terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

'A Primeira Noite de Tranquilidade' (La Prima Notte di Quiete): Zurlini fez mais um clássico sobre a desilusão amorosa e os sofrimentos da alma humana!

'A Primeira Noite de Tranquilidade' (La Prima Notte di Quiete): Zurlini fez mais um clássico sobre a desilusão amorosa e os sofrimentos da alma humana! - Marcos Doniseti!
Obra clássica de Valerio Zurlini, neste filme Alain Delon tem um dos melhores desempenhos de sua carreira (para muitos, o melhor), fazendo um par romântico, mas trágico, com a bela Sonia Petrova.

Valerio Zurlini: Um grande talento pouco conhecido!

Este belo filme de Valerio Zurlini encerra aquela que foi chamada de a 'Trilogia do Amor', que começou com 'Estate Violenta' ('Verão Violento', de 1959) e 'La Ragazza con la Valigia' ('A Moça com a Valise', de 1961), sendo que ambos já foram devidamente comentados aqui no blog.

Tal como os filmes anteriores de Zurlini, este também é marcado por um intenso sofrimento dos seus protagonistas (Dominici e Vanina, em especial), que se amam e tentam ficar juntos, mas que terão que superar inúmeros obstáculos, bem como um passado obscuro, para que isso venha a acontecer. O casal é interpretado por Alain Delon (Dominici), naquela que é a considerada a sua melhor atuação, e Sonia Petrova (Vanina Abati).

O nome do filme vem de um poema de Goethe. 

Neste filme, fica evidente a influência da Religião, da Pintura, da Literatura e do Existencialismo sobre a obra de Zurlini. Pinturas renascentistas, trechos da Bíblia, referências à Literatura (Stendhal, D.H.Lawrence, Shakespeare, Dante Alighieri, Goethe) e ao Existencialismo estão presentes neste belo e clássico filme de Zurlini. 

E até mesmo uma cena que, de certa maneira, é uma refilmagem de duas outras, dos seus excelentes filmes 'Estate Violenta' ('Verão Violento') e 'La Ragazza con la Valigia' ('A Moça com a Valise'), está presente no mesmo.

O filme começa com uma bela cena onde vemos o professor Daniele Dominici andando a esmo, perdido, como se estivesse deslocado do mundo, à beira mar. A paisagem é nebulosa, o mar violento, e isso está diretamente relacionado ao estado de espírito que domina Dominici neste momento de sua vida, que é marcada por um imenso vazio sentimental e existencial e por uma interminável angústia. 

Essa clara ligação das paisagens com a alma interior dos personagens era uma característica que estava muito presente nos filmes de Valerio Zurlini. Aliás, nos filmes de outro grande mestre do Cinema, Michelangelo Antonioni, também acontecia o mesmo. A influência do Existencialismo é mais do que evidente nas obras destes dois geniais cineastas italianos. 

E quando foi questionado por um turista e sua esposa, em seu barco, que local era aquele, Dominici fala que é Rimini e também diz para a mulher que ele também não conhece o lugar, pois chegou ali naquele dia, o que iremos descobrir que não era exatamente verdade...
O solitário Dominici, interpretado por Alain Delon, à beira do mar e de uma paisagem cinzenta, que se relaciona com a sua desilusão com a vida e a sua descrença em tudo, inclusive, em Deus, levando-o a adotar um maneira de pensar e uma postura niilista. A influência do Existencialismo era muito forte no cinema de Zurlini.
Em Rimini, Dominici irá começar a lecionar Arte no Liceu. Embora ele receba do diretor a informação de que a disciplina do lugar é bem rígida, ele deixa os seus alunos bem à vontade, permitindo até que eles fumem em sala de aula, porém ele cobra, deles, a realização das atividades e não tolere desrespeito entre os estudantes. Em função dessa postura mais libertária em relação aos estudantes, ele recebe uma bronca do diretor do Liceu, mas que é inteiramente ignorada por Dominici. Depois da bronca, ele chega até a oferecer cigarros a um aluno... 

O filme também faz uma referência às inúmeras rebeliões estudantis que ocorriam em todo o mundo naquela época (EUA, Europa, América Latina) quando um estudante do Liceu, Fabrizio, pergunta a Dominici, já no primeiro dia de aula, se eles, estudantes, podem usar a aula para discutir os problemas da escola e elaborar a sua pauta de reivindicações para apresentar à direção do Liceu. 

Entre estes, está uma triste e bela jovem, Vanina, por quem o novo professor irá demonstrar um claro interesse desde o início, fazendo inúmeras perguntas e a questionando porque ela não escreveu uma redação sobre ela mesma, preferindo o outro tema que ele havia passado. 

Com o desenrolar da história, veremos que Vanina tem motivos mais do que suficientes para não falar sobre si...

Ele também se interessa pelas leituras que ela faz, ficando surpreso ao descobrir que Vanina já leu obras de autores como D.H. Lawrence ('O Amante de Lady Chatterley') e Stendhal ('Vanina Vanini') e que ela sabe que existe até um filme com o nome do livro de Stendhal (tal filme é de Roberto Rossellini e foi produzido em 1961). 

Na cidade, Dominici conhece um grupo de amigos burgueses (Spider, Marcello, Gerardo, Montanari) que são inseparáveis e que só querem saber de jogar baralho (a dinheiro), namorar, dançar, beber, sair para as baladas com garotas de programa, enfim, curtir aquilo que a vida pode oferecer de melhor a quem tem muito dinheiro para gastar e que não possui maiores preocupações. 

E um destes novos amigos de Dominici é justamente o namorado de Vanina, que é um playboy rico, dono de um carro esporte, mulherengo, insensível e infiel e que não a trata muito melhor do que as outras mulheres com as quais ele, eventualmente, se relaciona de forma rápida e vazia. Porém, Vanina não é nada ingênua e sabe de tudo isso, mas acaba se sujeitando a tal situação por razões que ficarão claras mais adiante no filme. 
O novo professor de Artes do Liceu, Dominici, sente-se imediatamente atraído pela bela, jovem, inteligente, culta (leitora de D.H. Lawrence e de Stendhal), melancólica e retraída Vanina. 
Porém, descobrimos que Dominici vive com outra mulher, Monica, já há muitos anos, mas ele deixa claro para ela que tal relacionamento é puramente de conveniência. 

Eles até são casados, mas o amor de Dominici por ela acabou há muito tempo, mas ambos continuaram juntos apenas para ter alguém com quem dividir a cama e se relacionar sexualmente, enquanto se envolvem com outras pessoas, sendo que ela (tal como ocorre com Vanina em relação a Gerardo) aceita tal situação porque tem medo de ficar sozinha. Logo, tal relacionamento é completamente desprovido de qualquer sentimento real, principalmente por parte de Dominici. Monica até tenta satisfazê-lo, mas não consegue. 

Em uma cena ela faz várias perguntas, questionando Dominici a respeito de seu passado, e pergunta se ele já amou alguém e ele responde que aquilo parecia o velório de um morto. E de certa maneira é exatamente assim que ele se sente, como um morto, chegando a dizer para Monica que ele se limita a sobreviver. 

Quando Monica pergunta se ele gostaria de ter um filho, talvez com a esperança de que a resposta fosse positiva e, assim, ela pudesse prendê-lo num relacionamento estável, Dominici responde 'Deus me livre! Pra quê?'. Resposta mais do que previsível, afinal para que ele teria um filho? Para dividir a sua angústia e o seu vazio sentimental e existencial com o mesmo? Como ele poderia amar tal filho, sentindo-se como alguém que limita-se a sobreviver, que não vê sentido em nada, sendo um niilista?

No Liceu, Dominici faz uma série de perguntas a Vanina, todas de caráter pessoal, descobrindo que tanto ela como a mãe de Vanina (Marcella Abati) não dão muito valor aos estudos, se bem que há uma razão para isso e temos uma dica do motivo quando ele a questiona do porque dela ter ficado dois anos sem estudar e se o motivo disso foi doença... Neste momento alguns alunos deram risada, pois com certeza eles sabem o verdadeiro motivo do afastamento de Vanina. 

Assim, fica claro que ela possui segredos, mas que se recusa a revelá-los para Dominici. Ele terá que descobri-los de outra maneira, muito mais dolorosa. 

E Dominici novamente se irrita quando pergunta o que ela mais gosta da vida e um estudante diz 'carros de corrida' (referência ao playboy rico que ela namora, Gerardo, que é dono de um carro esporte, um Miura), levando vários outros estudantes a darem risada. A partir deste momento do filme, percebe-se que Vanina está começando a olhar para Dominici de uma outra maneira, apaixonada, mas a sua expressão é permanentemente triste e melancólica, por motivos que ficarão claros mais adiante. 
Monica sofre pelo fato de não ser amada por Dominici.
Depois, Dominici vai até o local de trabalho de Marcello e fica claro que este não faz um trabalho dos mais corretos perante a lei. Junto com Spider, Leo, Marcello e Gerardo eles vão para mais uma noite de baralho e Dominici observa o comportamento infiel do namorado de Vanina. Gerardo questiona Dominici sobre as perguntas que este fez para Vanina durante a aula e Dominici diz que percebeu a tristeza de Vanina. 

Dominici empresta o seu livro de Stendhal ('Vanina Vanini') para a bela estudante e lhe diz que o mesmo trata de uma história de amor. Ele a convida para sair, passando a tarde e boa parte da noite com ela, levando-a para lugar aos quais ela nunca esteve. 

No caminho ela diz que jamais irá se casar com Gerardo e que tem conhecimento das mentiras e traições dele e Dominici percebe que ela não tem nenhum sentimento especial pelo namorado, com quem está junto apenas por conveniência, o que o deixa muito feliz, algo que ele não esconde dela. 

Um dos locais para o qual Dominici a leva é onde se encontra a 'Madonna del Parto', obra do pintor renascentista Piero della Francesca (de 1460). E neste momento temos aquela que é uma das mais belas cenas dessa obra belíssima e atemporal de Zurlini. 

Dominici explica para Vanina que a obra foi encomendada pelos camponeses de Monterchi, que é, inclusive, onde mora a irmã dela. E ele começa a falar de Vanina como se estivesse comentando a respeito de Madonna. 

Dominici diz que a Madona é como uma 'doce camponesa adolescente, nobre como a filha de um Rei', dizendo que ela conversa com os animais, ri e é pura. E o apaixonado professor completa falando que 'Ela parece compenetrada mas não é feliz. Talvez já sinta tragicamente que a vida misteriosa que cresce dia-a-dia em seu ventre, acabará numa cruz romana, como a vida de um malfeitor', ou seja, ele a vê como uma Virgem, pura e imaculada. 
Dominici vê Vanina como a Madonna, a mulher nobre e pura, uma Virgem, que irá terminar com a sua vida vazia, onde ele apenas sobrevive. 
E ele continua, falando que 'séculos depois um grande poeta a ela se dirigiria com estas palavras sublimes "Virgem Mãe, Filha de teu Filho, Humilde e superior à qualquer criatura. Por eterno conselho predestinada. Enobreceste tanto a natureza humana, que o seu Criador não desdenhou fazer-se sua criatura' (trecho de 'A Divina Comédia', de Dante Alighieri).

Assim, Dominici projeta em Vanina uma mulher que é nobre, pura, virgem, filha de Reis, mas, depois, ele irá descobrir que a história de vida dela é muito diferente do que ele imaginou. Mas quando ela pergunta se ele gostaria de ter um filho, ele diz que não tem mais vontade, coragem e nem a fantasia necessárias para isso. 

Dominici diz para Vanina que ela 'está começando agora', referindo-se à vida amorosa dela, o que ela nega na sequência, mas ela completa, dizendo que 'Dois seres que se amam, talvez sim, porque senão resta só um corpo que se deforma. Resta só o incômodo, a pena, a crueldade das pessoas que começam a reparar. Sem que haja algo mais para fazer. Ou quase'. 

Assim, ambos, Vanina e Dominici, anseiam desesperadamente por viver um grande amor, que lhes permita alcançar a felicidade e se completarem, permitindo sentir que estão vivos. 

Quando Dominici a leva embora, ela diz que está desiludida com ele, pelo fato de Dominici ter parado o carro numa rua mal iluminada, como que insinuando que o interesse dele seria estritamente sexual. Daí ele confessa que sabia que, naquela manhã, ela estaria sozinha e que o empréstimo do livro de Stendhal também foi algo premeditado. 

Ele diz que seus amigos (Spider, Leo, Marcello) o avisaram de que ela estaria sozinha e ela demonstra um certo temor a respeito do que eles teriam comentado a respeito dela, mas Dominici diz que eles não disseram nada (o que demonstra que, de certa maneira, eles perceberam que Vanina e Dominici estão se apaixonando e decidem ajudá-los a ficar juntos, algo que ficará mais claro posteriormente). Aqui também fica evidente que Vanina parece esconder algo a respeito do seu passado, ao qual deseja que Dominici não descubra, pois se isso acontecer, ele poderá vir a abandona-la. 
Vanina é uma pessoa triste, infeliz, amargurada, que nunca sorri, deixando claro a sua melancolia. E, tal como Dominici, ela também anseia por viver uma vida feliz, ao lado de uma pessoa que possa amá-la, e a cujos sentimentos ela possa corresponder.
Dominici explica para Vanina que não a procurou para ter uma 'noite divertida' com ela, que isso não o atrai. O que o atrai em Vanina é o desconforto que ela tem dentro de si e a melancolia sem fim dela que ele não consegue suportar. Vanina diz que ele não sabe nada sobre ela, mas Dominici fala 'Só sei o que me interessa saber', ou seja, que a ama. 

Ele continua a levá-la embora, Vanina toca na mão de Dominici, que para o carro e eles se beijam. Mas quando chegam perto da sua casa, ela vê o carro de Gerardo e fica com medo, pois não sabe como o namorado irá reagir. 

Dominici encontra Marcello, que o convida a ir para uma boate, a 'Novo Mundo', onde há muitas garotas de programa. A música, ora dançante, ora romântica, toca a noite inteira, enquanto o grupo de amigos (Dominici, Marcello, Leo, Spider) se diverte bebendo. Mas para a tristeza de Dominici, Gerardo também está lá, junto com Vanina, dançando e a beijando. Mesmo assim ele simplesmente não conseguir tirar os olhos dela. 

Dominici e Vanina trocam olhares apaixonados, numa cena que lembra a do filme 'Estate Violenta' ('Verão Violento'), do mesmo Zurlini, na qual Carlo e Roberta também trocavam olhares apaixonados enquanto dançavam com outros parceiros, bem como se refere a uma outra cena, do também clássico 'La Ragazza con Valigia' ('A Moça com a Valise'), na qual o jovem Lorenzo olha apaixonadamente para Aida, enquanto esta dança com um homem muito mais velho. 

Com certeza, esta é uma das mais belas e intensas cenas desta obra-prima de Zurlini, o cineasta que foi considerado como o poeta da melancolia e da desilusão amorosa. 

Uma das amigas do grupo (Elvira), e que está interessada em Dominici, percebe o interesse deste por Vanina e diz para ele que a jovem estudante representa 'muito passado, pouco presente e nenhum futuro'... Mas ele a ignora. 

Quando Vanina retorna da pista, Dominici a convida para dançar, mas ela se recusa. 

Gerardo não gosta da atitude dela e leva todos do grupo para o seu bonito, grande e luxuoso apartamento (e mesmo contrariada, Vanina vai junto, é claro). Na festa, Gerardo trata Vanina como se esta fosse uma mera empregada (ele vive dizendo para ela oferecer bebida aos presentes). Até o quarto do casal é devassado por uma das presentes (Elvira), vê-se que a cama está toda bagunçada, ficando claro os casos amorosos de Gerardo com outras mulheres. 

Assim, Vanina é sucessivamente humilhada por Gerardo na frente de todos, principalmente de Dominici, o que era o seu principal objetivo, é claro. Ele agia assim porque estava mais do que convencido de que Vanina jamais teria coragem de deixá-lo.

Eles continuam a beber e Gerardo acaba exibindo um filme com cenas de viagens que fez com ela. No filme, Vanina aparece o tempo inteiro feliz e sorridente, num contraste com tudo o que vimos dela até agora. 

É como se, no passado, em algum momento, ela tivesse desfrutado de alguns momentos de felicidade mas que, depois, isso se foi, machucada que ficou pelas mentiras e traições do namorado. Gerardo chega ao cúmulo do desrespeito e da humilhação com Vanina quando, numa das cenas, ela aparece totalmente nua, o que a deixa muito irritada, desligando o projetor. 

Com isso, a festa no apartamento chega ao fim.  
Enquanto dança com o namorado, Vanina troca olhares apaixonados com Dominici, cena que relembra dois belos filmes anteriores de Zurlini. 
Elvira tenta pegar uma carona com Dominici, mas este a rejeita, deixando claro que não tem nenhum interesse por ela. Quando chega em casa, ele discute com Monica, que lhe diz que quando faz amor com ele, ela não liga, daí ele se relaciona com ela, mas de forma meio que mecânica, sem demonstrar qualquer emoção ou sentimento durante o ato.  

Na manhã seguinte, ao ir tomar um café na padaria, Dominici vê Gerardo ao telefone e percebe que ele está procurando por Vanina, que desapareceu. Dominici chega correndo ao Liceu e confirma que ela também não está lá. Depois de telefonar e não encontrá-la, Dominici vai até a casa da mãe e esta diz para ele ficar longe da filha, pois deseja que a mesma se case com Gerardo, pois este é muito rico, e não com um 'maltrapilho' como Dominici. Ela diz isso porque sabe que a filha se apaixonou por este, é claro. 

Depois de receber uma segunda carta anônima, Monica questiona Dominici sobre o relacionamento deste com Vanina, e ele confirma que está apaixonado por essa bela, inteligente, culta, triste e melancólica jovem. 

Monica também pergunta se Vanina é prostituta, mas ele não quer conversar a respeito e ela tenta iniciar um ato sexual com ele, mas ele a rejeita. Monica diz não se importar com o fato dele se relacionar com outras pessoas, mas sim com a inquietação que paira sobre a casa (ou seja, com angústia permanente na qual Dominici vive), mas ele retruca dizendo que quando isso acontecia com ela, ele não a incomodava, o que ela confirma. 

Logo depois, vemos paisagens nubladas, frias, à beira mar, sendo que na sequência aparece Dominici, andando sem rumo, enquanto fuma um cigarro, sofrendo com toda aquela situação, após o desaparecimento de Vanina. É a paisagem refletindo o que se passa em sua alma. Spider aparece com a sua nova Ferrari e pergunta onde Dominici esteve nos dias anteriores. Dos amigos do grupo, este demonstra ser o mais próximo do professor niilista. 
Marcella Abati, mãe de Vanina, deseja que a filha se case com o rico playboy Gerardo, pois vê neste casamento a chance de ascender social e economicamente, mas a filha se apaixonou por Dominici e fugiu. 
Spider o convida a dirigir seu novo carro e Dominici o leva até um local que está intimamente ligado à sua vida passada em Rimini, algo que tinha sido escondido até esse momento. 

Dominici e Spider entram numa mansão abandonada, que está em ruínas, mas o professor começa a explicar tudo a respeito do lugar para o amigo, mesmo assim ele diz que a casa não era dele, mas de alguns 'conhecidos', mas que a mesma foi abandonada quando uma jovem morreu afogada. Dominici fala que tal família era constituída por um bando de depravados e de loucos que se deixaram morrer lentamente naquele lugar, que ele chama de um 'cemitério apodrecido', que estava todo corrompido, destruído, aos pedaços. 

Dominici diz que seus tios tinham uma casa próxima dali e que ele e os mais jovens iam até ali no verão e que andavam de bicicleta. Spider pergunta qual era o nome da jovem que se afogou, mas Dominici diz que 'não se lembra', o que não é verdade, é claro. 

Spider diz 'De vez em quando tenho recordações sem motivo. Aquele por quem procuram não está aqui' e Dominici continua, dizendo "Ressurgiu, como disse, no terceiro dia. Vão, Ele os precedeu na Galiléia, lá O encontrarão". 

Mas, apesar da citação bíblica, Dominici diz para Spider que é ateu, mostrando as contradições existentes em sua alma. 

Depois os dois vão para uma festa, em uma mansão, com dançarinas e garotas de programa, onde os participantes colocam pílulas na bebida para fazer com que as mulheres se sintam mais à vontade e possam ser seduzidas (ou melhor, violentadas) com maior facilidade. 

Uma das mulheres, Martine, lê a mão de Dominici, dizendo que este é rico, que irá para lugares desconhecidos, que é um artista, que quando não deseja algo, nada o convence a fazê-lo (Monica que o diga...), que ele é capaz de ficar muito triste, e que enxerga 'escuridão' na vida dele, mas que não sabe o que ela significa (porém, no final do filme ficará claro o significado dessa escuridão...). 
A bela, jovem, inteligente, culta, triste e melancólica Vanina. 
Porém, a maior surpresa para Dominici foi quando Spider lhe faz várias perguntas que, percebe-se, deixam-no incomodado, como "O que é o verão indiano?', 'Porque a morte é a primeira noite de tranquilidade?' (porque finalmente se dorme sem sonhos, responde Dominici) e 'Quem é o rebocador dos mortos?' (Caronte, diz Dominici, o que é uma referência à Mitologia grega) e 'Porque se dá uma esmola ao guardião do santuário de Nembi?' (para visitar o museu, precisa pagar a entrada, fala Dominici). 

Logo, depois, Spider também mostrou o exemplar de um livro de poemas escrito por ele, Dominici, há muitos anos e lê o trecho de um deles, que diz 'Mas não há caminho para o encontro que, para mim, poderia ser mais doce ou caro. A nós deveria ter deixado a feroz decisão que oculta atrás de limites invioláveis de frio... Para Lívia, um ano depois'.

Lívia é, claro, a prima de Dominici que morreu afogada. Spider diz que falta apenas uma peça do quebra-cabeça, que ele é curioso e que não se deixa enganar como os demais rufiões presentes naquela festa... 

Depois de tudo isso, Dominici fica com os olhos marejados, levanta-se e vai beber.

A energia na mansão acaba e Marcello procura por Dominici, avisando-o de que uma pessoa espera por ele em seu carro. E é claro que se trata de Vanina... Ela pergunta se ele ficará com ela, ele confirma, e ela diz que tem as chaves de uma casa que lhe foram entregues por Marcello. 

E é claro que quando chegam ao local, eles vão se beijar intensa e apaixonadamente e irão se amar durante toda a noite, afinal era exatamente isso que eles tanto desejavam. A cena é belíssima... Enquanto eles se beijam, cai uma chuva intensa, torrencial, do lado de fora. Novamente, a paisagem, no caso a condição climática, da natureza, está ligada ao desejo e ao amor que eles, Dominici e Vanina, sentem um pelo outro, com uma força e uma intensidade imensas. 
A chuva torrencial que cai fora da casa reflete a força e a intensidade do amor que Dominici e Vanina sentem e que irão viver, mas apenas por breves momentos. 
Mas as ondas violentas do mar agitado antecipam o que virá pela frente: Gerardo vai até a casa onde Dominici e Vanina estão, acompanhado de Elvira, Marcello e Spider. 

Gerardo entra na casa e começa a discutir com a namorada, que revela a sua paixão por Dominici, dizendo ainda que nunca o amou (não mesmo... pelo menos da forma como ela ama Dominici) e que ficou com ele apenas em função do dinheiro. Gerardo pede perdão a Vanina pelos seus erros, mentiras e traições e a pede em casamento, mas ela diz não. Gerardo conta para Vanina que Dominici chegou a ficar preso por 6 meses em 1955, mas ela não dá a mínima para isso. 

Daí, ela começa a contar das ilegalidades cometidas por ele e pelos demais membros do grupo (Marcello é contrabandista; Spider emite notas falsas) e pede para que ele vá embora. Gerardo perde as estribeiras e briga com Dominici, mas acaba levando uma boa surra, e ameaça o mesmo, dizendo que isso não ficará assim. 

Extremamente nervoso e frustrado, Gerardo começa a revelar o passado de Vanina e da família desta, dizendo que esta e a mãe, Marcella, eram prostitutas. Assim, fica claro para Dominici que ele poderá até amar Vanina e ser feliz ao seu lado, mas esta jovem e bela não é a Virgem nobre, pura e imaculada que ele imaginou inicialmente. Dominici explode e expulsa a todos da casa. Vanina diz que se ele quiser, ela irá embora, mas ele pede para ficar junto dele e se abraçam... ela chora.
Mais do que tudo, Dominici e Vanina desejam ficar juntos, se completar, vivendo uma vida plena de sentimentos, de amor e de paixão, que os leve à superar o vazio existencial de suas e a alcançar a felicidade tão almejada por ambos. Eles chegam a se amar, mas nessa belíssima obra de Zurlini essa situação é apenas transitória.  
Dominici acompanha Vanina até a estação, onde ela irá pegar o trem para a casa da irmã, em Monterchi.... Na despedida, ele diz 'Eu te amo', o único momento do filme em que isso acontece. 

Enquanto ela viaja, ele irá comunicar a Monica que está indo embora. Esta tenta convencê-lo a não fazer isso, perguntando como ele pode ter ilusões a respeito desse relacionamento com Vanina. Ela chega a falar, com outras palavras, que Vanina é uma prostituta, levando-o a responder que, assim, ela está tornando tudo mais fácil para ele. Ela faz uma cena, afirmando que irá cometer suicídio, se ele realmente abandoná-la. Mesmo assim, ele faz as malas e vai embora. 

Mas antes que comece a viajem, ele é agredido por um brutamontes, por ordem de Marcella ou de Gerardo (ou de ambos), mas é ajudado por Marcello e Spider, que o leva até a sua casa. Spider volta a perguntar sobre os poemas de Dominici e este esclarece que Livia era sua prima e morreu aos 16 anos. 

Spider pergunta sobre o trecho que diz 'Gesto altivo de maldade ou de coragem?'. E Dominici responde que o motivo do mesmo é que a prima cometeu suicídio. E um outro poema refere-se à morte de seu pai em uma guerra, na África, levando-o a dizer que a vida de um homem está repleta de mortos. 

Não é à toa que a sua alma sofre tanto... 

Dominici vai embora e Spider diz 'Que Deus o proteja', mas Dominici responde 'Ele tem mais o que fazer'. Depois de tantas tragédias em sua vida, com toda a infelicidade que o perseguiu a vida toda, a sua crença em Deus desapareceu. 

Na despedida, Spider cita alguns trechos da obra de Shakespeare, se emociona e Dominici vai embora...

Mas enquanto viaja, ele para no meio do caminho, várias vezes, e pede a Spider que vá até a sua casa verificar se Monica ainda está viva, o que o amigo faz, é claro, mas não consegue lhe dar uma resposta conclusiva. E a paisagem, fortemente nublada, durante a viagem, que o leva até a fazer ultrapassagens perigosas, revela a preocupação dele com a possibilidade de Monica realmente vir a se matar. 

Dominici chora e quando vai atravessar a rodovia, aparece um caminhão e ele morre... A cena lembra a forma de uma cruz romana.
O momento da morte de Dominici, cuja imagem forma uma cruz romana, que é a mesma que ele cita quando estava vendo a Madonna do Parto junto com a sua amada, Vanina. 
No seu enterro, estão presentes pessoas da sua velha família, mas elas parecem ser completamente sem vida, como se já estivessem mortas há muito tempo, tal como o próprio Dominici disse para Spider. 

Dominici também se sentia assim, mas ele tentou superar essa situação de tristeza, desencanto e melancolia ao amar Vanina. Assim, pelo menos por alguns breves momentos de felicidade dos quais desfrutou com a mulher que amou, ele conseguiu viver mais do que todos os velhos e decrépitos integrantes de sua família de loucos e depravados, como ele mesmo a definiu, durante muitas décadas. Essa foi a mesma família que conduziu a sua prima, Lívia, ao suicídio. 

Spider volta para a mansão da família de Dominici e se lembra do diálogo, parte cristão e parte existencialista, que travou com ele, quando Dominici cita a Bíblia, mas que revela-se ateu, ao mesmo tempo. 

Essa dicotomia, entre cristianismo e niilismo, esteve presente não apenas na fantástica e imortal obra de Zurlini, mas também em sua vida particular. E Dominici é o seu alter ego. 

Enfim, esta é mais uma obra-prima de Zurlini. Imperdível. 

Informações Adicionais!


'La Prima Notte di Quiete': ('A Primeira Noite de Tranquilidade');
Diretor: Valerio Zurlini;
Ano de Produção: 1972;
País de Produção: Itália;
Gênero: Drama Romântico;
Duração: 127 minutos;
Elenco: Alain Delon (Daniele Dominici), Sonia Petrova (Vanina Abati), Giancarlo Giannini (Giorgio Mosca, Spider), Renato Salvatori (Marcello), Adalberto Maria Merli (Gerardo Favani), Lea Massari (Monica), Alida Valli (Marcella Abati), Nicoletta Rizzi (Elvira), Sandro Moretti (Leo Montanari).


Links:

Vídeo - La Prima Notte di Quiete:




Frase de Spider, no final, citando Shakespeare:

http://williamshakespearewilliam.blogspot.com.br/2009/02/julio-cesar-ato-v-cena-i.html

2 comentários:

Unknown disse...

Filme maravilhoso, Alain Delon esta irresistível

Anônimo disse...

Que lindo. Chorei