sexta-feira, 19 de maio de 2017

‘Vivere in Pace’: Luigi Zampa fez uma bela comédia Neo-Realista sobre os efeitos da Segunda Guerra para a população italiana! – Marcos Doniseti!

‘Vivere in Pace’: Luigi Zampa fez uma bela comédia Neo-Realista sobre os efeitos da Segunda Guerra para a população italiana! – Marcos Doniseti!
'Vivere in Pace' (1947): Luigi Zampa fez uma ótima comédia Neo-Realista, que recebeu vários e merecidos prêmios internacionais. O filme tem uma bela trilha sonora, de autoria de Nino Rota.
Luigi Zampa e o Neorrealismo Italiano!

Luigi Zampa foi um dos mais prolíficos e criativos cineastas italianos que foram, em algum momento de suas carreiras, ligados aos Neo-Realismo. 

Os seus primeiros filmes, que foram realizados logo após o final da Segunda Guerra Mundial, trataram dos efeitos do conflito sobre a população italiana. E um dos seus melhores trabalhos foi esta ótima comédia, um belíssimo filme que recebeu vários prêmios internacionais e de forma muito merecida. 

A história do filme se desenvolve durante a Segunda Guerra Mundial, na época em que os Aliados (EUA e Grã-Bretanha) haviam invadido o Sul da Itália (o que aconteceu no início de Julho de 1943) e já se aproximavam da região central do país. 

Nesta época, Mussolini foi afastado do governo, após ter sido derrubado pelos membros do Grande Conselho Fascista no dia 25/07/1943. Ele chegou a ser preso por ordens do novo governo italiano, mas uma operação comandada por um capitão da SS alemã (Otto Skorzeny) o libertou e o enviou para a Alemanha. 
Ronald e Joe são dois soldados dos EUA que fugiram de um campo de prisioneiros alemão. 
Depois disso, Mussolini passou a comandar um governo Fascista fantoche que se instalou nas regiões Norte e Centro da Itália. Tal governo entrou para a história com o nome de ‘República de Saló’ (Saló era a capital) e Mussolini era apenas o líder formal do mesmo, mas quem realmente o controlava eram os nazistas alemães.

Com as progressivas vitórias que foram sendo conquistada pelos Aliados, uma parte cada vez maior do território italiano foi saindo do controle nazi-fascista. Mesmo assim, a 'República de Saló' somente foi definitivamente destruída no final de Abril de 1945. 

Com isso, Mussolini foi executado pelos Partisans e seu corpo foi exposto, de cabeça para baixo, dependurado em frente a um posto de gasolina de Milão. 

A trama do filme!

A história do filme se passa inteiramente em um pequeno e isolado povoado, localizado em uma região montanhosa, do Centro da Itália, e que ainda permanecia sob o controle dos nazi-fascistas. Mas as forças Aliadas estavam, cada vez mais, se aproximando da região.
Tigna conversa com o secretário político fascista do povoado, para quem dá alguns 'presentes'. 
Apesar da Guerra, a população local continuou tocando a sua vida, procurando ficar totalmente afastada de qualquer coisa que se relacionasse ao brutal conflito.

Mesmo assim, os moradores do povoado não conseguirão impedir que a Guerra, de alguma maneira, acabasse por afetar as suas vidas, mesmo que fizessem de tudo para evitar que isso acontecesse. 

O principal nome do filme é o excepcional ator Aldo Fabrizi, de longa e brilhante trajetória no cinema italiano, e que também contribuiu para escrever o roteiro. E a bonita trilha sonora é de autoria do genial Nino Rota, muito famoso por suas inúmeras colaborações com Federico Fellini. 

Os protagonistas da trama são os membros de uma família de camponeses que é liderada por Tigna, que vive junto com a sua esposa (Corinna), dois sobrinhos (a bonita adolescente Silvia e o garoto Citto), um desertor do exército italiano (Franco) e o ‘Nonno’ (Avô), um veterano da Primeira Guerra Mundial. 

Em sua pequena propriedade eles cultivam alguns alimentos, criam galinhas, gado, porcos e cavalos.
Tigna e o Padre conversam sobre o que fazer em relação aos dois soldados que estão escondidos no estábulo da propriedade do camponês. 
Neste pequeno povoado da região central da Itália as pessoas nascem, vivem e morrem, procurando evitar ter qualquer envolvimento com os acontecimentos externos, vivendo a sua vida de forma tranquila e pacífica.

Mas as principais instituições e forças políticas e sociais estão presentes na localidade. 

Assim, no local temos uma Igreja (com o seu Padre, é claro) e um cemitério, um representante do governo Fascista (o Secretário Político), um médico socialista que é ligado à Resistência (os Partisans, guerrilheiros que lutavam contra os nazi-fascistas). 

No local, temos também a presença de um soldado da SS alemã (Hans) que cuida de um posto telefônico e de um depósito, bem como se encarrega de informar aos seus superiores qual é a situação existente no povoado. 

Obs1: Sempre que Hans aparecia em cena, começava a tocar um trecho do hino 
nacional alemão. E em um outro momento do filme ouvimos um trecho da trilha sonora de 'Roma, Cidade Aberta', filme do qual o brilhante ator Aldo Fabrizi participou. 
Silvia começa a gostar de Ronald e passa a se vestir melhor para conseguir conquistá-lo. 
Tudo isso acaba constituindo um microcosmo da Itália da época. 

Da mesma que os demais moradores do povoado, Tigna procura fazer com que a sua família fique alheia aos conflitos políticos e sociais que ocorrem na Itália neste momento, evitando que a mesma seja afetada pela Guerra e que ela sofra com as suas consequências. O que ele mais deseja, e fala isso para todos, é viver em paz. 

Assim, Tigna procura ter um bom relacionamento com todos: com o médico Socialista, com o Secretário Político fascista, com o membro da SS alemã e com o Padre. 


No momento em que Tigna faz a sua declaração de bens e a entrega para o secretário político, junto com a mesma ele também envia trigo e vinho, pagando uma espécie de suborno ao mesmo. Quando recebe a visita do membro da SS em sua propriedade ele também procura agradá-lo, lhe oferecendo vinho. Quando um membro da sua família fica doente, ele recorre ao médico Socialista. 

E assim o pacífico Tigna e a sua família conseguem ir tocando as suas vidas. Tigna é o tio generoso e de coração mole, que finge dar bronca nos dois sobrinhos, mas que na verdade os ajuda e os protege. Assim, ele leva comida para Silvia e Citto no quarto, enquanto diz para eles que ficarão sem poder jantar. 
Silvia sente-se atraída por Ronald.
Mas a situação começa a se modificar quando os Aliados começam a se aproximar da região central da Itália e dois soldados americanos (o branco Ronald e o negro Joe) fogem de um campo de prisioneiros alemão e aparecem no povoado. Joe está ferido e Ronald tem que cuidar do amigo. 

Eles acabam sendo descobertos por Silvia e Citto, que resolvem ajuda-los, por conta própria, sem dizer nada para o tio Tigna e para os demais. 

Silvia e Citto começam a roubar alimentos, tabaco, ovos, leite e até calças da casa de Tigna, a fim de ajudar os dois soldados. E o supersticioso ‘Nonno’ acredita que esses sumiços se devem à ação de ‘espíritos’. 

Mas ocorre uma tempestade na região e os dois soldados são levados, por Silvia e Citto, para o estábulo da propriedade. O barulho que fazem, no entanto, acaba por atrair a atenção de Tigna que, junto com o Nonno, o Padre e a esposa, vão até o local e descobrem a presença dos dois soldados. 

Corinna quer saber o que está acontecendo e o marido, Tigna, diz que é a vaca que está muito mal... 
A família de Tigna e os soldados fugitivos (Joe e Ronald) jantando juntos. 
Quando toma conhecimento da verdade, Corinna fica desesperada com a presença de um soldado negro no local, pois ouvira muitas histórias terríveis sobre os negros, enquanto que Tigna procura acalmá-la, dizendo que Joe não é negro, mas ‘só um pouquinho moreno’. 

Tigna e sua esposa temem que eles sejam punidos com a morte por estarem ajudando dois soldados inimigos que fugiram dos nazi-fascistas, mas ele decide que continuarão protegendo e abrigando a ambos, para o desespero de Corinna.

O ‘Nonno’, por sua vez, refere-se ao negro americano Joe como sendo ‘o etíope’, pois em 1935-1936 a Itália invadiu a Etiópia, transformando-a em uma colônia italiana, numa típica guerra colonial imperialista que transformou o ditador Benito Mussolini em uma figura extremamente popular na Itália. 

Obs2: O momento da vitória italiana sobre os etíopes foi a época em que Mussolini desfrutou de maior popularidade na Itália. Tal guerra foi extremamente brutal, teve características de ódio racial e nela os italianos fizeram uso intenso de gases venenosos (mesmo com os mesmos sendo proibidos pela Convenção de Genebra de 1919) e de bombas incendiárias. Os italianos também realizaram brutais bombardeios aéreos sobre a população civil etíope, que contaram com a participação de Vittorio e Bruno Mussolini, filhos do ‘Duce’ que pilotaram aviões durante o conflito. Estas informações foram retiradas do livro ‘O Papa e Mussolini’, de David I. Kertzer, pág. 251, Editora Intrínseca, 2017.
Tigna arma uma verdadeira festa dentro da sua casa, a fim de impedir que Hans descubra que Joe está escondido na mesma.
Obs3: Os bombardeios aéreos italianos, contra a população civil etíope, anteciparam em três anos o que os nazi-fascistas fizeram na ‘Guerra Civil Espanhola’ (1936-1939), como se comprova pelo bombardeio da pequena cidade basca de Guernica, que foi varrida do mapa por aviões alemães e italianos. Faltou apenas um Picasso etíope que retratasse essa violência, tal como aconteceu com Guernica. 

Obs4: Picasso morava em Paris já há muitos anos e quando a cidade se encontrava sob a ocupação alemã (1940-1944) ele se encontrou com um oficial alemão no Louvre. Este perguntou para Picasso se este é que havia feito ‘Guernica’, ao que o genial pintor espanhol retrucou ‘Não. Foram vocês’. 

Tigna também procura se informar com o secretário político fascista a respeito de alguma operação que se destine a descobrir a presença de soldados inimigos no povoado e consegue esconder do mesmo a presença de Ronald e Joe em sua propriedade. 

Enquanto isso, a jovem Silvia passa a se sentir atraída por Ronald, soldado americano que fala italiano e que é muito simpático ao tratar com a mesma. Ela passa a cuidar melhor da sua aparência, a fim de chamar a atenção de Ronald, o que vai gerar o ciúme de Franco, o italiano desertor que brinca com ela o tempo inteiro.
Joe e Hans saem pelas ruas do povoado, totalmente bêbados, e começam a gritar que 'a guerra terminou'.
Tudo estava indo bem, até que o soldado da SS alemã (Hans) foi até a residência de 
Tigna no momento em que Franco, Ronald e Joe se encontravam no local, jantando. Franco e Ronald escondem-se fora da casa e Joe é colocado em um quarto repleto de garrafas e barris de vinho, o que o levará a se embebedar. 

Hans acaba ficando horas no local, bebendo muito vinho, contando a história da participação da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, desde a invasão da Polônia, que ocorreu em 01/09/1939. Enquanto isso, Joe começa a fazer cada vez mais barulho no quarto em que foi escondido. 

Para evitar que Hans descobrisse a presença de Joe em sua casa, Tigna e os demais começam a beber junto com o soldado da SS, a cantar e a dançar. Mas o forte Joe acaba por quebrar a porta do quarto e fica ‘cara a cara’ com o nazista Hans. 

Porém, em vez de se enfrentarem, ambos começam a rir, a beber e a se abraçar. Eles ficam tão eufóricos que saem pelo povoado, inteiramente bêbados, no meio da noite, fazendo um barulho infernal, gritando que ‘a guerra terminou’. 
Tigna, o Padre, o Médico socialista e Franco decidem o que irão fazer quando Hans, o soldado da SS, acordar. 
Toda a população do povoado acaba acordando no meio da noite e fica eufórica, acreditando realmente que a guerra havia terminado. Os moradores saem de suas casas e começam a desfilar, a festejar, tocar música, saquear o armazém da SS, quando ouvem barulhos de explosões. E um deles pergunta se a guerra realmente havia terminado. 

Quando ficam sabendo que não, começam a devolver o que haviam roubado e voltam para as suas casas. Enquanto isso, Joe subiu em um pequeno cavalo e foi embora do povoado e o soldado da SS (Hans) desmaia no meio da rua, de tão bêbado que se encontrava.

Tigna e a sua família se preocupam com o iria acontecer depois que Hans acordasse. 

Temendo que ele se lembrasse de tudo o que havia ocorrido e informasse ao comando da SS, o pequeno camponês e seus familiares decidem ir embora do povoado e se esconder no meio do bosque. 
População do povoado abandonou o mesmo, esperando para saber como o soldado da SS iria reagir depois que acordasse da farra da noite anterior. 
E toda a população do povoado faz a mesma coisa. Apenas o Padre permaneceu no local, a fim de conversar com Hans quando ele acordasse. Se ele se lembrasse do que havia acontecido, o Padre tocaria o sino de um jeito (a morte), mas se ele não se lembrasse de nada, ele tocaria o sino de outra maneira (a glória). 

Quando acorda, Hans não se lembra de coisa alguma, mas depois ele consegue relembrar tudo o que havia acontecido, inclusive da presença de um soldado negro (Joe) na casa de Tigna. Por isso ele vai até a casa deste, mas antes recebe um telefonema avisando que os soldados alemães devem se retirar da região, pois 'os americanos' estão prestes a chegar ao local. 

Tigna permite que Hans pegue algumas roupas para se disfarçar de civil e, assim, poder voltar para a Alemanha, sonhando em se juntar à sua família e em retomar a sua vida. Mas aparece um grupo de soldados alemães e um destes executa Hans e atira em Tigna, que fica mortalmente ferido e acaba falecendo pouco tempo depois, quando estava em sua cama, acompanhado dos membros de sua família, de Franco, Ronald e Joe. 

Joe retorna ao povoado, levando um grupo de soldados americanos com ele e que são recebidos com festa pelos moradores. 
O generoso camponês Tigna falece e Corinna chora. 
Joe retorna ao povoado, levando um grupo de soldados americanos com ele e que são recebidos com festa pelos moradores. 

Ronald havia pensado em ficar junto com Silvia, pois ambos se sentiram atraídos, mas mudou de ideia depois que Tigna contou a história da mãe de Silvia, que foi embora com um jovem e que acabou sendo abandonado pelo mesmo e que acabou morrendo em função disso. 

Assim, Ronald e Joe vão embora e os moradores do povoado continuam a tocar as suas vidas, em paz. 

Fim.
Franco, Silvia e Corinna se despedem de Joe e Ronald.

Informações Adicionais!

Título: ‘Vivere in Pace’ (Viver em Paz);
Diretor: Luigi Zampa;
Roteiro: Piero Tellini, Suso Cecchi D’Amico, Luigi Zampa, Aldo Fabrizi;
País de Produção: Itália; Ano de Produção: 1947;
Gênero: Comédia; Duração: 87 minutos; 
Música: Nino Rota; Fotografia: Carlo Montuori; 
Elenco: Aldo Fabrizi (Tigna); Gar Moore (Ronald); Mirella Monti (Silvia); John Kitzmiller (Joe); Heinrich Bode (Hans); Ave Ninchi (Corinna); Ernesto Almirante (O Avô); Nando Bruno (Secretário Político); Aldo Silvani (Médico Socialista); Gino Cavalieri (Padre); Piero Palermini (Franco); Franco Serpilli (Citto); Arnoldo Foà (narrador).
Prêmios: 
Melhor Roteiro no Festival de Locarno de 1947. 
Melhor Filme Estrangeiro – Críticos de Cinema de Nova York (1947). 

Vídeo - Trecho do Filme:

sábado, 13 de maio de 2017

‘Il Bandito’- Alberto Lattuada mostra o desencanto dos italianos com as perspectivas de uma vida melhor no Pós-Guerra! – Marcos Doniseti!

‘Il Bandito’- Alberto Lattuada mostra o desencanto dos italianos com as perspectivas de uma vida melhor no Pós-Guerra! – Marcos Doniseti!
'Il Bandito' (Alberto Lattuada; 1946) é um dos principais filmes da era do Neorrealismo. O filme fez muito sucesso e mostra o pessimismo e o desencanto dos italianos no Pós-Guerra.
Alberto Lattuada e o Neorrealismo!

Alberto Lattuada foi um dos diretores pioneiros do Neo-Realismo, sendo que o seu trabalho anterior, como fotógrafo, contribuiu para a gênese deste que foi um dos mais importantes ‘movimentos’ da história do Cinema mundial. 

A respeito do seu trabalho como fotógrafo, realizado no final da década de 1930, ele disse o seguinte: 

“Ao fotografar, procurei manter sempre viva a relação do homem com as coisas. A presença do homem é contínua; e mesmo lá onde são representados objetos materiais, o ponto de vista não é o da pura forma, do jogo de luz e sombra, mas é o da memória assídua de nossa vida e das marcas que o cansaço de viver deixa nos objetos que são nossos companheiros. Calçamentos de tranquilas pracinhas, casas possuídas e abandonadas, velhos muros, morrinhos urbanos sufocados pelas pedras, homens nas ruas, homens trabalhando, homens suspensos pela voz da poesia, homens derrotados e, em todo lugar, em qualquer condição, a firme vontade de viver e a necessidade de amar e de esperar”.

Obs1: Essa afirmação de Alberto Lattuada foi retirada do capítulo ‘Neo-Realismo Italiano’, de Mariarosaria Fabris, que integra o livro ‘História do Cinema Mundial' (Fernando Mascarello, org.).
Soldados italianos retornando da Guerra. Entre eles estão dois grandes amigos: Carlo e Ernesto.
E fica claro que essa concepção que Lattuada em seu trabalho fotográfico acabou exercendo influência sobre a sua produção cinematográfica. 

Afinal, os filmes de Lattuada trataram de vários dos aspectos que afetaram o povo italiano no Pós-Guerra: As consequências da Guerra (‘O Bandido’, de 1946, e ‘Sem Piedade’, de 1948); Os problemas sociais na área rural (‘O Moinho do Pó’, de 1948); O abandono dos jovens e idosos (‘Il Cappotto’, de 1952) e a condição da mulher (‘La Spiaggia’, de 1954)

Portanto, ‘Il Bandito’ é um filme que está inserido dentro do contexto em que se desenvolveu as produções Neo-Realistas. Ele foi produzido em 1946, logo após o final da Segunda Guerra Mundial (que na Europa terminou em Maio de 1945) e, naquele ano, ele foi o quarto filme de maior bilheteria na Itália. 

Também fica claro que o filme de Lattuada sofre a nítida influência do 'Policial Noir' americano, do Expressionismo Alemão e possui elementos melodramáticos, promovendo uma mistura que deu um ótimo resultado. Com isso, o filme acaba sendo marcado por uma atmosfera nitidamente sombria.

E a trama do filme é tipicamente Neorrealista, pois mostrava a pobreza, o desespero e a destruição que caracterizavam a Itália nesta época. Esta era uma época em que a vida do povo foi levada às telas do Cinema, sendo que muitos dos protagonistas dos filmes eram pessoas comuns, sendo atores não profissionais. 
Ernesto e Carlo tornaram-se grandes amigos durante a Guerra, mas depois do fim do conflito as suas vidas tomaram rumos totalmente distintos.  
E como se percebe por este ótimo filme de Lattuada, a destruição que o Nazi-Fascismo e a Guerra provocaram não foi apenas material (devastando cidades, indústrias, fazendas, ferrovias, etc), mas também moral e espiritual. 

Ambas as devastações tiveram nas pessoas comuns as suas maiores vítimas. E foi justamente isso que os filmes Neorrealistas mostraram naquela época, fato que incomodaram muito o governo italiano conservador a partir de 1948. O democrata-cristão Giulio Andreotti criticava os filmes Neorrealistas, dizendo que os mesmos prejudicavam a imagem da Itália no mundo e chegou a dizer que 'roupa suja se lava em casa'. 

‘O Bandido’ mostra a destruição que as cidades italianas sofreram, mas o seu tema principal é de que maneira as pessoas comuns foram afetadas pela Guerra desencadeada pelo Nazifascismo. A vida daqueles que ficaram em casa e não daqueles que lutaram na Guerra é o tema dominante do filme. 

O filme começa no exato instante em que os soldados italianos estão voltando para o seu país, depois de terem sido feitos prisioneiros pelos alemães, após a Itália ter passado para o lado dos Aliados, o que aconteceu em Setembro de 1943, depois que o governo de Mussolini foi derrubado pelo 'Grande Conselho Fascista' (em 25 de Julho de 1943). 

A partir deste momento, a Alemanha Nazista passou a tratar o novo governo italiano (liderado pelo Marechal Badoglio) como um inimigo e um grande número de soldados italianos foi feito prisioneiro pelos nazistas. Com a derrota do Nazi-Fascismo, eles retornaram para casa. 
Ernesto procura por sua família, mas descobre que a sua mãe morreu e que a sua irmã desapareceu. 
A trama do filme!

A história do filme gira em torno de dois amigos que lutaram juntos na Segunda Guerra Mundial, que são Carlo e Ernesto. Quando o conflito mais sangrento da história terminou (foram 50 milhões de mortos apenas na Europa) eles tomaram rumos diferentes. 

Entre estes soldados italianos, vemos dois que ficaram muito amigos durante a Guerra, Ernesto e Carlos. Um diálogo entre os dois amigos mostra que, inicialmente, havia uma expectativa otimista deles quanto ao futuro, pois o segundo diz que a destruição provocada pela Guerra irá gerar empregos para todos, em função da necessidade de se reconstruir a Itália, que foi devastada pelo conflito, principalmente a região norte do país, onde se localiza Turim, cidade na qual se desenvolve a trama do filme.  

E como haveria empregos para todos, conclui Carlo, a vida dos italianos iria melhorar. No entanto, a primeira década do Pós-Guerra foi muito mais difícil do que se pensava e a tão esperada melhoria nas condições de vida da população demorou vários anos para começar a se tornar realidade. No momento em que o filme foi produzido (1946) isso ainda estava um pouco longe de acontecer e a Itália ainda era marcada por muita fome, miséria, desemprego, falta de moradias, prostituição, crime. 

As cidades italianas estavam devastadas, como se percebe pelas imagens (reais) de Turim que aparecem no início do filme. E foram aquelas pessoas que ficaram que sofreram com a destruição, com o desemprego, a fome, a miséria, o crime e a falta absoluta de perspectiva para se construir uma vida melhor. 
Depois da Guerra, Ernesto tentou conseguir um trabalho honesto, mas não conseguiu. 
Enquanto Carlo voltou para o campo, para viver com a sua família (filha, mãe, tios), Ernesto ficou na cidade (Turim), que estava devastada, devido à destruição provocada pela Guerra. Apesar disso, eles prometeram que continuariam sendo amigos e entrariam em contato. 

Carlo tem uma vida pacata e tranquila no campo, em condições modestas, mas Ernesto toma outro rumo, que é o da vida na cidade e o do crime. Inicialmente, ele tentou trabalhar e viver honestamente, mas alguns fatos imprevistos irão modificar a sua vida radicalmente. 

Ernesto foi atrás de sua família, mas descobriu que mãe está morta, que a sua casa foi destruída e que a sua irmã (Maria) desapareceu após a fábrica em que ela trabalhava ter sido destruída por um bombardeio. Durante um passeio noturno, Ernesto viu que uma rica mulher (Lidia, interpretada pela sempre brilhante Anna Magnani) deixou cair a sua carteira no chão. Ele a recolhe e guarda. 

Ernesto decide devolver a carteira para Lidia, o que terá grandes implicações para o seu futuro. Ela o recebe muito bem, é claro, pois há uma grande quantia de dinheiro e um cheque de valor elevado guardados na carteira. 
Lidia recebe de volta, de Ernesto, a carteira que havia perdido. Este será o início de uma relação que envolverá crimes, mortes e romance.  
Lidia vive junto com Mirko e comanda um grupo de criminosos que promove furtos, roubos e contrabando, aproveitando-se do caos gerado pela Guerra para ganhar dinheiro por meio de atividades ilegais. Ela chega a beijar Ernesto e Mirko lhe dá uma parte do dinheiro, como forma de recompensá-lo pela devolução da carteira. Ernesto volta para as ruas. 

Nesta mesma noite ele viu uma bonita jovem andando pela rua e a seguiu até a casa na qual ela entrou, que era um bordel. Ele entra no local e pede, para a gerente do estabelecimento, especificamente pela garota que havia acabado de entrar (Iris, que é um nome falso, é claro).

Ernesto vai até o quarto e leva um choque quando vê que a prostituta pela qual ele se sentiu atraído e com quem ele desejava ter relações sexuais era a sua irmã Maria (interpretada pela bela Carla Del Poggio). 

Envergonhado e arrasado, ele vira o rosto, enquanto Maria chora. Ela tenta explicar o motivo pelo qual havia tomado a decisão de se tornar uma prostituta. Ernesto decide tirar a irmã do local e leva-la embora, junto com ele, mas o proprietário do local (cafetão) não quer permitir, pois é claro que a jovem e bela Maria lhe proporciona muitos lucros. 
Ernesto vai atrás de uma bela prostituta que viu caminhando pela rua e descobre, horrorizado, que ela é a sua irmã desaparecida (Maria). Ele decide tirá-la desta vida. 
Assim, Ernesto e o cafetão entram em conflito. O cafetão tenta atirar em Ernesto, mas durante a briga a bala desvia e acaba atingindo Maria, que termina por morrer no local. Ernesto parte para cima do cafetão e termina por mata-lo. Ele foge. 

Fugindo da Polícia, Ernesto decide procurar pela ajuda da mulher (Lidia) cuja carteira ele havia encontrado, indo até a casa da mesma. Lidia percebe que Ernesto fez algo errado, mas nota que ele é uma pessoa de grande energia e coragem e acaba se envolvendo com ele. 

Desta maneira, Ernesto acabará tomando o lugar de Mirko como o amante preferido dela, embora ela fosse uma mulher de espírito livre e que se envolvia com inúmeros homens. Ela também estava sempre envolvida em algum plano criminoso e negociava com os homens de igual para igual. 

Obs2: Nos filmes identificados com o Neo-Realismo temos muitas mulheres que vivem de forma independente, não se submetendo à autoridade masculina. Elas bebem, fumam, se envolvem com vários homens, participam da Resistência, tomam a iniciativa, praticam crimes, traem, conspiram, exercem papel de liderança. Não é à toa que a Igreja Católica, extremamente conservadora, condenava os filmes Neo-Realistas, dizendo que eles eram imorais. 

Assim, o enérgico e ambicioso Ernesto acaba assumindo um papel de liderança entre a quadrilha de criminosos que é comandada por Lídia. 
Ernesto chora ao ver que a sua adorada irmã (Maria, interpretada pela bela e sensual Carla Del Poggio) morreu. 
Porém, ele tem um perfil diferente dos demais criminosos. Ele não tolera exploração ou qualquer tipo de violência contra as mulheres (em função do que aconteceu com a sua irmã, é claro) e decide fazer justiça com as próprias mãos quando fica sabendo que um dos criminosos com quem Lidia costuma fazer ‘negócios’ ficou milionário traficando mulheres. 

Ernesto e os membros da quadrilha vão até uma festa na qual Lídia se encontra, roubam todos os presentes, mas o que ele quer, mesmo, é tirar o traficante de mulheres do local e executar o mesmo. E é exatamente isso que ele faz. 

Ernesto, por sua origem pobre, também sente compaixão pelos miseráveis e vai até um cortiço onde eles vivem em grande número e joga dinheiro para os mesmos. E um homem (Stefano) que foi sequestrado pela quadrilha de Lidia por engano acabou sendo executado pelos criminosos, o que contrariou Ernesto, que queria libertá-lo, mas Lidia e os outros bandidos foram contra tal atitude, pois Stefano já sabia muito a respeito deles e poderia acabar entregando-os para a Polícia. Por isso é que Stefano acaba sendo morto pelos membros da quadrilha. 

Essas atitudes de Ernesto acabam por colocar os demais integrantes do grupo contra ele, que passa a ser visto como sendo muito tolerante. 
Cena de Turim, à noite, com suas luzes e ruas vazias, é o tipo de cena que está sempre presente em filmes do estilo 'Noir'. 
Esse caráter humanitário de Ernesto fica evidente, também, quando ele toma a iniciativa de enviar um grande pacote com inúmeros presentes para Carlo, seu velho amigo dos tempos de Guerra. Carlo havia contado para os seus familiares que Ernesto era um grande amigo. A filha de Carlo acabou gostando de Ernesto a tal ponto que o chamava de ‘Tio Ernesto’, mesmo que jamais o tivesse visto. 

Essa postura mais humana por parte de Ernesto acaba sendo motivo de riso para Lidia, o que leva Ernesto a jogar bebida em seu rosto, deixando-a furiosa com isso. 

Ernesto é um 'bandido com um coração'. 

Depois disso vemos uma pessoa não identificada colocando um envelope endereçado à Polícia. Logo depois vemos inúmeros policiais se dirigindo ao esconderijo onde os integrantes da quadrilha se encontravam, mas os criminosos já haviam indo embora do local. Na sequência, Lidia telefona para o Comissário a fim de informá-lo sobre o local em que Ernesto e os demais criminosos estariam no dia seguinte.  
Lidia é uma 'femme fatale' (brilhantemente interpretada por Anna Magnani) que comanda um grupo de criminosos que promove roubos e cujas atividades criminosas envolvem grandes somas de dinheiro. Ernesto irá se envolver romanticamente com ela, mas será traído pela mesma. 
Logo, o grande roubo que a quadrilha cometeu e as informações que Lidia passou a Polícia acabou colocando esta atrás da mesma. Os membros do bando acabarão sendo seguidos e cercados. Para conseguir escapar, eles roubam um carro em uma rodovia, matando o proprietário do mesmo. 

Ernesto vai até o local e descobre que há uma menina no veículo, que desmaiou, e que esta é Rosetta, a filha de Carlo, seu velho amigo. Ernesto manda os outros membros da quadrilha embora e decide levar a filha de Carlo até a casa do mesmo. 

Ele conta para Rosetta que é amigo do 'Tio Ernesto', como era chamado pela menina e que leu muitas vezes o cartão, decorando o que estava escrito no mesmo. Ernesto diz para a filha de seu amigo que gostaria de ter tido uma vida honesta, mas os acontecimentos o impediram. 

Mas ele acaba sendo seguido pelos policiais. E quando Rosetta volta para casa, o pai (Carlo) quer saber como ela chegou até ali sozinha. Ela diz que um homem a ajudou. Nisso, eles ouvem alguns tiros. Carlo vai até o lugar de onde vieram os tiros e vê o corpo do velho amigo Ernesto estendido no chão, já sem vida.

Carlo chora.

Fim. 
Carlo chora ao ver o corpo do amigo que salvou a sua vida durante a Guerra. 

Informações Adicionais!

Título: ‘Il Bandito’ (O Bandido);
Diretor: Alberto Lattuada;
Roteiro: Oreste Biancoli; Mino Caudana; Ettore Maria Margadonna; Alberto Lattuada; Tulio Pinelli; Piero Tellini;
Ano de Produção: 1946; 
País de Produção: Itália;
Duração: 80 minutos; 
Gênero: Drama; Policial;
Fotografia: Aldo Tonti; 
Música: Felice Lattuada;
Elenco: Anna Magnani (Lidia); Amedeo Nazzari (Ernesto); Carla Del Poggio (Maria); Carlo Campanini (Carlo); Eliana Banducci (Rosetta); Mino Doro (Mirko); Folco Lulli (Andrea);
Prêmio: Melhor Ator para Amedeo Nazzari em 1947 – Sindicato Nacional dos Críticos de Cinema da Itália. 

Vídeo - Trecho do Filme:

sexta-feira, 12 de maio de 2017

'Gli Anni Ruggenti': Luigi Zampa fez sátira política na qual ridiculariza e expõem as mentiras do regime Fascista de Mussolini! - Marcos Doniseti!

'Gli Anni Ruggenti': Luigi Zampa fez sátira política na qual ridiculariza e expõem as mentiras do regime Fascista de Mussolini! - Marcos Doniseti!
'Gli Anni Ruggenti' ('Os Anos Felizes'; 1962): Um título irônico para um filme que é uma sátira corrosiva sobre a incompetência, corrupção, manipulação, mentiras, violência, injustiças e ineficiência do regime Fascista liderado por Benito Mussolini. 'Gli Anni Ruggenti' também é uma referência aos 'loucos anos 1920', época de grande crescimento econômico (1924-1929) e na qual se desfrutou de significativa liberdade comportamental, artística e cultural que antecedeu ao brutal regime fascista. 
Em 'Gli Anni Ruggenti' (‘Os Anos Felizes’) Luigi Zampa faz uma brilhante sátira política ao Fascismo, mostrando que o mesmo vivia muito em função da propaganda e que o governo liderado por Mussollini não resolveu nenhum dos principais problemas da Itália: pobreza, atraso econômico, incompetência, corrupção, ineficiência. 

Luigi Zampa foi um dos muitos diretores italianos que estiveram, em algum momento de suas trajetórias cinematográficas, ligados ao Neo-Realismo italiano. Ele era filho de um operário e o seu primeiro filme como diretor foi realizado em 1933. 

Zampa estudou no 'Centro Experimental de Cinematografia' (que foi criado em 1935), que foi responsável pela formação profissional de inúmeros atores e atrizes e cineastas italianos, como foi o caso de Michelangelo Antonioni. 

Sua obra é marcada pela produção de inúmeras sátiras políticas e de costumes que mostravam uma visão bastante crítica da sociedade e do regime fascista. E 'Anni Ruggenti' é um dos melhores exemplos disso.
Os líderes fascistas e representantes da elite da cidade ficam preocupados com a anunciada chegada de um 'hierarca' fascista à Puglia, que irá investigar a conduta dos governantes e líderes da cidade.
'Angelina, a Honorável', com Anna Magnani, foi o seu nono longa-metragem e fez um grande sucesso, tendo sido o quarto filme mais assistido nos cinemas italianos em 1947. Outro filme realizado no mesmo ano por Zampa ('Vivere in Pace') conquistou vários prêmios, incluindo o de Melhor Roteiro no Festival de Locarno de 1947 e o de Melhor Filme Estrangeiro dos críticos de Cinema de Nova York.

A trama de ‘Gli Anni Ruggenti’ gira em torno de uma viagem ‘imaginária’ de um hierarca fascista a uma pequena cidade da região de Puglia, no Sul da Itália, em Outubro de 1937.

O filme começa com a população da cidade assistindo (no cinema, é claro) a um filme de propaganda fascista, que mostrava Mussolini ajudando os agricultores e usando picaretas em obras públicas, passando para a população italiana a ideia de que seu governo era atuante e que procurava resolver os principais problemas do país. 

Mas é justamente este mito que Luigi Zampa irá procurar desmontar em seu filme. 
O corretor de seguros Omero chega à pequena cidade de Puglia. A sua presença irá desencadear uma grande confusão entre os desonestos e incompetentes líderes fascistas da cidade. 
Tudo começa quando o PNF (Partido Nacional Fascista) enviou um telegrama avisando aos governantes desta pequena cidade sulista de que um líder fascista (um hierarca) irá fazer uma visita de forma anônima à mesma com o objetivo de investigar as ações dos líderes fascistas locais e descobrir eventuais irregularidades que estivessem acontecendo. 

Isso deixa os líderes fascistas locais em estado de pânico, pois todos eles têm ‘culpa no cartório’.

Entre os principais líderes da cidade estão Salvatore Acquamano (pai da bela Elvira), Carmine Passante (secretário político local do PNF) e Nicola De Bellis. Estes ficam apavorados com a possibilidade de que o hierarca descubra as inúmeras irregularidades e falcatruas que eles cometeram na região, e que inclui o desvio de recursos públicos, contrabando, entre outros. 

Além disso, os líderes da cidade também guardam outros segredos, ligados às suas vidas pessoais, como a prática do adultério. Um deles (Nicola) é frequentemente traído pela esposa (Rosa), o que apenas ele ignora, e acaba se tornando motivo de chacota por parte dos demais, que o chamam de 'cornudo'. 
Na ânsia de agradar ao suposto 'hierarca' fascista (Omero), o secretário político fascista (Carmine) irá espalhar frases e fotografias que exaltam Mussolini e o regime Fascista.  
Como os líderes da cidade desconhecem quem seja o hierarca, eles tentam descobrir a identidade do mesmo, enviando uma pessoa para ir até o principal hotel da cidade, onde o mesmo se hospedou, a fim de saber quem é esse misterioso investigador. 

Eles ficam convencidos de que o nome deste hierarca é Omero Battifiori que acabou de chegar de Roma e que, no entanto, é apenas um simples corretor de seguros que foi para a cidade a fim de conseguir novos clientes. 

Para isso, Omero pede a ajuda de um funcionário do hotel, que fornece o nome de algumas das pessoas mais importantes da cidade. 

Mas os líderes locais, convencidos de que ele é o hierarca fascista, passam a acreditar que Omero pediu o nome deles a fim de fazer uma investigação que teria sido determinada pelo governo nacional. 

Quando Omero vai procurar por eles, o mesmo se apresenta como um simples corretor de seguros, mas os líderes fascistas acreditam que isso é apenas uma fachada da qual o ‘hierarca’ se utiliza para investigá-los. 
O governo fascista de Mussolini enviou cerca de 70 mil soldados para lutar na 'Guerra Civil Espanhola' (1936-1939), contribuindo decisivamente para a vitória de Franco. Eles não eram voluntários, mas convocados pelo regime Fascista. No total, morreram cerca de 4 mil italianos e outros 11 mil ficaram feridos nos campos de batalha espanhóis. 
Salvatore chega a suar abundantemente quando Omero começa a lhe fazer perguntas sobre as suas atividades profissionais e a respeito da sua renda pessoal. O seu ‘calcanhar de Aquiles’ são as obras do aeroporto local, que não saíram do papel, mesmo tendo recebido verbas para realizá-las. 

Na ânsia de agradar ao falso hierarca (Omero), os líderes da cidade procuram demonstrar que são verdadeiros fascistas, colocando fotografias imensas de Mussolini na parede, por exemplo. Eles também fazem de tudo para ‘maquiar’ a cidade. 

Assim, eles mandam esconder do ‘hierarca’ os bairros onde vive a população mais pobre, e também ordenam que a Polícia recolha os bêbados e mendigos da cidade para a prisão, enfim, procuram promover uma espécie de ‘embelezamento artificial’ da cidade. 

Os pobres reclamam que o bloqueio erguido pelos governantes da cidade para escondê-los do ‘hierarca’ irá dificultar a locomoção deles, pois terão que andar muito mais para poder sair e chegar às suas paupérrimas moradias, mas os líderes locais não ligam a mínima para isso. 
Elvira e Omero se envolvem romanticamente. Mas ela tem grandes ambições e não sabe que Omero é um simples corretor de seguros e não um poderoso 'hierarca' fascista. 
Os líderes fascistas também fazem de tudo para agradar ao falso hierarca, Omero, e imitam tudo o que ele faz e concordam com tudo o que ele diz, adotando comportamentos patéticos e ridículos.  

Eles aplaudem quando Omero faz isso, usam de picaretas quando ele faz o mesmo, o que gera várias situações cômicas. Eles também procuram obter informações, com o ‘hierarca’ Omero, a respeito de Mussolini, querendo saber se ele o vê com frequência. 

Os líderes da cidade também criam situações ridículas com o objetivo de convencer Omero de que a cidade está progredindo. Assim, eles levam dezenas de cabeças de gado (bois e vacas) de caminhão, de uma fazenda a outra da região, falando para o suposto hierarca que eram todas vacas leiteiras. 

A população também acaba sendo convocada para participar, de forma obrigatória, das manifestações e desfiles do dia 28 de Outubro (um feriado nacional criado por Mussolini), data em que se comemorava, na Itália fascista, a chamada 'Marcha Sobre Roma', que ocorreu em 28/10/1922, mas os camponeses recusam-se a deixar de trabalhar em função disso, gerando conflitos com a Polícia.  
O médico antifascista local descobre que Omero não é nenhum 'hierarca' fascista enviado pelo PNF para fiscalizar os governantes locais, mas um simples corretor de seguros. 
Alguns moradores da cidade também são mobilizados para lutar na 'Guerra Civil Espanhola', na qual o regime Fascista de Mussolini desempenhou um importante papel no apoio a um general golpista e reacionário, Francisco Franco, que promoveu um Golpe de Estado e iniciou uma Guerra Civil, em Julho de 1936, com o objetivo de derrubar o governo Republicano da 'Frente Popular' e que havia sido eleito democraticamente.

Obs1: A participação italiana na Guerra Civil Espanhola foi bastante significativa, sendo fundamental para a vitória alcançada por Franco. Mussolini enviou cerca de 70 mil soldados, 2 mil canhões, 10 mil metralhadoras, 250 mil fuzis e 90 navios de guerra para lutar ao lado dos golpistas reacionários liderados por Franco, que acabaram vitoriosos. 

Na cidade, no entanto, também existem muitas pessoas que são de oposição ao regime fascista, mas que não atuam politicamente. E por isso elas não são incomodadas pelos líderes locais, que os conhecem e que frequentam os mesmos locais que esses antifascistas. Um dos principais antifascistas é um médico, que também pensa que Omero é um hierarca fascista. 

Além disso, algumas pessoas fazem críticas abertas a Mussolini, como é o caso de uma mulher pobre e idosa, que diz que o ditador é um assassino e que o mesmo matou muitas pessoas. 
Elvira fica triste e chora ao saber que Omero não era o rico e poderoso 'hierarca' fascista que ela imaginava. 
Até mesmo a miserável população local também tenta obter de Omero alguns favores e benefícios, imaginando que ele poderá resolver os seus problemas de alimentação, moradia, entre outros. 

Omero, durante quase todo o tempo em que permanece na cidade, não se dá conta de que os líderes fascistas estão fazendo uma brutal confusão, acreditando que ele é um hierarca do PNF. Afinal, ele falou a verdade quando lhes disse, ao chegar à cidade, de que ele estava ali para vender seguros. 

Mas o que ocorre é que todas as iniciativas dos líderes locais, para o falso hierarca, se destinam a esconder o fato de que eles são pessoas meramente oportunistas, desonestas e corruptas, e de que não acreditam, de fato, nem no Fascismo e nem em Mussolini. Eles querem apenas ocupar os cargos mais importantes e utilizar os mesmos em proveito próprio. 

Desenvolver o país? Melhorar as condições de vida da população? Transformar a Itália em um país rico e poderoso, até mesmo em um Império, como defendia Mussolini? Nada disso importa para os incompetentes, desonestos e oportunistas líderes da cidade. 
Omero tenta convencer a bela Elvira a se casar com ele, mas ela deseja ter um marido rico e poderoso, um 'herói da pátria'. E Omero é um simples corretor de seguros... 
Enquanto tudo isso acontece, Omero acaba se envolvendo romanticamente com 
Elvira, a bonita filha do desonesto interventor Salvatore. Ela também pensa que ele é um influente hierarca fascista e sonha em se casar com o mesmo, pois vê nisso uma possibilidade de ascensão econômica e social, bem como de ir viver na capital do país (Roma, é claro). 

Elvira lhe diz que sonha em casar com um homem cheio de medalhas e que seja um herói da pátria. Por isso, Omero lhe pergunta, ironicamente, se ela deseja ter um marido ou um monumento à memória... 

Omero também é levado para instalações esportivas onde crianças e adolescentes são treinadas em várias modalidades. Em uma delas, Omero mostra que era um talentoso ginasta, o que deixa a todos impressionados, incluindo a bela Elvira. 

Somente no final dessa ótima sátira é que Omero irá perceber que o confundiram com um hierarca fascista e, naquela que deveria ser uma alegre e animada festa, que reúne a elite local, para comemorar o noivado dele com Elvira, o mesmo irá expor a desonestidade dos líderes da cidade, bem como deixará claro que ele é, sim, um mero corretor de seguros e não um poderoso hierarca fascista.

Omero acaba falando tudo isso (sob o efeito do álcool) para todos, resumindo tudo o que ele havia percebido enquanto permaneceu no local: corrupção, desonestidade, traição, mentiras, atraso, manipulação, miséria, oportunismo.
O verdadeiro 'hierarca' (líder) fascista chega à cidade e exalta as oportunistas e corruptas lideranças da cidade.  
Os líderes fascistas ficam furiosos com o funcionário (Salvério) que havia lhes dito que Omero era o hierarca fascista, mas eles ficam aliviados quando o verdadeiro hierarca aparece na cidade e os trata muito bem, dizendo que eles representam o que a Itália possui de melhor, sendo as 'forças vivas da Nação'. 

E Omero volta para Roma, de trem, levando junto uma carta de um miserável morador da cidade, que insiste com o falso hierarca para que ele entregue a mesma para Mussolini. Na carta, o morador pede para que Mussolini lhe dê uma casa decente para morar, demonstrando confiança de que o ditador irá atender ao seu pedido. 

E é claro que isso não irá acontecer. 

Assim, Luigi Zampa usa da comédia e da sátira para traçar um painel devastador a respeito da Itália Fascista, mostrando claramente que a mesma em nada se parecia com a propaganda maciça que Mussolini e seu governo faziam, pois o país era marcado por muita pobreza, atraso econômico, ineficiência, incompetência, oportunismo e corrupção. 
Omero lê a carta de um pobre morador da região de Puglia, que ingenuamente acredita que o 'Duce' irá lhe dar uma casa decente para morar. 

Informações Adicionais:

Título: 'Gli Anni Ruggenti' ('Os Anos Felizes')
Diretor: Luigi Zampa;
Roteiro: Luigi Zampa, Ettore Scola, Sergio Amidei, Vincenzo Talarico, Ruggero Maccari;
Ano de Produção: 1962; País de Produção: Itália;
Duração: 102 minutos; Gênero: Comédia Satírica;
Música: Piero Piccioni; Fotografia: Carlo Carlini;
Elenco: Nino Manfredi (Omero Battifiori); Gino Cervi (Salvatore Acquamano); Michèle Mercier (Elvira Acquamano); Gastone Moschin (Carmine Passante); Salvo Randone (Médico Antifascista); Angela Luce (Rosa De Bellis); Rosalia Maggio (Nunzia Acquamano); Giuseppe Ianigro (Nicola De Bellis); Linda Sini (Elsa); Mario Passante (comerciante fascista).
Prêmio: Melhor Filme no Festival de Locarno (Suíça) de 1962. 

Vídeo - Trecho do Filme: