quinta-feira, 10 de outubro de 2019

‘Allemagne 90 neuf zero’: O profético filme de Godard sobre a reunificação da Alemanha que anteviu as catastróficas guerras na Iugoslávia!

‘Allemagne 90 neuf zero’: O profético filme de Godard sobre a reunificação da Alemanha que anteviu as catastróficas guerras na Iugoslávia! - Marcos Doniseti!
Em 'Allemagne 90 neuf zero' (1991), cujo título é uma clara referência ao clássico 'Alemanha Ano Zero' (1948) de Rossellini, Godard procura fazer uma reflexão sobre o processo de reunificação da Alemanha. No filme, que é parte ficção e parte documentário e que possui um clima cinzento e pessimista, Godard percebe claramente que essa mudança iria gerar consequências negativas para a Europa. Ele acertou.

‘Allemagne 90 neuf zero’ (Jean-Luc Godard; 1991; 62 minutos)!



Este foi um filme, que não é muito conhecido, que Godard realizou logo após a reunificação da Alemanha, que ocorreu em 1990, e no qual ele usa de uma abordagem filosófica, literária e histórica para tentar compreender esse importante acontecimento do final do século XX.

Logo no início do filme, no entanto, o próprio Godard reconhece que ainda havia muita incerteza a respeito do que estava acontecendo e que ainda não era possível estabelecer uma narrativa, ou seja, uma explicação, sobre tal acontecimento, que se revestia de grande importância histórica. 

Em vez disso, Godard diz o seguinte: "Seria preferível procurar reter uma única nota ou um acorde durante uma hora, e tentar passar esse silêncio por música". Assim, ele preferia produzir uma obra de arte do que tentar explicar os acontecimentos daquele período. 

Outra frase dita no filme que reforça a impossibilidade de se explicar a reunificação alemã naquele momento em que ela ainda estava em andamento é a seguinte: "Não há narrador em uma situação impossível, difícil e agora solitária, do que ela foi previamente?".

E o seu título ('Allemagne 90 neuf zero') reflete a dualidade presente no mesmo, que mistura ficção e realidade, pois pode ser entendido como 'Alemanha 90 ano zero', referindo-se ao clássico filme de Rossellini, ou como 'Alemanha 90 novo zero', ou seja, que transmite a ideia de um recomeço. Assim, Godard avisa que estava começando uma nova etapa histórica. 

E essa obra de arte, que é o seu filme, ele o fará com a grande utilização de cenas de outros filmes, pinturas, textos (literários e filosóficos), música e também da memória histórica que remete ao passado da Alemanha, em especial os acontecimentos nos quais o poderoso país europeu se envolveu durante o século XX: Primeira Guerra Mundial, Nazismo, Segunda Guerra Mundial, Guerra Fria.
O 'Conde Zelten' é um espião que avisa ao agente Lemmy Caution (Eddie Constantine) que o mundo mudou e que os serviços deste como espião na ex-Alemanha Oriental (RDA) não são mais necessários.

No filme, também vemos algumas afirmações e perguntas que foram feitas pelo próprio Godard como intertítulos, com fundo negro. Entre os intertítulos, temos "Oh, a dor... A minha vida foi um sonho?". 

Esse filme também deixa claro que o mesmo possui uma nítida influência da obra de Roberto Rossellini já no título, que é uma clara referência ao clássico neorrealista 'Alemanha Ano Zero' (1948) do grande diretor italiano, que talvez seja o cineasta que mais influenciou a brilhante trajetória cinematográfica do genial Godard. 'Le Mépris', por exemplo, foi uma versão de Godard para o clássico 'Viaggio in Italia', de Rossellini. 

O tom cinzento do filme, típico de documentários, também é outra influência de Rossellini e também mostra o pessimismo de Godard com relação às possíveis consequências negativas da reunificação da Alemanha, no que ele estará coberto de razão, aliás. No filme, essa influência fica claro porque, tal como fazia Rossellini, Godard também mistura elementos ficcionais e realistas (de documentários), o que também é dito no próprio filme.

Assim, Godard mostra histórias, vídeos, filmes, imagens, textos, opiniões e cita fatos históricos para os quais usa da música clássica (Bach, Beethoven, Liszt, Mozart, Stravinsky, Shostakovich…) como trilha sonora. Se bem que, neste filme, Godard abriu uma exceção, pois no início do filme é tocada uma música de um grupo de Rock alemão chamado Rammstein e cuja letra condena o consumismo na Alemanha e nas sociedades capitalistas desenvolvidas (EUA e Europa Ocidental). 

As referências, que são sempre muito numerosas em seus filmes, também são inúmeras, incluindo as literárias (Goethe, Thomas Mann, Kafka, Chandler, Isherwood, Puschkin...), filosóficas (Hegel, Leibnitz, Schiller), cinematográficas (Murnau, Fritz Lang, Max Ophuls, Einsenstein), pictóricas (Durer, Cranach) e até de livros de espionagem (Jan Valtin).
Delphine de Stael (outra referência literária) lendo um livro de Hegel (A Razão na História). Godard busca na Filosofia, na Arte e na História elementos para conseguir entender o que ocorria na Europa por volta de 1989-1991, quando tivemos a reunificação da Alemanha.

Obs1: No caso de Jan Valtin vemos dois livros de sua autoria aparecerem em uma cena. Ele foi um agente comunista a serviço do Comintern, que participou de uma tentativa de Revolução Socialista na Alemanha, em 1923, mas que depois, em 1937, rompeu com o comunismo e foi viver nos EUA, onde se dedicou à vida de escritor, falecendo em 1951, aos 45 anos. Seu nome verdadeiro era Richard Julius Herman Krebs.

Uma personagem (Delphine de Stael) cita um trecho de 'A Razão na História', de Hegel, dizendo "Os homens fazem a história por perseguir os seus interesses. Eles são ao mesmo tempo as ferramentas e os meios de realizar algo mais alto e mais vasto, que eles não são conscientes, mas percebem inconscientemente". 

E o caráter trágico da história, para Godard, é inegável, e por isso a mesma personagem cita outra afirmação de Hegel, dizendo o seguinte "A felicidade não é achada na história universal. Os períodos de felicidade são apenas suas páginas em branco", mostrando uma visão essencialmente pessimista sobre a história humana. 

O filme é dividido em vários capítulos (seis), cada um deles possuindo um título diferente: ‘O Último Espião’; ‘Charlotte em Weimar’; ‘Todos os Dragões em Nossas Vidas’; ‘Um Sorriso Russo’; ‘O Muro sem Lamentações’ e ‘O Declínio do Ocidente’.

"Allemagne 90 neuf zero" também conta com a participação do Eddie Constantine, ator que trabalhou com Godard em ‘Alphaville’ (1965), o único filme de ficção científica da longeva e excepcional carreira de Godard. Inclusive, Constantine interpreta o mesmo personagem (Lemmy Caution)  em ‘Allemagne 90 neuf zero’, do qual é o protagonista.
Dora é uma fugitiva de um campo de concentração nazista em plena Alemanha de 1990 e que se encontra com Lemmy Caution. Esta é uma maneira de Godard mostrar que o filme é uma obra de ficção e que a mesma não é uma reprodução exata da realidade (o que nenhuma obra de arte é), sendo uma interpretação sobre a mesma.

Em ‘Alemagne 90 neuf zero’, Constantine interpreta um agente secreto (Lemmy Caution), que é claramente inspirado em personagens dos filmes policiais dos EUA, uma influência na obra de Godard que vem desde 'Acossado' (1960). 

No filme, Lemmy Caution trabalhou, como espião, para o governo dos EUA por várias décadas na antiga Alemanha Oriental. Anteriormente, durante a Segunda Guerra Mundial, ele recebia informações de um agente da Gestapo, passando-as para o Serviço Secreto dos EUA.

Portanto, trata-se de um personagem ficcional (Lemmy Caution) que atua em um filme que retrata e reflete a respeito de um acontecimento histórico. No filme, ele é procurado por um agente secreto dos EUA (Count Zelten) que vai lhe comunicar que os serviços dele não serão mais necessários, pois a Guerra Fria terminou e 'tudo acabou', ou seja, aquele período da história mundial chegou ao fim.

Godard também estabelece uma relação do espião Lemmy Caution com um filme no qual o ator Eddie Constantine atuou em 1953 ('Poison Ivy') e no qual este interpretou o mesmo personagem, relembrando a história do próprio ator que protagoniza esta produção do cineasta franco-suíço, portanto.

Mas, as mudanças que aconteceram, com a derrubada do Muro de Berlim, em 1989, com o desmoronamento do bloco soviético (entre 1989-1992) e o desaparecimento da RDA (República Democrática Alemã; 1990) o espião Lemmy Caution decide voltar para a parte ocidental da Alemanha, onde fará uma série de observações críticas ao consumismo desenfreado do país, ao mesmo tempo em que lamenta o fim do bloco soviético que tornou o seu trabalho inútil e relembra a trágica e violenta história alemã no século XX.

Também temos um escritor (André S. Labarthe), que não aparece em nenhum momento, mas que faz uma narração, em vários momentos do filme, e o mesmo fala que está terminando uma pesquisa sobre a influência do Nazismo sobre a juventude inglesa e que está chegando o momento de dizer 'Adeus a Berlim'.

Obs2: 'Adeus a Berlim' é o título de um livro do escritor britânico Christopher Isherwood que exerceu uma grande influência sobre David Bowie, levando o genial músico inglês a ir viver na então Berlim Ocidental, onde produziu a sua chamada 'Trilogia de Berlim', que é formada pelos discos 'Low', 'Heroes' e 'Lodger', que foram produzidos, entre 1977 e 1979, junto com Tony Visconti e que também contou com a participação de Brian Eno. 

A jornalista Charlotte visita um campo de concentração. O filme de Godard relembra toda a história alemã do século XX.

Enquanto isso o 'Conde Zelten', que é um agente do Serviço Secreto dos EUA, acaba se apaixonando por uma bela jovem (Charlotte) e, por isso, pede que André (o narrador) . 

Mas os personagens são secundários no filme.

O mais importante são os pensamentos e reflexões que eles fazem a respeito dos vários temas que são trabalhados por Godard nesta obra que é essencialmente reflexiva. A principal questão levantada por Godard/Lemmy é, se o Oriente deixou de existir, o que é o Ocidente? Afinal, tudo virou Ocidente, não é mesmo?

Aliás, a ocidentalização dos países do antigo bloco soviético foi uma das principais consequências deste desmoronamento, com os países da região tendo, nos anos posteriores, se integrado à União Europeia e passado a fazer parte da OTAN, organização político-militar liderada pelos EUA.

Porém, este processo é contraditório e, atualmente, vários países da região (Polônia, Hungria, Romênia) estão em situação de conflito com a União Europeia em função de estarem desrespeitando as regras do bloco europeu relativos à Democracia, ao Poder Judiciário e aos Direitos Humanos.

Afinal, a tradição conservadora e autoritária nestes países não desapareceu mesmo durante os anos em que vigorou o chamado 'Socialismo Real', mostrando que estes elementos autoritários e conservadores não eram um defeito específico dos regimes do 'Socialismo Real', mas era algo mais solidamente estabelecido nestes países e que antecede à implantação dos regimes Socialistas.

A jornalista Charlotte vai ao local, o rio Spree, onde se acredita que o corpo de Rosa Luxemburgo foi jogado, depois dela ter sido assassinada por membros dos 'Freikorps' (grupos paramilitares de Extrema-Direita).

Aliás, é bom ressaltar que antes da Segunda Guerra Mundial, com a exceção da Tchecoslováquia, todos os outros países da região (Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária, Iugoslávia) eram ditaduras reacionárias e profundamente repressivas, bem como possuíam economias agrárias, atrasadas, e que dependiam de capital e de tecnologia importados, originários principalmente da França e da Grã-Bretanha.

No filme de Godard também vemos cenas retiradas de filmes e documentários ('Alemanha Ano Zero', de Rossellini, por exemplo), bem como temos inúmeras referências sobre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, nas quais a Alemanha foi protagonista, bem como também vemos imagens de Hitler e dos campos de concentração nazistas. 

Isso mostra o temor do cineasta franco-suíço de que a Alemanha voltasse a querer desempenhar um papel dominante no continente europeu, o que poderia conduzir a novos e graves conflitos. Aliás, é exatamente isso irá acontecer, infelizmente. 

Desta maneira, temos, nessa Alemanha úmida, enevoada e cinzenta de 1990 que Godard mostra, a presença de uma personagem (Dora) que representa uma fugitiva ou uma sobrevivente de um campo de concentração nazista e que tem uma aparência jovem. Já a atriz (Claudia Michelsen) que interpreta Dora também faz o papel de Charlotte, uma jovem jornalista pela qual o Conde Zelten se apaixonou.

Essa é uma outra característica da obra de Godard, ou seja, ele deixa claro para quem assiste que o seu filme é uma obra de ficção e, logo, ele não tenta iludir o espectador com a ideia de que a sua obra seja a pura expressão da verdade e uma reprodução fiel e exata da realidade, o que nenhuma obra de arte é. 

Afinal, uma pessoa não pode ser duas e nem podemos ter uma jovem fugitiva de um campo de concentração nazista em 1990. Isso é resultado direto da influência que as teorias de Bertolt Brecht exerceram sobre a obra de Godard.

Rua que tem o nome de Clara Zetkin, que foi uma revolucionária comunista alemã que integrava a 'Liga Spartacus', movimento criado em 1915 e que era liderado por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht e que vai dar origem ao Partido Comunista Alemão em 1919.

Porém, elementos de realidade se misturam com a ficção, pois 'Dora' também foi um campo de concentração nazista onde se produziram os foguetes V-2, o que é dito por Lemmy Caution no filme. 

E a jovem jornalista (Charlotte) vai até o local em que a revolucionária polonesa-alemã Rosa Luxemburgo teve o seu corpo jogado, no rio Spree, em Berlim, depois que foi assassinada por integrantes dos Freikorps (grupos paramilitares de Extrema-Direita) por ordens do governo alemão da época, liderado pelo Partido Social-Democrata (SPD), devido ao fato de que Rosa liderou, junto com Karl Liebknecht, uma tentativa de Revolução Socialista na Alemanha, o que ocorreu em Janeiro de 1919.

E também vemos uma rua chamada Clara Zietkin, outra revolucionária comunista e que era integrante da 'Liga Espartaquista', junto com Rosa e Karl, e que foi deputada pelo KPD (Partido Comunista Alemão) entre 1919-1933, bem como foi uma grande amiga e aliada de Rosa Luxemburgo. Ela faleceu em 1933, em Moscou, onde se exilou após a ascensão de Hitler ao poder, em 30/01/1933.

Godard também mostra um dono de uma banca que vende vários produtos que estão relacionados com a queda do Muro de Berlim, fato este que aconteceu, mesmo. Na época, muitas pessoas venderam 'pedaços' do muro, cintos, bandeiras. Se eles eram realmente, isso não é relevante, pois o que importava era lucrar com aqueles acontecimentos históricos.

E mais para o final do filme vemos dois jovens entrarem em uma concessionária de veículos, sendo que eles se chamam Sophie e Hans, enquanto que Lemmy Caution a respeito da história dos dois irmãos (Hans e Sophie Scholl) que desafiaram o regime nazista, pagando com a própria vida em função disso. Logo depois que Lemmy fala o nome deles vemos uma rosa branca, pois o movimento que eles lideravam se chamava justamente 'Rosa Branca' (Weisse Rosse).
A Alemanha capitalista é marcada fortemente pelo consumismo, o que é motivo de críticas por parte de Godard, pois este diz que são produzidos muitos bens que não são necessários para a vida humana.

Assim, Godard vai recontando a história da Alemanha durante o século XX, usando de cenas de filmes antigos, documentários, nomes de ruas e também de cenas filmadas por ele em locais de grande importância histórica.

Godard também lança algumas questões provocadoras, como ocorre no início do filme, quando Zelten passa, com o seu Mercedez, por cima de uma placa de sinalização de uma rua que tinha o nome de Karl Marx, mostrando que o sistema político e social que havia sido construído, supostamente, com base em suas ideias havia desmoronado.

Obs2: Na verdade, em seus textos, Karl Marx jamais fez a defesa de um regime de partido único que se apossaria do controle do Estado e no qual praticamente todo o poder ficaria concentrado nas mãos de uma única pessoa (o Secretário-Geral do Partido Comunista). De fato, Marx defendia o desmonte do Estado burguês e a criação de um sistema onde a classe trabalhadora assumiria a tarefa de governar diretamente controlado um Estado bastante esvaziado de seus poderes e atribuições. Lenin, em 'O Estado e a Revolução', defendeu a mesma ideia. Tal sistema jamais chegou, efetivamente, a ser implantado em qualquer país.

Godard também deixa claro que a URSS estava se enfraquecendo, exibindo cenas nas quais vemos um navio soviético sendo preparado para ir embora da ex-RDA (República Democrática Alemã) e mostrando um marinheiro soviético que deseja desertar para o Ocidente. De fato, em 01/01/1992 a União Soviética deixaria de existir.

Mas, o cineasta franco-suíço lança uma questão provocadora neste filme, pois o espião Lemmy Caution disse que as mudanças que estavam acontecendo nos países do bloco soviético representavam, na verdade, o triunfo de Marx, pois este diz que "quando uma ideia pode nascer entre as massas, transforma-se em uma força material".
Dois jovens (Hans e Sophie) em um carro de luxo: Por meio deles o filme de Godard relembra a história dos irmãos Hans e Sophie Scholl, que faziam parte do movimento 'Rosa Branca', que procurou denunciar os crimes do regime nazista e que foram condenados à morte em função disso.

Assim, Godard sugere que foi justamente o fato de que os regimes do bloco soviético não criaram um sistema político e social que fosse, efetivamente, baseado nas ideias de Marx que os teria levado ao colapso entre 1989-1992. 

Godard também afirma que, com a queda do Muro de Berlim e o desmoronamento do bloco soviético, os interesses econômicos do Capitalismo irão acabar se impondo sobre as cidades do mundo inteiro, fato este que realmente aconteceu, sendo que tal fenômeno ganhou o nome de 'Globalização Neoliberal'.


'Allemagne 90 neuf zero' e a Guerra na Iugoslávia (1991-2001)!



Todas estas referências históricas de 'Allemagne 90 neuf zero' deixam claro também o temor de Godard de que a reunificação da Alemanha provocasse novas guerras na Europa. E, infelizmente, Godard acertou em cheio. Afinal, como diz Godard, a alma alemã é marcada muito mas pela Paixão (pelos sentimentos) do que pela Razão.

O Expressionismo alemão que o diga...



Assim, as paixões voltaram a se manifestar quando logo após a reunificação da Alemanha ter sido oficializada o governo do Chanceler Helmut Kohl (Conservador),  estimulou abertamente o separatismo por parte de algumas repúblicas que integravam a então Iugoslávia, principalmente da Croácia e da Eslovênia, que eram as mais ricas e fortes militarmente.

Lemmy diz (ou seja, Godard): "Não menos titânico é o assalto do Capital contra o poder espiritual. Um esforço desesperado está agora encaminhado sobre o solo das cidades mundiais, onde o dinheiro pode levantar-se vitorioso. Mas desde que é o dinheiro um modo de pensar, ele destrói ele mesmo, uma vez que tinha o mundo econômico. Então ele inventa Auschwitz e Hiroshima. E então começa o combate final. O combate entre o dinheiro e o sangue". Logo após a reunificação alemã começou a 'Guerra da Iugoslávia'. 'Godard, o Profeta'?

Kohl disse que se as duas Repúblicas abandonassem a Iugoslávia elas poderiam entrar para a União Europeia, o que era um grande atrativo para tais países, é claro, pois eles se integrariam a um bloco de países ricos e desenvolvidos, com uma economia muito maior e mais evoluída do que a da Iugoslávia. 

Isso acabou desencadeando a mais violenta guerra na Europa desde o final da Segunda Guerra Mundial, voltando até mesmo a acontecer as brutais cruéis limpezas étnicas e também voltaram a existir os horripilantes campos de concentração da época do Nazismo.

Inclusive, naquela época, o presidente da França (François Miterrand) tentou convencer o Chanceler Helmut Kohl a não estimular esses movimentos separatistas devido ao longo histórico de guerras entre os povos da região. 

No entanto, teimosamente, Kohl o ignorou o aviso de Mitterrand e o resultado foi a tragédia da chamada ‘Guerra da Iugoslávia’, que durou de 1991 a 2001 e que na verdade foi composta por vários conflitos que ocorreram, de forma simultânea ou não, incluindo guerras entre Croatas X Sérvios, Eslovenos X Sérvios, Bósnios X Sérvios, Sérvios X Kosovares. 

Com isso, m
uitas famílias, que eram mistas, foram destruídas em função da Guerra e as consequências da mesma ainda são sentidas nos dias atuais. Tivemos uma década de guerra virtualmente ininterrupta e de brutais conflitos que devastaram a antiga Iugoslávia e nas quais morreram cerca de 140 mil pessoas, deixando ainda cerca de quatro milhões de desabrigados e ou refugiados.

Assim ficou Sarajevo devido à destruição provocada pela Guerra da Bósnia. Como disse Godard, foi o 'titânico assalto do Capital' que gerou essa devastação. 

Aliás, em uma determinada cena, mais para o final do filme, o Conde Zelten diz para Lemmy Caution que a história da Europa, de guerras brutais e violência extrema, irá se repetir graças à reunificação da Alemanha, o que era a maneira de Godard manifestar os seus receios e temores quando ao futuro da Europa. 

E foi isso mesmo que aconteceu, infelizmente. 

Portanto, os temores de Godard, que são bem claros neste filme de clima cinzento e pessimista, eram mais do que justificados e "Allemagne 90 neuf zero", que foi pouco assistido e comentado, pode muito bem vir a ser encarado como um claro aviso daquilo que, tragicamente, veio a acontecer nos anos seguintes, principalmente a catastrófica 'Guerra da Iugoslávia' (1991-2001).  

Godard avisou, mas ninguém lhe deu ouvidos.

Com isso, os piores temores de Godard acabaram se confirmando.

E o resultado foi a tragédia que conhecemos. 

Informações Adicionais!

Título: Allemagne 90 neuf zero (Alemanha 90 ano zero ou Alemanha 90 novo zero);
Diretor: Jean-Luc Godard;
Roteiro: Jean-Luc Godard;
País de Produção: França;
Ano de Produção: 1991;
Duração: 62 minutos;
Elenco: Eddie Constantine (Lemmy Caution); Hanns Zischler (Count Zelten); Claudia Michelsen (Charlotte Kestner/Dora); Nathalie Kadem (Delphine de Stael); Robert Wittmers (Dom Quixote); André S. Labarthe (Narrador); Anton Mossine (Dimitri).

No fim vemos Lemmy Caution inconsolável pois percebe que a reunificação alemã irá gerar consequências nefastas e que a história de europeia de violência e guerra irá se repetir, o que reflete a visão de Godard naquele momento histórico.

Links:



O método de Brecht:

Os irmãos Sophie e Hans Scholl:

A produção dos foguetes V-2 no campo de concentração de Dora:

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