segunda-feira, 1 de maio de 2017

'Il Posto' (O Emprego): Ermanno Olmi mostra a desumanização provocada pela modernização econômica! - Marcos Doniseti!

'Il Posto' (O Emprego): Ermanno Olmi mostra a desumanização provocada pela modernização econômica! - Marcos Doniseti!
 A bela Loredana Detto interpreta Antonietta, que procura por um emprego na Milão do início dos anos 1960. Domenico faz o mesmo. E Ermanno Olmi usa esse momento na vida dos dois jovens para criticar as mudanças que ocorriam no estilo de vida das pessoas em função da modernização econômica. 
'Il Posto' (O Emprego) é um dos melhores filmes do diretor italiano e a forma como o mesmo foi produzido o aproxima das obras Neo-Realistas, embora a sua realização tenha se dado em 1961, quando o 'movimento' do qual Roberto Rossellini e Vittorio De Sica fizeram parte já não estivesse mais na 'crista da onda'. 

Afinal, neste filme, Ermanno Olmi fez uso de atores não-profissionais, realizou inúmeras filmagens em paisagens naturais (no caso deste filme, em um ambiente urbano, da bela cidade de Milão, em especial), gastou pouco na produção do filme e preocupou-se mais em mostrar uma determinada realidade. E todas estas características eram marcantes nas produções do Neo-Realismo italiano.

Ermanno Olmi, inclusive, cita a influência dos filmes de Vittorio De Sica sobre o seu trabalho. 

Ermanno Olmi é um cineasta com uma longa carreira cinematográfica, sendo mais conhecido pelo filme 'A Árvore dos Tamancos', que foi escolhido como o melhor Filme no Festival de Cannes de 1978, ganhando a 'Palma de Ouro'. Entre 1953 e 1961, Olmi havia realizado apenas um longa-metragem ('O Tempo Parou', de 1959). Os demais tinham sido curtas-metragens e documentários. 
Domenico sai de uma pequena comunidade rural, de uma cidade próxima a Milão, para trabalhar em uma grande empresa na metrópole da Lombardia.
Assim, 'Il Posto' ('O Emprego') foi o seu segundo longa-metragem. E junto com o seu terceiro longa-metragem ('I Fidanzati', 'Os Noivos', de 1963) esses três primeiros longas-metragens de Ermanno Olmi constituem uma trilogia.

O momento histórico no qual 'Il Posto' foi realizado é fundamental para se compreender este belo filme de Olmi. A trama do filme se desenvolve no início da década de 1960, quando a Itália e a Europa Ocidental viviam um verdadeiro 'Milagre Econômico', com a economia crescendo rapidamente, as grandes empresas se expandindo rapidamente, a globalização econômica se acelerando. 

Com isso, havia empregos em abundância para todos e os mesmos eram, em grande parte, para a vida toda. Assim, o trabalhador começava a trabalhar em uma determinada empresa e acabava aposentando na mesma. E os salários subiam anualmente, sendo que chegaram a triplicar, em termos reais, na Itália durante o período de 1953-1973. 

Obs1: No mundo atual, esse tipo de relação trabalhista está sendo extinta, mesmo em países onde eles eram uma realidade bem estabelecida, como é o caso do Japão, onde os empregos vitalícios existiam em grande número, o que já não acontece mais. As chamadas 'reformas trabalhistas', que foram impostas em praticamente todos os países que se integraram ao "Capitalismo Globalizado", estão precarizando as relações de trabalho, visando intensificar a exploração dos trabalhadores. As recentes 'reformas' que o governo ilegítimo de Temer está impondo ao país são a comprovação disso. 
A bela Antonietta chamou a atenção de Domenico desde o início. 
E no caso da Itália, em especial, também ocorreu um processo de modernização de sua economia, com grande parte da população rural (do Sul, principalmente) indo morar e trabalhar nas cidades industriais do Norte. Para essas pessoas, o que ocorria não era apenas uma mudança de cidade, mas de estilo de vida, saindo de uma região de economia marcadamente agrária (Sul) para outra de tipo industrial Norte) e na qual o setor de serviços crescia rapidamente.

E mesmo na região Norte da Itália ocorria um deslocamento da população de cidades menores para as grandes cidades da região (Turim, Milão). Logo no início do filme vemos um letreiro dizendo que Milão era a cidade certa para se conseguir um emprego na região da Lombardia. Outra mudança que o filme de Olmi capta é o rápido crescimento do setor de serviços, que substituiu o setor industrial como o de maior crescimento e que mais gerava empregos.

Em 'Il Posto', Olmi mostra os efeitos destas mudanças na vida das pessoas, bem como nas relações sociais, incluindo as profissionais, sentimentais e afetivas. A sociabilidade existe nas pequenas comunidades será substituída pela solidão que se vivencia nas grandes cidades. 

O filme de Olmi tem como protagonista justamente um jovem proletário (Domenico) que mora com a sua família na área rural de uma pequena cidade (Meda, próxima a Milão, na Lombardia), que está ingressando no mercado de trabalho e vai procurar emprego em Milão. Ele está saindo da vida no campo para viver na cidade e isso terá um grande impacto em sua vida. 
Domenico sente-se imediatamente atraído por Antonietta e se aproxima da bonita jovem. 
Domenico é filho de um casal de operários que conseguiu sair da miséria, que tem uma casa, o pai tem um emprego, alimentação, vestuário e acesso á educação (estudar até o ensino médio, pelo menos, é algo garantido). Eles tem uma vida humilde e sonham com a continuidade do processo de ascensão social, desejando que seus filhos possam desfrutar de uma vida melhor do que a sua. 

Domenico para de estudar a fim de começar a trabalhar. Sua família nutre grandes esperanças de que ele será bem sucedido e o estimula a se submeter aos testes que uma grande empresa está promovendo para contratar novos funcionários. Sua mãe chega a lhe dizer que se ele conseguir tal emprego, ele ganhará pouco, mas terá trabalho para a vida toda. 

Na sua tentativa de conseguir esse emprego, Domenico será submetido a uma série de testes (escrever uma redação; responder um problema matemático; responder questões sobre sua vida pessoal). Mas o emprego que ele ambiciona é em um escritório, sendo típico da economia de serviços que, nas décadas seguintes, irá substituir o trabalho industrial.

E é neste momento que Domenico conhece uma bela jovem, Antonieta, que também está concorrendo a uma vaga de emprego na mesma empresa. Timidamente ele se aproxima da jovem, que corresponde ao seu interesse. Eles começam a passar juntos o tempo livre disponível entre a realização dos testes para tomar café e andar pela cidade, observando vitrines de lojas de roupas luxuosas e concessionárias de veículos. 
jovem e bela Antonietta, por quem Domenico se apaixonou, sonha em ter um emprego e em se casar. Assim, ela conseguirá se realizar. 

É mais do que evidente que ambos sonham em ter um emprego que lhes permita desfrutar de um bom padrão de vida e, assim, poder comprar aqueles bens de consumo que tanto almejam. Mas há um preço, alto, para se atingir estes objetivos. 

Mas para isso eles terão que ser aprovados nos testes a que eles e muitos outros candidatos são submetidos. Ambos são admitidos pela empresa, mas vão trabalhar em edifícios distintos. Eles se apaixonaram naquele rápido momento em que se conheceram, mas o trabalho acabou por afastá-los. 

Durante o período em que começaram a se sentir atraídos mutuamente, eles desfrutaram de bons momentos juntos, apesar da timidez de Domenico em uma das conversar ela diz que Domenico é um nome antigo, mas que isso combina com ele, que tem um jeito antiquado, talvez referindo-se à timidez daquele filho de operários. 

Antonietta demonstra ter um jeito de ser mais confiante do que Domenico e o trabalho que ela ambiciona visa mais ter uma ocupação, pois ela diz que depois que se casar estará tudo certo para ela. Mas percebe-se que ela possui uma origem social um pouco melhor, sendo que também é moradora de Milão. 
Antonietta e Domenico foram interpretados por atores não-profissionais, que não seguiram carreira no Cinema. Loredana, inclusive, acabou se casando com o próprio Ermanno. 

Estes momentos são os únicos em que eles realmente sentiram algum lampejo de felicidade em suas vidas. Eles passeiam pela bonita cidade de Milão, tomam café juntos, correm de mãos dadas, trocam sorrisos encabulados e ficam juntos até o momento anterior ao dela embarcar no ônibus que a levará para casa. 


Esta cena encerra a primeira parte do filme, na qual Domenico e Antonietta se apaixonam. Eles ainda não sabem mas estão vivendo os últimos momentos de felicidade.

Assim, Domenico, que era um jovem quieto e tímido, mesmo entre os membros da sua família (ele mal conversa com os pais e com o irmão mais novo), passa a chegar em casa feliz, cantando, algo que nunca havia feito anteriormente. Mas a partir deste momento não haverá muito tempo disponível para desfrutar de outros momentos de felicidade, junto com Antonietta ou não, pois o trabalho irá afastá-los, embora eles não saibam disso, é claro.  

Quando vai à empresa, a fim de saber qual será o trabalho que irá fazer, o tratamento dado pela chefia ao novo emprego é frio, impessoal e burocrático. O chefe sequer olha para o novo empregado. Ele também dá uma bronca em uma funcionária que chegou atrasada mais uma vez devido a problemas familiares. O nome disso é Capitalismo. O que interessa, neste sistema social e econômico, não são as pessoas, mas o Capital. 
Antonietta e Domenico passeiam pela cidade de Milão. A filmagem em ambiente natural é uma das características do Neo-Realismo que está presente no belo filme de Ermanno Olmi. 

Na empresa, Domenico se torna um mensageiro, enquanto não abre uma vaga em um dos escritórios da empresa, onde empregados veteranos e entediados fazem serviços aborrecidos e que não permitem estabelecer qualquer tipo de contato mais próximo entre eles. Um funcionário, Sartori, irá lhe ensinar o serviço. 


Enquanto isso, a bela Antonietta vai trabalhar como datilógrafa, mas em um outro edifício. .

Domenico ainda tenta uma reaproximação com a bonita e delicada Antonietta, mas isso é difícil. Além de terem ido trabalhar em edifícios diferentes, eles também almoçam em horários distintos. Ele fica sabendo disso devido a uma mulher idosa, que é a única pessoa na empresa que demonstra algum sentimento de simpatia por ele e que tenta se aproximar de Domenico. 

Aliás, as únicas pessoas que demonstram algum interesse pessoal por Domenico, com a exceção da bela e jovem Antonietta, são idosos. Durante uma cena em que os candidatos ao emprego estão indo para o local em que serão submetidos aos testes, Domenico é parado na rua por um idoso, que lhe pergunta o que eles estão fazendo. 
Antonietta e Domenico em frente a uma concessionária de veículos. Eles desejam uma vida melhor, mas não querem perder a sua alma. Será que eles irão conseguir atingir o seu objetivo?

E o homem idoso demonstra um certo desprezo quando fica sabendo que todos aqueles jovens estão sendo submetidos a testes para conseguir um emprego. Outro homem idoso critica uma grande obra que está sendo feita na cidade, dizendo que a mesma já foi iniciada sete vezes e que há um excesso de engenheiros na mesma. Outros idosos cantam no ônibus ou leem o jornal em voz alta em um restaurante. 


Assim, os idosos parece que são os únicos que ainda são capazes de atitudes mais humanas, como a de demonstrar interesse pelos outros, ou seja, de socializar. Desta maneira, fica claro que estas pessoas idosas que aparecem no filme são os representantes de uma cultura, de um estilo de vida, de um modo de viver que está morrendo, no qual as pessoas se ajudavam e se interessavam umas pelo destino das outras mesmo que mal as conhecessem. Elas ainda são capazes de se socializarem. 

Já os que estão trabalhando nas grandes empresas há muito tempo já se desumanizaram por completo. 

A frieza e o distanciamento entre os candidatos ao emprego, que mal conversam entre si, e entre os funcionários da empresa é uma característica deste estilo de vida e de trabalho que fazem parte desse novo modelo econômico capitalista globalizado, que estava em plena expansão na época e que já era (como Ermanno Olmi mostra claramente em seu bonito filme) marcado pelo egoísmo, individualismo, distanciamento e materialismo ostensivos. 
A jovem e bela Antonietta, com o seu lindo sorriso, tomando café junto com Domenico.

Na empresa, o funcionário (Sartori) que se responsabiliza pelo treinamento de Domenico chega a lhe dizer que não se pode confiar em ninguém que possua duas narinas e que cada pessoa deve cuidar dela mesma. Ele é uma pessoa que já se habitou à solidão, a tristeza e a infelicidade que caracterizam a vida nas sociedades modernas. A sua alma já morreu, mas ele ainda não sabe disso. 


E no escritório em que Domenico irá trabalhar, no final, substituindo um funcionário que havia acabado de falecer, o trabalho é entediante. Um funcionário dorme, outro escreve um livro, um terceiro penteia o cabelo. E o único interesse dos demais funcionários do local é em passar a usar a escrivaninha do falecido. 

Um destes funcionários vai reclamar com o chefe do setor que trabalha há 20 anos na última escrivaninha do escritório e que sempre usou do mesmo abajur e vai pedir para passar a usar a escrivaninha do falecido, mas outro funcionário é mais esperto e toma o lugar para si. Assim, cada um se preocupa apenas consigo mesmo. 

Um outro funcionário, já aposentado há três meses, continua frequentado a empresa diariamente. Ele fica sentado, durante o dia inteiro, e continua agindo como se ainda estivesse trabalhando. Ele se desumanizou de tal forma que já não consegue conviver com os outros fora do seu antigo local de trabalho.
Antonietta e Domenico correm pelo corredor de um edifício em obras. Tal cena lembra muito uma cena semelhante que vemos em 'Jules et Jim' (François Truffaut) e em 'Bande à Part' (Godard). Mas o filme de Ermanno é de 1961, o de Truffaut é de 1962 e o de Godard é de 1964.   

Logo, a frieza materialista, individualista e egoísta que predominam na vida moderna é o tema principal deste bonito filme de Ermanno Olmi. 

Em uma das raras oportunidades em que Domenico viu Antonieta saindo do seu edifício, onde trabalhava, ele a viu ir embora com outro homem, que segurava o guarda-chuva para ela. Com isso, ele evitou de se aproximar dela, pois temia que ela não quisesse mais conversar com ele. 

Mas em uma outra oportunidade em que Domenico foi até o edifício em que Antonieta trabalhava ele acabou por conversar com a jovem, que foi simpática com ele, chegando a convidá-lo para ir até a festa de Ano-Novo que a empresa iria oferecer para os funcionários.

Mas a jovem Antonieta não foi à festa e, assim, Domenico sentiu-se triste e solitário durante a noite inteira, mesmo com algumas pessoas tentando se aproximar dele. As outras pessoas também estavam pouco animadas e foi necessário que Domenico e todas elas ficassem bêbados para que pudessem dançar alegremente. E essa felicidade somente foi possível porque estavam fora do ambiente de trabalho, que é mostrado no filme como um fator de desumanização. 
A bela Antonietta, por quem ele se apaixonou, convidou Domenico para ir à festa de Ano-Novo que a empresa ofereceria aos funcionários. Porém, ela não irá aparecer, pois dependia de obter uma autorização de sua mãe.

Logo, na visão de Ermanno Olmi, vivemos em uma sociedade que afasta as pessoas, impelindo-as para uma vida que é marcada pela tristeza e pela solidão e que somente com o estímulo de bebidas e estando fora do ambiente de trabalho é que poderemos desfrutar de momentos de alegria e de prazer. 


E na cena final, ao ouvir a máquina de copiar, Domenico percebe que ele será mais um que passará pelo mesmo processo de desumanização a que muitos outros foram submetidos e que destruiu as suas almas.  

Informações Adicionais:

Título: Il Posto (O Emprego);
Diretor: Ermanno Olmi;
Roteiro: Ermanno Olmi, Ettore Lombardo;
Duração: 93 minutos; Gênero: Drama;
Ano de Produção: 1961; País de Produção: Itália;
Música: Pier Emílio Bassi; Fotografia: Lamberto Caimi;
Montagem: Carla Colombo;
Elenco: Loredana Detto (Antonieta Masetti); Sandro Panseri (Domenico Cantoni); Mara Revel (Mulher idosa);
Prêmios: Prêmio da Crítica de Melhor Filme do Festival de Veneza de 1961;
Melhor Filme do 'British Film Institute' em 1961;
Donatello Awards - Melhor Diretor para Ermanno Olmi.
Domenico, triste, pois sabe que será a próxima vítima do processo de desumanização que a vida moderna promove. 

Links:


Ermanno Olmi - Um Autor do tempo:

http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,um-autor-do-tempo-imp-,1075230

Ermanno Olmi - A miséria no aquário:

https://www.cartacapital.com.br/revista/772/a-miseria-no-aquario-611.html

Entrevista com Ermanno Olmi:

http://www.repubblica.it/cronaca/2015/08/20/news/ermanno_olmi_il_posto_fisso_a_scapito_dell_anima_salva_-121367977/

Vídeo - Trecho do Filme:

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