, que estejam em início de carreira e que podemos dizer que irá deixar a sua marca na história do Cinema.

Os filmes da Marvel são feitos por diretores e atores/atrizes já consagrados ou com carreira consolidada, como são os casos de Robert Downey Jr, Samuel L. Jackson, Scarlett Johansson, entre outros. Não são novos rostos, novos nomes, que estão se destacando agora.

Se tiver algum novo nome, então o mesmo será a exceção.

Se pesquisarmos sobre a história do Cinema veremos que todos os  grandes movimentos cinematográficos da história revelaram novos nomes (Policial Noir, Realismo Poético Francês, Neorrealismo Italiano, Nova Hollywood). Todos eles revelaram diretores, roteiristas, diretores de fotografia, atores, atrizes que marcaram época.

Exemplos: A Nouvelle Vague revelou novos diretores (as), tais como Godard, Truffaut, Chabrol, Rivette, Rohmer, Malle, Varda, Resnais, e também novos atores/atrizes, como Anna Karina, Jean-Pierre Léaud, Jean-Paul Belmondo, Jean-Claude Brialy, Marie-France Pisier, entre outros.

O Neorrealismo Italiano revelou nomes Fellini, Luchino Visconti, Giuseppe De Santis, Carlo Lizzani, Francesco Maselli, Mario Monicelli, Aldo Fabrizi, Gina Lollobrigida, Silvana Mangano, Lucia Bosé, entre outros.
Bruno Ganz, ator suíço, e Dennis Hopper, ator estadunidense, foram dois grandes talentos revelados, respectivamente, pelo Cinema Novo Alemão e pelo movimento 'Nova Hollywood'. E os filmes da Marvel revelaram alguém?

Qual é a finalidade destes filmes da Marvel?

Outro problema destes filmes da Marvel é que eles mostram que a empresa desistiu de fazer Arte. Ela faz sempre a mesma coisa, padronizada e pasteurizada, se repetindo filme após filme. É um festival de mesmice e de padronização.

Afinal, quem é que tenta, nestes filmes, fazer algo novo, diferente, o que é essencial para a existência do Cinema e da própria Arte?

Mas os filmes da Marvel não são apenas para adolescentes, pois existe um grande número de adultos que podemos dizer que são infantilizados e que gostam dos mesmos, estando convencidos de que eles são ‘puro cinema’.

Esse público não quer profundidade, nada muito complexo, preferindo o raso, o rasteiro, o simples, o menos complicado. Esse público quer o ‘Jornal Nacional’ em forma de filmes. É uma parcela do público que não quer pensar, mas que deseja que pense por ele. São filmes para os Hommers Simpsons deste mundo.

E o Cinema não é só para fazer rir ou chorar, para ser produzido como mero escapismo, mas também para fazer pensar, questionar, nos levando a refletir sobre nossas vidas, nossos valores e também sobre o mundo em que vivemos.

Porém, fazer filmes mais simples, que se limitam a fazer as pessoas darem algumas risadas ou que as levem a chorar é muito mais lucrativo.

Esse negócio de querer pensar e questionar não dá lucro, mesmo, então é melhor deixar para lá…
Filmes da Marvel são Cinema? São Arte? São relevantes? O debate esquentou.

Monopólio de mercado!

Por que os filmes da Marvel são os mais criticados?

Oras, porque são eles que monopolizam as salas, o que impede que as pessoas tenham acesso a outros gêneros de filmes. Se eles ocupassem apenas um nicho do mercado ninguém se importaria muito com eles. Mas eles monopolizaram o mercado e isso é péssimo para a criação cinematográfica.

Antigamente as salas comerciais exibiam filmes de Bergman, Truffaut, Godard, Fellini e eles faziam sucesso, sim. Agora esse gênero de filmes está restrito ao circuito alternativo, que tem poucas e pequenas salas (tipo o Belas Artes e o Reserva Cultural Itaú, em São Paulo) e que estão concentradas em grandes cidades.

Hoje os cinemas só exibem Marvel ou assemelhados. É um festival de mesmice e um monopólio que deveria, sim, ser proibido, por meio de uma legislação que obrigasse a exibição de um certo número de filmes, por um determinado número de semanas, para as produções alternativas, para os chamados ‘Filmes de Arte’, com outras propostas cinematográficas, que vão muito além dos blockbusters.

Alguns falam em livre mercado, mas a existência de um monopólio é a própria negação deste livre mercado. Livre mercado significa ter acesso a todos os tipos de produção, com as pessoas tendo a chance de assistir a filmes de baixo orçamento e de perfil mais autoral. Mas isso não acontece e o mesmo ocorre justamente porque o monopólio da Marvel destruiu o livre mercado.

Isso é como se ao irmos a um restaurante somente nos fosse oferecido arroz com feijão para comer. É claro que você poderá gostar, pois o arroz e o feijão irá saciar a sua fome, mas você nunca saberá se existem comidas melhores, pois é apenas arroz com feijão que tem para comer ali e você não conhece outras comidas.
'Blade Runner', de Ridley Scott, foi uma ficção científica inovadora e que influenciou muitos filmes e cineastas, ficando claro a sua importância para o Cinema.

Filmes para divertir e entreter o público sempre existiram, mas…!

Não sou contra filmes que nos entretenha, que nos prendam a atenção. Esse gênero de filmes sempre existiu, desde os primórdios do Cinema e sempre tiveram o seu público. Mas eles compartilhavam o mercado com outros gêneros de filmes, que tinham outras propostas cinematográficas. 

O problema dos filmes da Marvel é que muitos espectadores ficam restritos a apenas esse tipo de filme e não tem acesso ou rejeitam outros gêneros, de outros cineastas, se fechando para outro tipo de cinema, que também nos faça pensar e questionar, indo muito além do mero ‘rir ou chorar’.

E isso aconteceu porque as pessoas vão ao Cinema e é somente isso que exibem, filmes estritamente comerciais, impedindo que as pessoas tenham acesso a outros tipos de filmes.

E daí eu pergunto: Será que muitas pessoas assistem aos filmes da Marvel porque não estão lhes oferecendo algo diferente? Será que essa produção de melhor nível não poderia ter um público maior caso esses filmes fossem oferecidos para as pessoas? Penso que sim.

Filmes da Marvel e Mélies: Uma comparação ridícula!

Também vi alguns fãs dos filmes da Marvel comparar os mesmos com os filmes do 
Georges Mélies, um dos primeiros criadores do Cinema. Não há como comparar filmes da Marvel com Mélies. Isso é ridículo. Mélies foi um inovador, um revolucionário, que mudou muitas coisas no Cinema, que ousou criar algo novo.

Assim, ele está muito mais próximo das obras de cineastas como Scorsese, Coppola, Orson Welles, Rossellini, Godard, Fellini, que também foram cineastas inovadores.
Francesco Rosi, Luchino Visconti e Federico Fellini: Três grandes cineastas italianos que deram uma inegável contribuição para o Cinema.

Além disso, falar que se assiste aos filmes da Marvel porque simplesmente gosta dos mesmos não é válido em um debate. Afinal, gosto pessoal não conta como critério de avaliação de uma obra, seja um filme, livro, peça de teatro, música. A

Alguém pode até gostar dos filmes da Marvel e dizer que continuarão assistindo aos mesmos, mas não venham me dizer que eles são tão bons quanto os filmes de Scorsese, Fellini, Truffaut, Bergman, Kieslowski, Coppola ou de Kurosawa. Fazer essa comparação seria algo totalmente ridículo.

Além disso, os filmes da Marvel, inovam em que? Em convencer as pessoas de que fazer justiça com as próprias mãos é certo e que existem salvadores da pátria que irão resolver todos os nossos problemas com os seus superpoderes? Isso é patético.

Isso é infantilismo puro, é muita mediocridade intelectual, o que é resultado da recusa em pensar, em questionar.

Pedido de Socorro: Para quem, mesmo?

Já vi também alguns afirmarem que os filmes da Marvel revelariam um pedido de socorro.

Sim, com certeza. É verdade. Concordo com isso.

Mas o problema é que eles estão pedindo socorro para aquilo que não existe, ou seja, para pessoas superpoderosas que teriam soluções mágicas para todos os problemas.

Assim, o nível do debate é rebaixado para o menor nível possível, para o menor denominador comum. Um grande número de alemães, nos anos 1930, desesperados com a miséria em que viviam, também pediram por socorro. E pediram para quem?
Jean-Paul Belmondo e a belíssima e talentosa Jean Seberg, em cena de 'Acossado', clássico de Godard que revolucionou o Cinema mundial.

Para o Hitler e para os Nazistas que, aliás, também eram muito populares em outros países (Brasil, EUA, França...).

Deu no que deu…

Os alemães aprenderam a lição, sem dúvida alguma, e fazem questão de não esquecer o erro que cometeram, sendo que atualmente eles procuram mostrar isso para a população do país, para as novas gerações, mas vejam o preço que tiveram que pagar por isso. Será que as pessoas irão cometer o mesmo erro novamente? 

Logo, quanto mais simplista, estúpida e medíocre for uma proposta para a resolução dos problemas que a humanidade enfrenta, maior será a chance de que a mesma terá sucesso momentâneo, e de que um grande número de pessoas terminará por gostar e aprovar estas propostas. Mas elas não irão resolver coisa alguma e o final da história será catastrófico.

Para se constatar isso, atualmente, basta ver a história do ‘Muro do Trump’, que não resolverá coisa alguma a respeito do problema da presença dos imigrantes ilegais nos EUA, mas que muitos acreditaram que poderia ser a solução para o mesmo e votaram nele. Mas esse muro não resolverá coisa alguma. Nunca foi solução e nunca será.

Portanto, esses filmes refletem um pedido de socorro, sim, mas eles são resultados de um inegável processo de empobrecimento político, social e cultural que ocorreu em nossas sociedades nos últimos tempos. Estão pedindo por socorro do jeito errado e para as pessoas erradas.

Hitler e Trump que o digam…

Ataques a Coppola e Scorsese!

Também já vi alguns ‘marveletes’ (os fãs dos filmes da Marvel, é claro) atacarem a obra de Coppola e de Scorsese em função das críticas, corretas e fundamentadas, que eles fizeram aos filmes da Marvel, o que revela a pobre formação cinematográfica destas pessoas que os criticam.
Irène Jacob, Jean-Louis Trintignant e Krzysztof Kieslowski foram os protagonistas de um dos maiores clássicos contemporâneos, que foi 'Trois Couleurs - Red' (A Fraternidade é Vermelha). Kieslowski é autor de uma belíssima obra que nos leva a refletir a respeito de inúmeras questões (políticas, sociais, existenciais).

Scorsese e Coppola tem uma obra vasta, rica e diversificada. Eles nunca se limitaram a fazer um único gênero de filme, sempre evitaram de ficar se repetindo.

Eles fizeram dramas, comédias, policiais, suspense/terror. Sua contribuição ao Cinema é inegável. 

Não concordar com as críticas deles aos filmes da Marvel é um direito das pessoas, mas daí a atacar a obra deles em função disso é uma verdadeira piada. É aquela velha história de sempre: Como tais pessoas não tem argumentos para rebater as críticas, então ela atacam as pessoas que as fizeram, tentando desqualificá-las.

É sério que vocês querem desqualificar Coppola e Scorsese, como se eles não soubessem nada sobre Cinema? Brincou, né?

Resumindo!

Portanto, entendo que os filmes da Marvel possuem os seguintes elementos!

- São um verdadeiro festival de mesmice e de padronização;

- Refletem e difundem valores reacionários;

- Divulgam soluções simplistas e medíocres para problemas complexos;

- Apelam para um público que não conhece a riqueza e a diversidade da linguagem 
cinematográfica, que vai muito além de fazer ‘rir ou chorar’;

- Não dão contribuição alguma para o Cinema enquanto forma de Arte;

- Exercem um monopólio odioso no mercado. 

Logo, entendo que Coppola e Scorsese estão absolutamente corretos em suas críticas a estes filmes.
 'A Classe Operária Vai ao Paraíso', clássico de Elio Petri, é um filme que vai muito além de meramente 'fazer rir ou chorar' e que reflete sobre a realidade de pessoas reais, de carne e osso, ou seja, trabalhadores de uma indústria que são explorados pelos capitalistas. 

Links:
As críticas aos filmes da Marvel:


domingo, 13 de outubro de 2019

Antes dos Beatles: Godard filmou o Jefferson Airplane tocando no topo de um hotel em Nova York em Novembro de 1968!

Antes dos Beatles: Godard filmou o Jefferson Airplane tocando no topo de um hotel em Nova York em Novembro de 1968! - Marcos Doniseti!

Jean-Luc Godard, o cineasta que, segundo Bertolucci, iluminava o caminho para os outros cineastas, e o Jefferson Airplane, um dos principais grupos de Rock Psicodélico dos anos 1960.

Em um congelante dia 19 de Novembro de 1968 o grupo de Rock Psicodélico Jefferson Airplane, um dos mais populares da época, que tocou no festival de Woodstock, fez um show inédito na história do gênero musical em uma iniciativa que seria copiada pelos Beatles alguns meses depois, em 30/01/1969. 

O Jefferson Airplane tocou a música 'House at Pooneil Corners', de forma intensa, enérgica, distorcida e com o som em um volume muito forte, sobre o telhado do Hotel Schuyler, localizado na Rua 45, em Manhattan, em Nova York, mas é claro que a apresentação, que não foi autorizada por ninguém acabou sendo interrompida pela Polícia novaiorquina após cerca de 7 minutos de show.

E o mais incrível é que muitos não sabem que o cineasta que filmou esse show foi, simplesmente, o mais genial e inventivo cineasta originário da Nouvelle Vague, ou seja, Jean-Luc Godard. Na época, em Outubro de 1968, Godard foi para os EUA para trabalhar junto com dois cineastas estadunidenses que eram grandes admiradores seus: Richard Leacock e D.A. Pennebaker. 

Aliás, qual era o cineasta que, naquela época, não respeitava e admirava o trabalho do gênio francês? Como disse o cineasta italiano Bernardo Bertolucci, Godard era quem iluminava o caminho para os outros cineastas. Godard, Leacock e Pennebaker planejavam fazer um filme juntos, mas ele não foi finalizado. 

Além disso, Godard também participou de manifestações em Chicago na época em que tivemos o julgamento dos chamados 'Oito de Chicago', que haviam participado de protestos que resultaram em inúmeros conflitos com os policiais durante a convenção nacional do Partido Democrata naquele ano.

Godard filmando o Jefferson Airplane. Ele estava no escritório de Leacock e Pennebaker, localizado do outro lado da rua em que o grupo tocava.

Para o cineasta francês, o grupo de Rock Psicodélico Jefferson Airplane era o melhor exemplo da vanguarda revolucionária da juventude dos EUA naquela época, o que explica o seu interesse em trabalhar com o mesmo, fazendo essa filmagem ousada, inovadora e corajosa em Nova York. 

O filme no qual Godard trabalhou iria se chamar 'One A.M.' (One American Movie) e o mesmo fazia parte de um projeto concebido pelo cineasta francês, que procurava se aproximar da chamada 'Nova Esquerda' dos EUA. 

Quando foi aos EUA, em Outubro de 1968, Godard queria fazer um levantamento sobre essa nova geração de lutadores sociais e ativistas políticos, que repudiavam a política tradicional, bem como rejeitavam a lógica da 'Guerra Fria', ou seja, a divisão do mundo entre os blocos Capitalista (liderado pelos EUA) e Socialista (liderada pela URSS). 

Além de trabalhar com o Jefferson Airplane, o
filme concebido por Godard também previa a participação de vários dos principais líderes dos 'Black Panthers' (Panteras Negras) e da 'Nova Esquerda', incluindo Eldridge Cleaver, LeRoi Jones e Tom Hayden. 

Aliás, é bom ressaltar que Godard já havia incluído textos dos líderes dos 'Panteras Negras' em seu filme 'One Plus One'/'Sympathy for the Devil', que foi realizado naquele mesmo ano de 1968, e no qual tivemos uma relevante participação dos The Rolling Stones que, no filme, ensaiam os arranjos da música 'Sympathy for the Devil'. 

O Jefferson Airplane toca no topo do Hotel Schuyler, em Nova York, em uma congelante manhã do dia 19 de Novembro de 1968. Quase três meses depois os Beatles fizeram o mesmo, tocando no topo do edifício da gravadora Apple, em Londres.

Inclusive, o grupo de Rock britânico também chegou a gravar uma música (Street Fighting Man), que havia sido lançada na época das manifestações de Maio de 1968, na qual defendia os estudantes e as manifestações que agitaram a França, os EUA, a Itália e até mesmo países como o Brasil, o México, a Polônia e a Tchecoslováquia. 

Mas esse filme que Godard concebeu e que havia planejado realizar com Pennebaker e Leacock nunca foi finalizado. Somente alguns anos depois, em 1972, é que Pennebaker irá terminar o filme, no qual ele incluiu o show do Jefferson Airplane que havia sido filmado por Godard, e irá chamar o mesmo de "One P.M." (One Parallel Movie).

Para filmar esse show improvisado sobre o telhado de um hotel, que era um iniciativa inédita, e que antecedeu em pouco mais de dois meses ao show que os Beatles fizeram no telhado do edifício da sua gravadora (a Apple), em 30 de Janeiro de 1969, Godard ficou no escritório de Leacock-Pennbaker, que ficava em um edifício localizado no outro lado da rua, e filmou pela janela. 

Para fazer a filmagem, Godard dispensou os técnicos e operou ele mesmo a câmera. Inclusive, em determinado nós vemos Godard sinalizando da janela. No caso cineasta francês não era novidade nehuma filmar em condições tão precárias, pois em seus longas-metragens ele sempre trabalhou com uma equipe reduzida de técnicos e de assistentes. 

Durante o show, que ocorreu logo pela manhã (em um dia congelante), quando as pessoas estavam saindo para trabalhar, em um determinado momento a vocalista Grace Slick do Jefferson Airplane simplesmente gritou "Nova York, acordem seus fudidos! Música grátis! Façam alguma coisa! Amor livre!".


Anne Wiazemsky e Godard, em Nova York, na época das filmagens para 'One A. M.', que não foi finalizado.

E posteriormente, ao comentar a iniciativa, Grace Slick escreveu o seguinte: "Nós fizemos isso porque vimos que o custo de sair da cadeia seria menor do que o de contratar um publicitário".

Assim, fica claro que o show do Jefferson Airplane foi mais do que simplesmente tocar uma música como forma de despedida (como fizeram os Beatles dois meses depois), sendo que o mesmo seria incluído no filme planejado por Godard.

E este filme de Godard fazia parte de um projeto de propaganda e de divulgação que eram bastante típicos da época que e que visava divulgar as ideias e iniciativas da chamada 'Nova Esquerda' dos EUA, com a qual Godard tentava uma aproximação naquele momento de sua carreira, na qual ele havia promovido uma guinada radical após finalizar o seu clássico 'Weekend', em 1967. 

Quando Godard foi aos EUA, em Outubro de 1968, imaginava que uma Revolução estava prestes a começar nos EUA e ao perceber que ela não iria acontecer, o cineasta francês decidiu voltar para a França e por isso é que não concluiu o filme. 

É bom ressaltar que os anos de 1967-1968 foram de muita turbulência política e social nos EUA, ocorrendo uma série de fatos que abalaram a, até então, sólida e unificada estrutura política, econômica e social do país.


D. A. Pennebaker foi um cineasta que revolucionou a maneira de se fazer documentários, sendo um integrante do movimento chamado de 'Direct Cinema', que procurava filmar de uma forma bastante espontânea, tal como Godard também o fazia.

Assim, nestes anos ficou claro que o esforço militar na Guerra do Vietnã estava claramente naufragando. Em Janeiro de 1968 ocorreu a 'Ofensiva do Tet', uma grande ofensiva militar que foi realizada pelos Vietcongs, que mostrou para todos que os EUA jamais venceriam a guerra), com a Convenção Nacional do Partido Democrata daquele ano sendo marcada por intensos conflitos de rua, com o crescimento dos 'Panteras Negras', os assassinatos Martin Luther King Jr. e de Robert Kennedy.

Então, não é de se espantar que Godard imaginasse que os EUA estariam mergulhando em algum tipo de processo revolucionário.

Não se pode esquecer que, naquele período histórico, Godard mergulhou no Maoísmo e abandonou o chamado 'Cinema Autoral', o que irá leva-lo a criar, junto com Jean-Pierre Gorin, o 'Grupo Dziga Vertov', que procurou criar filmes de maneira coletiva e com finalidades políticas e revolucionárias. O Grupo Dziga Vertov irá existir até 1972, mesmo ano em que Pennebaker lançou o filme 'One P.M.'.

Logo, esse foi um período de atividades intensas por parte de Godard, que estava fortemente empenhado em um projeto de transformação revolucionária da sociedade e a iniciativa de filmar o Jefferson Airplane tocando sobre o telhado de um hotel de Nova York, em uma fria manhã de Novembro de 1968, fazia parte do mesmo.

Obs: Esse texto foi escrito com base em algumas informações que estão presentes nas matérias publicadas pelos sites 'Open Culture' e 'Dangerous Minds' (ver links abaixo), mas ele vai além das mesmas, contendo informações e comentários que não estão presentes nelas.

Bobby Seale e Huey Newton foram dois dos principais líderes dos 'Black Panthers'.

Links:

Open Culture - Jefferson toca sobre o telhado de um hotel de Nova York e é filmado por Jean-Luc Godard:
http://www.openculture.com/2012/02/jefferson_airplane_wakes_up_new_york_jean-luc_godard_captures_it_1968.html

Godard encontra o Jefferson Airplane:
https://dangerousminds.net/comments/when_jean_luc_godard_met_the_jefferson_airplane

Apresentação do Jefferson Airplane em Nova York em 01/11/1968:
https://www.youtube.com/watch?time_continue=111&v=WAJJE5Wo_OY

De onde os Beatles tiraram a ideia para tocar no telhado do edifício da Apple:
https://solobeatles.com/2014/10/08/did-the-beatles-get-the-idea-for-the-rooftop-concert-from-the-jefferson-airplane/

Vídeo com a íntegra da apresentação do Jefferson Airplane no topo do hotel Schuyler:


sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Jonathan Rosenbaum - Conversando com Godard (uma entrevista)!

Jonathan Rosenbaum - Conversando com Godard (uma entrevista)!
Isabelle Huppert e Godard em Nova York, em 1980, na época do lançamento do filme 'Sauve qui peut - la vie', que foi a obra que marcou o retorno do cineasta ao circuito comercial e dos festivais, dos quais ficou ausente por cerca de 10 anos. Eles voltariam a trabalhar juntos em 'Passion' (1982). 

A matéria abaixo, que contém uma entrevista que Jean-Luc Godard concedeu para o crítico Jonathan Rosenbaum, é de 1980, época do lançamento do filme 'Every Man for Himself'/'Sauve qui peut - la vie' (Salve-se quem puder - a vida').

Entrevista com Jean-Luc Godard! - por Jonathan Rosenbaum!

Publicado em 24 de Setembro de 1980.

Do 'The Soho News, de 24 a 30 de Setembro de 1980. 

O título (não o meu) era "Trazendo Godard de volta para casa". Esta é a primeira de duas entrevistas que tive com Godard até o momento; a outra, 16 anos depois, pode ser encontrado aqui. - J.R.

Atualmente, Jean-Luc Godard parece gostar muito de metáforas de transporte. Há rumores de que, quando Paul Schrader se aproximou dele recentemente em um festival de cinema e disse: "Acho que você deveria saber que peguei algo seu de The Married Woman e coloquei no American Gigolo", o Mestre respondeu friamente: "Importante não é o que você leva - é para onde você leva".

'Every Man for Himself', o primeiro filme de Godard a ser lançado nos Estados Unidos e exibido no Festival de Nova York em oito anos, é antes de tudo um veículo projetado para trazê-lo de volta para nós. 

Ele tem todos os ingredientes pelos quais os principais críticos vêm exigindo: Estrelas (Isabelle Huppert, Jacques Dutronc), personagens e enredos claramente definidos, música exuberante, bela fotografia de 35mm, erotismo esquisito, humor. 

"Estou realmente fazendo meu pouso na terra da história", Godard me diz em um ponto. "Como um avião."

Pode ser pura coincidência que ele pareça ter apenas a prostituição como tema quando está trabalhando em 35mm? Depois que uma prostituta em seu novo filme (Huppert) se envolve com um personagem chamado Paul Godard (Dutronc), ela é atacada por alguns bandidos, mandada e forçada a repetir que ninguém é independente.

Isso me faz pensar na situação de Godard como cineasta - incluindo o fato de que a maioria de seus filmes dos anos 70 ainda não foi lançada aqui (embora o Numéro deux, de cinco anos atrás, será lançado em alguns meses). 

É a primeira coisa que pergunto a ele depois que subimos na parte traseira de uma limusine que nos leva pelo tráfego no final da tarde, de uma sala de projeção no centro da cidade até o Aeroporto LaGuardia.

JONATHAN ROSENBAUM: Esse paralelo parece relevante para você?

JEAN-LUC GODARD: Sim, acho que sim. Eu não pensei nisso enquanto trabalhava nas filmagens, mas ... independência é algo que você precisa encontrar dentro de si também. A maioria dos cineastas se vê como independente ou a arte como independente. As pessoas do setor financeiro pensam que são independentes da arte! (Risos). Arte e economia estão sempre relacionadas... Talvez eu esteja apenas me aproximando da minha capacidade real de fazer um recurso.

JR: Suponho que o seu filme anterior que Every Man for Himself me lembra mais é '2 ou 3 Coisas Que Eu Sei Sobre Ela'. Mas uma coisa que a distingue nitidamente da maioria dos seus trabalhos anteriores é a rejeição de Paris - o fato de que tudo está definido na sua Suíça natal.
Cena do excelente filme 'Salve-se quem puder - a vida' (1980) na qual Godard faz uma citação ao filme 'Luzes da Cidade', de Chaplin, que em francês se chama 'Les Lumières de la Ville'.

JLG: Eu estava fora de Paris há 25 anos, quando estava escrevendo para Cahiers du Cinéma. Lembro-me de uma carta que escrevi para meus amigos Truffaut e Rivette - na época do primeiro filme de Astruc, quando eu estava trabalhando em uma barragem. Lembro-me de reclamar com eles sobre seu preconceito pelo filme da cidade. Eu não sou contra cidades - sou contra uma cidade tão grande.

JR: Você poderia descrever os programas que você fez para a TV francesa?

JLG: Cerca de cinco anos atrás, havia uma série de seis partes, 'About and Under Communication, 6 x 2'. A primeira parte de cada programa foi uma entrevista de uma hora com alguém em um steady shot (fixo) - um trabalhador, matemático, cineasta amador - e mais uma hora em que tentamos fazer pesquisas relacionadas a isso. Há três anos, fizemos 12 programas de meia hora, The Tour of France Told by Two Children, que foram exibidos apenas no verão passado. No meio de cada uma, havia um tiro constante de 15 minutos, conversando com uma garota de oito e um garoto de nove; o resto foi introdução e comentário.

No momento, estou trabalhando em três projetos juntos. 

Eu tenho um contrato com o governo de Moçambique para estudar televisão para eles enquanto eles estão construindo. Eles querem comentários sobre isso - talvez um relatório de fotos, não com palavras escritas, mas com imagens. Estou fazendo A True Story of the Movies, que alguns holandeses estão financiando, também um projeto de dois anos. Então, eu tenho um projeto na América com o Zoetrope Studios, para fazer um roteiro - mas, em vez de escrever, filmar.

Portanto, quando os executivos perguntam: "Você tem um roteiro?", Posso dizer: "Sim" e, quando dizem: "Posso ler?", Responderei: "Não - mas você pode vê-lo". Terá duas fitas, em vídeo e 35mm. Portanto, se não houver uma imagem feita depois disso, talvez possamos mostrá-lo na TV ou vendê-lo como um documentário. Isso se chama The Story. Por que as pessoas precisam de uma história - ela finalmente explora isso.

JR: Você prevê fazer filmes com histórias para fazer outros filmes sem histórias?

JLG: Estou tentando misturar os dois - para trabalhar para o governo, universidades ou médicos. Se é algo feito pelo governo de Moçambique, talvez possa interessar a algumas pessoas da UNESCO ou a algum outro país - mas obviamente não o Teatro Loews. Esse era o meu problema: levei quase 20 anos para perceber que filmes como Ici et ailleurs e Commenta va não deveriam ser feitos para cinemas, mas apenas para estudos ou para uma determinada categoria de pessoas.

E então é difícil, porque às vezes essas categorias não podem pagar o dinheiro. Se você seguir a rota habitual, mesmo a rota da casa de arte, deverá ter uma maneira adequada de fazê-lo. Caso contrário, a resistência será muito forte. Eles dizem: "Este não é um filme". Como as pessoas na TV francesa que dizem: "Isso não é uma TV". 

Eles não dizem que é ruim ou inútil. A única censura é estética: "Não é assim que um 
filme deve ser feito".
Isabelle Huppert voltou a trabalhar em um filme de Godard em 'Passion' (1982), que é baseado em inúmeras pinturas (Goya, Rembrandt...).

Eu moro na fronteira. Somos suíços, temos uma empresa francesa e queremos continuar assim e morar na fronteira. Nossos únicos inimigos são o pessoal da alfândega, sejam eles banqueiros ou críticos ... As pessoas pensam em seus corpos como territórios. Eles pensam em sua pele como a fronteira e não são mais eles quando estão fora da fronteira. Mas uma linguagem é obviamente feita para atravessar fronteiras. Sou alguém cujo país real é o idioma e cujo território é o cinema.

JR: Houve um forte senso de sua ausência como crítico.

JLG: Eu quero continuar com isso, mas com filmes, não com caneta e papel. Tente ser um crítico, não um revisor regular. Às vezes eu prefiro professores que fazem peças ocasionais. Não é possível ser crítico uma vez por semana.

JR: Eu acho isso impossível.

JLG: É impossível. Mesmo se você é um gênio, não pode fazê-lo.
***
O que mais Godard tem feito ultimamente? Dando palestras em Montreal sobre a história do filme que foram transcritas e publicadas recentemente na França. 

Produzindo a 300ª edição de Cahiers du Cinéma, que contém cartas para amigos e conhecidos ("Ninguém respondeu, nem mesmo amigos - eu não sei por quê"), fragmentos de uma entrevista, diversas colagens de palavras e imagens.

Mudando de lugar. Entrevistando Chantal Akerman para a revista Ça. Convidando Jacques Tati a desempenhar um pequeno papel em 'Every Man for Himself' (Ele recusou.). Convidando Marguerite Duras para desempenhar um pequeno papel (ela aceitou, mas insistiu em permanecer fora do alcance da câmera, deixando apenas sua voz ser ouvida).

Em suma, tentando trabalhar com outras pessoas. ("Estou tentando fazer algo com outros diretores a quem respeito. Estou tentando aprender meu trabalho, o que acho impossível. É o meu problema, mas estou tentando dizer que é o nosso problema."). 

Tentando se comunicar : “Se houvesse uma verdadeira revista de cinema, isso ajudaria as pessoas a se comunicarem da maneira que os cientistas fazem.

É por isso que a ciência é tão forte, seja no Pentágono ou em qualquer outro lugar. O cientista de Tóquio está trabalhando com o cientista de San Francisco; eles enviam cartas para lá e para cá. ”
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JR: Mas hoje as pessoas parecem menos interessadas em filmes e mais interessadas em cineastas - a síndrome dos groupies.

JLG: Sim. Mas na França, isso ocorreu principalmente porque nós, a New Wave, dissemos que os diretores são muito importantes. Era para ter o nosso direito de existir como diretores, porque não estávamos autorizados na época. Agora todo mundo pensa que os diretores são como Deus. Mesmo se você disser a um colega diretor: "Você é melhor como roteirista", ele se sente intrigado, como se ser roteirista fosse inferior. Mas eu não acho isso. Eu acho que não sou um roteirista muito bom, que pode ser um bom diretor.
A belíssima atriz holandesa Maruschka Detmers interpretou a Carmen em 'Prénom Carmen' (1983), que é um dos melhores filmes que Godard realizou após o seu retorno ao cinema 'normal', que ocorreu em 1980 (com o 'Salve-se quem puder - a vida'). Esta fase da carreira de Godard foi chamada de 'Período Tardio' por Jonathan Rosenbaum.

JR: Você já teve alguma exposição ao culto do Rocky Horror Picture Show?

JLG: Não.

JR: É um culto adolescente que vê esse filme centenas de vezes, participando diretamente de uma espécie de ritual. O que me intriga é a maneira como o público usa o filme como meio de comunicação - não o próprio filme se comunicando, mas um público se comunicando através de um filme.

JLG: É como certas imagens de viagens. Talvez eu diga isso porque tenho viajado muito ao longo dos anos. As pessoas gostam de pensar em si mesmas como estações ou terminais, não como trens ou aviões entre aeroportos. Eu gosto de me considerar um avião, não um aeroporto.

JR: Para que as pessoas usem você para conseguir certos lugares e depois sair?

JLG: Sim. Vou trabalhar muito mais nisso no meu próximo filme. Talvez, se for para ser uma imagem de pesquisa, seja um estudo, e eu aproveite o melhor disso e use-o em um recurso real. Porque não deve ser colocado em uma foto como eu fiz aqui - eu concordo plenamente com isso. Não há mais mudanças de ritmo na imagem, é por isso que elas são ruins. Mesmo imagens silenciosas tiveram tremendas mudanças de velocidade e nunca foram mostradas na mesma velocidade em que foram tiradas.

Hoje, em qualquer imagem atual, os atores falam na mesma velocidade em que falam na TV, onde não há risco. As imagens vêm apenas por causa das palavras faladas: ele tem que dizer isso, ela tem que dizer isso, eles têm que dizer isso. Então eles não olham mais para o que estão filmando e não ouvem o som. Eles apenas ouvem as palavras e vê se elas correspondem às palavras escritas.

Há muito mais histórias em uma peça musical de John Coltrane ou Patti Smith do que na maioria dos filmes atualmente. Às vezes, eles não têm uma imagem, mas estão escrevendo uma espécie de roteiro sem tela, sem escrever. E há muito mais do que nos filmes comuns.

A maneira como eles trabalham com equipamentos sofisticados - quero dizer, talvez a câmera, o laboratório e a mesa de edição sejam sofisticados, mas nesse meio tempo é tão conservador!

A maneira como eles gravam é muito mais ousada do que a maneira como gravam filmes. Eles gravam à noite quando sentem vontade. Eles fazem isso em pedaços, fazem isso de novo, fazem mudanças - descobrem ouvindo o que deve ser feito. Mas nos filmes, o roteiro escrito é obedecido como uma lei. Está se tornando cada vez mais forte, porque as fotos mudaram para a escola agora.

JR: Como você trabalhou com Gabriel Yared, compositor da trilha sonora de 'Every Man for Himself'?

JLG: Infelizmente, somente após as filmagens, em vez de ao mesmo tempo ou antes. 

Da próxima vez - já que eu o conheço agora, e a experiência foi nova para mim - será melhor. E estou tentando colocar fotos no cronograma de um ano, trabalhando de tempos em tempos e não continuamente. Estou tentando trabalhar com alguns dos atores que me conhecem agora, talvez mais uma vez com Isabelle e músicos - para que possamos marcar uma sessão e nos encontrar novamente, digamos, um mês depois. O objetivo é construir a música juntos. Quero dizer, Patti Smith e seu pianista estão trabalhando juntos mais próximos do que eu trabalho com meu diretor de fotografia.
A belíssima atriz Myriem Roussel trabalhou em três filmes de Godard, sendo que no terceiro ('Je Vous Salue, Marie'; 1985), ela foi a protagonista, interpretando a Virgem Maria, em uma obra que gerou muita polêmica. Anteriomente ela havia tido pequenas participações em 'Passion' (1982) e 'Prénom Carmen' (1983).
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Estou pensando na ênfase da música em 'Every Man for Himself', um lançamento americano do Zoetrope "composto" por Godard (como os créditos indicam). Até agora, chegamos à Air Canada e Godard me convida para o terminal para vê-lo em seu avião para Toronto.

Pergunto como ele gosta de 'Poto and Cabengo', feitos por seu antigo colaborador Jean-Pierre Gorin. Ele diz muito, acrescentando que ele e Gorin estavam muito nervosos quanto a isso ou não. Ele ficou particularmente impressionado com o uso de batentes paralelos aos seus, o que ele disse que nenhum deles discutiu com antecedência.

Ele vê menos filmes do que gosta por causa de sua pequena cidade, a meio caminho entre Lausanne e Genebra. Ele gosta muito de dois filmes recentes de Andrzej Wajda: 'Man of Marble' e um sobre divórcio cujo título lhe escapa - com uma cena final como Kramer vs. Kramer, ele diz com um sorriso, mas fez da maneira que um real diretor faria. 

Falamos brevemente sobre o Playtime de Tati ("É um bom filme"), bem como sobre a doença e a falência de Tati. Pergunto a Godard sobre a cena em que ele queria que Tati aparecesse. Enquanto Paul Godard fica na frente de um cinema mostrando 'City Lights', um homem sai, protestando: "Não há mais som aqui!"

JR: Por que você incluiu esse detalhe?

JLG: Eu não sei. Não gosto do que chamo de cenas vazias, que existem apenas por razões de roteiro. Eu acho que o som é sempre horrível nos cinemas, e o trabalho do projetista é péssimo porque eles não são bem pagos. E trabalhei com muito cuidado no som deste filme. Se não houver algo na foto, você deve trazê-la.

Não consigo imaginar como muitos cineastas estão filmando apenas para explicar algo na história. Nenhum pintor jamais pintaria uma imagem, nenhum músico gravaria um som, por esse motivo. Eu nunca mostrarei alguém atravessando uma rua para que você entenda que ele está indo de um lugar para outro. Farei se gostar da rua, ou por causa da luz, ou por causa de alguma coisa. Se não, eu não vou fazer, vou cortar.
A atriz Madeleine Assas interpreta Camille em 'For Ever Mozart' (1996), ótimo filme de Godard que trata dos crimes horripilantes que ocorreram durante a Guerra da Bósnia e que reflete sobre a incapacidade dos artistas e da arte de impedir que esses horrores aconteçam.

- The Soho News, 24 a 30 de setembro de 1980.

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Links:

Entrevista com Godard:

Isabelle Huppert fala sobre quando Godard a convidou para trabalhar em 'Salve-se quem puder - a vida' (1980):
https://popeseries.blogspot.com/2019/09/isabelle-huppert-fala-sobre-quando.html