terça-feira, 26 de julho de 2016

Luis Bunuel: 'Assim é a Aurora' conecta histórias de amor com a luta de classes de forma sensível e inteligente! - Marcos Doniseti!

Luis Bunuel: 'Assim é a Aurora' conecta histórias de amor com a luta de classes de forma sensível e inteligente! - Marcos Doniseti!
'Cela S'Appelle L'Aurore' (1956): Este belíssimo filme do genial Luis Bunuel é a primeira parte de uma trilogia, que também reúne 'A Morte No Jardim' (1956) e 'Os Ambiciosos' (1959). 
Assim é a Aurora' é um belíssimo filme e também é um dos mais acessíveis e fáceis de assistir da vasta e genial obra do grande Luis Bunuel, embora no mesmo estejam presentes características que a marcam profundamente, como as críticas feitas à Burguesia e à Igreja, bem como temos muitos elementos que levam o espectador a refletir sobre o significado da presença dos mesmos no filme (os gatos, uma pequena tartaruga...).

A trama do filme se desenvolve na França, em um povoado de uma pequena ilha da Córsega, e que está longe de tudo, principalmente da vida agitada das grandes cidades.

Mas, no povoado que aparece no filme vemos, porém, uma espécie de microcosmo da sociedade burguesa capitalista, à qual Bunuel faz duras e impiedosas críticas, embora isso seja feito de uma forma elegante, em alguns momentos, e mais crua em outros.

A luta de classes, a aliança entre a Igreja e Burguesia, a exploração e pobreza dos trabalhadores, a submissão da Justiça e da Polícia (logo, do Estado) aos interesses burgueses estão presentes nesta bela obra de Bunuel.

Inclusive, na cena que abre o filme, vemos um grupo de crianças brincando de correr atrás de uma outra criança que faz o papel subversivo ou revolucionário e que acaba sendo presa. E quando o 'subversivo' estava para ser fuzilado, aparece um outro grupo de crianças que apedreja o local, a fim de libertar o seu companheiro que está prestes a morrer.
Valerio, ao centro, é o médico que trabalha visando ajudar a população pobre de um povoado da Córsega, como é o caso de Magda e Sandro, que trabalham na fazenda de um rico, poderoso, insensível e imoral burguês (Gorzone).  
O recado é claro, com Bunuel defendendo o direito do povo de se revoltar contra classes sociais e governos de natureza tirânica ou ditatorial, mesmo que seja necessário usar da violência revolucionária para isso.

Em função disso, estudiosos da obra de Bunuel apontam 'Assim é a Aurora' como sendo a primeira parte de uma trilogia, que também inclui 'La Mort en ce Jardin' ('A Morte no Jardim', 1956) e 'La Fièvre Monte à El Pao' ('Os Ambiciosos, 1959). Nestes três filmes, Bunuel defende uma estratégia de luta de caráter revolucionário, que promova a destruição da sociedade capitalista. 

A história do filme gira em torno da ação de um poderoso burguês (industrial e fazendeiro), Gorzone, que explora sem hesitar os trabalhadores que emprega e que não demonstra nenhuma sensibilidade frente aos problemas que eles enfrentam. 

Um destes trabalhadores é Sandro Galli, que trabalha na fazenda de Gorzone, onde vive junto com a sua amada esposa, Magda. Esta se encontra gravemente doente e, em função disso, Sandro passa a relaxar no trabalho, deixando de fazer as atividades necessárias.
Valerio e a sua esposa, Angela, uma pequena burguesa que está infeliz e insatisfeita, pois o marido se preocupa mais em ajudar a população pobre do povoado do que em fazê-la feliz. Ela prefere a vida em Nice, cidade grande, onde possui muitos amigos burgueses, ricos, que frequentam os mesmos lugares (teatros, restaurantes...). Seu desprezo pelos pobres dos quais Valerio cuida é bem evidente.  
Gorzone visita a fazenda, constata que o trabalho na mesma não é realizado há vários dias, fica irritado com o fato e demite Sandro, ordenando que o mesmo deixe a fazenda, pois já contratou outro trabalhador para ocupar o seu lugar (o exército de reserva de mão-de-obra está aí para isso mesmo...).

O poderoso burguês Gorzone também abusa do seu poder para paquerar, na cada-dura, uma enfermeira que trabalha em sua indústria, onde ocorreu um acidente que feriu mais de 40 trabalhadores (logo, não existe preocupação alguma com a segurança no trabalho).

Até mesmo a sua esposa reclama do seu comportamento, bastante indiscreto, dizendo que todos já estão sabendo do que está acontecendo, mas ele não dá a mínima, tratando de minimizar o fato, desprezando a reclamação da esposa.

E mesmo assim ela se submete ao marido, afinal ela pode continuar desfrutando da riqueza e do prestígio que são decorrentes do fato de ser casada com um rico e poderoso membro da burguesia, mesmo que este se revele uma pessoa desonesta e infiel. Aliás, ela nem sequer pede que Gorzone lhe seja fiel, mas apenas que ele seja 'discreto' em seu caso com a enfermeira, que já chegou ao conhecimento de todos. 

Mas nem essa simples reclamação ele aceita, como se o imenso poder do qual desfruta na sociedade lhe desse o direito de fazer o que bem entende, sem dar satisfação à ninguém, nem mesmo à sua esposa, demonstrando o seu caráter desonesto, aético e imoral.
Clara (interpretada pela belíssima Lucia Bosé) e Valerio sentiram uma forte atração logo na primeira vez em que se encontraram. Eles tem uma postura ambígua durante quase todo o filme, pois enquanto convivem com pessoas da burguesia, também mantém laços afetivos com os membros do proletariado. Mas no final do filme, quando os conflitos entre Gorzone/Burguesia/Justiça/Polícia X Sandro/Proletariado explode, eles acabarão escolhendo um dos lados. 
Outra trama importante que vemos no filme, e que se conecta com os conflitos entre o burguês Gorzone e o proletário Sandro, se dá em torno da vida do Dr. Valerio, que trabalha ali apenas e tão somente com o objetivo de oferecer assistência médica à paupérrima população da localidade que é muito pobre e que não tem a menor condição de pagar pelos seus serviços.

Valerio é casado com uma típica pequena burguesa, Angela, que o ama intensamente, mas que se cansou totalmente da tediosa e monótona vida na ilha, bem como do fato de que ele não tem mais tempo livre para ela. Assim, ela tenta convencer o marido a ir embora dali, para Nice, cidade bem maior, mais rica e com muito mais atrativos para ela (museus, teatros, restaurantes, amigos burgueses).

Porém, Valerio somente aceita deixar o local caso consiga um substituto, pois não quer deixar a população local sem assistência, o que não é nada fácil, é claro, pois não são todos os médicos que se sujeitam a trabalhar em benefício dos mais pobres e sem ganhar nada por isso.

Com isso, Angela decide ir para Nice, onde vai morar junto com o seu pai, e deixa Valerio sozinho por ali, o que acaba se revelando um grave erro, pois o mesmo acaba conhecendo uma jovem e belíssima viúva (Clara), que é interpretada pela belíssima e estonteante Lucia Bosé. E é claro que eles irão se sentir fortemente atraídos já na primeira vez em que se vêem.
Clara fica sabendo que Valerio é casado e diz que não há mais como ficarem juntos, mas ele insiste, pois está perdidamente apaixonado pela bela e jovem viúva. E a paixão é correspondida, o que leva ao início de um intenso romance entre os dois. 
Este primeiro contato acontece quando um velho tentou abusar da sua neta, uma criança, e a polícia convocou o Dr. Valerio para prestar atendimento à garota. 

Clara estava presente no local e acaba ajudando Valerio, bem como ganha uma carona dele até casa do irmão, na qual passou a residir depois que o seu marido faleceu. E a forte atração que sentem leva-os a combinar de se encontrar novamente no dia seguinte.

E quem também percebe esse interesse mútuo entre Clara e Valerio é o Comissário Fasaro. Bastou ele entrar no quarto em que Valerio e Clara atendiam à garota para ele notar que havia uma forte atração entre ambos. Já nesse primeiro encontro ela tratou de informar Valerio que ela estava sozinha, que não esperava por ninguém e que é nova no povoado.

Um aspecto importante dos filmes de Bunuel, e que também está presente neste belíssimo 'Assim é a Aurora', é a natureza contraditória dos personagens.

Isso fica claro, por exemplo, quando vemos que o Comissário Fasaro dá um bronca nos policiais que tratam um preso com brutalidade e que, ao mesmo tempo, colabora com as forças dominantes da sociedade (Igreja, Burguesia), mesmo sabendo do caráter insensível e violento das mesmas.
Após se encontrarem e sentirem uma irresistível atração, Valerio e Clara iniciam um romance. Eles tentam ser discretos, mas em pouco tempo um número cada vez maior de pessoas irá descobrir a respeito do relacionamento deles. 
E este mesmo Comissário que está à serviço das classes dominantes, tem um quadro de Salvador Dali (mostrando Cristo crucificado) e um livro do poeta Paul Claudel em seu escritório, bem como gosta de compor as suas próprias poesias, embora elas não sejam lá grande coisa. 

A natureza contraditória dos personagens de Bunuel é um aspecto que também está presente em muitas outras obras suas, tal como ocorre em 'Viridiana' e em 'Tristana', por exemplo. E o mesmo ocorre com outros personagens deste belo filme que é 'Assim é a Aurora'.

Quando Valerio vai encontrar Clara, no dia seguinte, ela não quer mais nada com ele, pois a mesma descobriu que Valerio é casado. Mas ele insiste e fica claro que está perdidamente apaixonado por ela, sendo que ela corresponde à sua paixão. 

Desta maneira, eles iniciam um intenso romance, mas procurando ser bastante 
discretos, de maneira a que ninguém fique sabendo do mesmo.

Mas, logo depois, Pietro vai até a casa do irmão de Clara, para avisar Valerio de que Magda está muito mal. Valerio quer saber como é que este descobriu a sua presença ali, e ele diz que recebeu a informação do Comissário Fasaro.
Gorzone, o burguês explorador, desonesto, insensível e imoral, Azzopardi, seu pau-mandado e Pietro, proletário e grande amigo de Sandro, que o ajuda sempre que necessário. 
Fica nítido também que o Dr. Valerio tem grandes dificuldades para romper com os valores burgueses, pois ele não quer se divorciar da esposa, à qual não deseja fazer sofrer com um dolorida separação, mesmo tendo um romance muito intenso com Clara, que é a mulher a qual verdadeiramente ama.

Valerio é como a pequena tartaruga que levou para Clara, que caiu de costas no chão e que tem grandes dificuldades para se virar e caminhar por sua própria conta. E Valerio tem imensas dificuldades para conseguir romper com os valores de sua classe social, que o obrigam a ficar com a esposa e esquecer da amante, Clara, mesmo sendo esta a mulher que verdadeiramente ama.

Valerio tenta convencer Clara de que o melhor é que todos eles devem ir embora para Nice, onde o romance entre eles será mais fácil (afinal, é uma cidade grande...), mas ela diz que Valerio não saberá mentir para a esposa e chora. Mas Valerio diz que ninguém conseguirá separá-lo de Clara.

Porém, Magda acaba falecendo, o que provoca uma reviravolta na história. A sua morte ocorreu depois que ela e Sandro foram expulsos da fazenda por Gorzone. Essa expulsão acabou acontecendo mesmo depois que Gorzone havia prometido ao Dr. Valerio que Sandro e a esposa poderiam continuar morando e trabalhando em sua fazenda.
A morte da esposa, Magda, levou Sandro a se vingar de Gorzone, que os havia expulsado de sua fazenda, obrigando-os a ir embora do local. Magda, bastante doente, morreu durante a viagem, deixando Sandro inconsolável.
A mentira de Gorzone e a morte de Magda, quando a mesma estava sendo transportada para a casa de Pietro, amigo dela e de Sandro, faz com que o marido fique inconsolável.

Extremamente revoltado e indignado com a situação, Sandro decide se vingar de Gorzone, a quem responsabiliza pela morte de Magda, indo até a mansão deste, onde o mesmo dava uma festa da qual participavam outros burgueses ricos, bem como alguns membros da Igreja, mostrando claramente a aliança existente entre a Igreja e a Burguesia.

Um dos religiosos pede que Sandro, armado com um revólver, vá embora, mas o mesmo desfere três tiros em Gorzone, que acaba morrendo ali mesmo, logo depois da chegada do Dr. Valerio ao local para lhe prestar atendimento, que acabará sendo desnecessário.

Desesperado, Sandro acaba indo até a casa do Dr. Valerio e encontra-se com Clara, que havia escrito e levado um bilhete para o amante. Ele fica escondido e vê quando Valerio chega à casa, levado pelo Comissário Fasaro.
Valerio ama Clara de forma muito intensa, mas se recusa a se separar da esposa, Angela, mostrando que tem dificuldades em romper com os seus valores burgueses. Eles não querem que Angela sofra, mas ambos sofrem com a ideia de ficarem separados. 
E o Comissário deseja um 'boa noite' em tom irônico para Valerio, olhando para a casa, demonstrando claramente que sabe do caso deste com a jovem e bela Clara, o que deixa Valerio irritado pela ironia que o mesmo usou. E Clara informa Valerio da presença de Sandro na casa, escondido no jardim.

Obs1: Sandro, o assassino, está no jardim. E o filme que integra a segunda parte desta trilogia de Bunuel se chama justamente 'A Morte no Jardim'.

Valerio e Clara decidem esconder Sandro num quarto dos fundos da casa do médico. Ela diz que Sandro amava Magda e Valerio fala que teria feito o mesmo, se estivesse no lugar do amigo.

Assim, foi somente quando os membros da pequena burguesia (Clara e Valerio) se identificaram com a situação de pobreza, miséria, injustiça e violência em que o casal de proletários (Sandro e Magda) vivia é que eles romperam com os valores, ideias e interesses da Grande Burguesia (Gorzone), deixando de caminhar a reboque desta.
O comissário Fasaro, fumando, foi o primeiro a notar a forte atração existente entre Clara e Valerio e a perceber que eles haviam iniciado um romance. Ele condenava a brutalidade policial e escrevia poesias, mas não hesitava em colocar a força ao lado dos interesses das classes dominantes, da Igreja e da Burguesia. 
Assim, há uma clara identificação de Valerio/Clara com a situação vivida por Sandro/Magda. O que aconteceu com o casal de proletários, também poderia acontecer com eles. 

Afinal, Valerio e Clara se amam de forma tão forte e intensa quanto Sandro e Magda se amavam e eles poderiam, muito bem, estar no lugar do casal proletário que foi vítima das injustiças e violências de Gorzon, o burguês imoral e insensível.

Obs2: De fato, a história está repleta de exemplos (Revolução Francesa, Revoluções Liberais do século XIX) em que a pequena burguesia, quando é explorada, torna-se vítima de injustiças e de violências e se transforma em uma força revolucionária, ela também acaba sendo vítima da brutal repressão desencadeada pelos governos que estão a serviço dos interesses do Grande Capital.

Para ajudar Sandro, ele correu o risco até de ser preso, junto com Clara, para poder ajudar aquele pobre trabalhador, Sandro, que decidiu fazer justiça com as próprias mãos, pois este sabia que a Justiça jamais faria qualquer coisa contra o rico, poderoso, influente, desonesto e imoral burguês que é Gorzone.
Luis Bunuel, de camisa branca, e Lucia Bosé, sentada, no set de filmagem de 'Assim é a Aurora'. 
É como se Bunuel estivesse dizendo que as ações revolucionárias até podem contar com a participação da pequena burguesia, mas é o proletariado que tem que tomar a liderança e conduzir a Revolução. Valerio também decide pedir a ajuda de Pietro (outro trabalhador de origem humilde), que é um grande amigo de Sandro, e eles decidem tirá-lo da ilha no barco de um primo de Pietro, que o levará para o continente na noite seguinte.

No dia seguinte, na delegacia, o Comissário fala para Valerio que não há como Sandro fugir, pois o porto está tomado por policiais e que se alguém esconder e proteger Sandro acabará se dando mal por isso, o que é um claro recado a Valerio, que é muito amigo do fugitivo, fato este que é do conhecimento do Comissário, é claro.

Enquanto isso, Angela e seu pai chegam à ilha e Valerio sequer se dá ao trabalho de ir recebê-los, mostrando claramente o crescente afastamento que ele sente em relação à esposa e aos valores que a mesma representa. 

O pai dela fica desconfiado sobre a presença de alguém em um quarto dos fundos e, colocado contra a parede, Valerio confessa que está protegendo e escondendo Sandro. E mesmo pressionado por Angela e o pai desta, ele se recusa a entregar Sandro para a polícia, o que vai provocar o fim do seu casamento.
Matéria sobre este ótimo filme do genial Luis Bunuel. Notem a cotação do filme: A 'Centrale Catholique' diz 'para adultos, com reservas', devido às críticas de Bunuel à Igreja que estão presentes no filme. Sem falar dos quadros de Salvador Dali que aparecem no mesmo...
Angela e o seu pai estão convencidos de que a ruptura com Valerio se dá por culpa da proteção deste a Sandro, mas eles desconhecem o romance entre Valerio e Clara. Valerio até tentou falar para Angela a respeito do seu caso com Clara, mas não conseguiu.

Obs3: Na sala em que Valerio discute com Angela e o pai desta há um quadro que mostra um castelo medieval, um feudo, portanto. Esta é uma forma de Bunuel mostrar que o tema principal do filme é a luta de classes e que a mesma tem raízes históricas.

Assim, foi necessário que o proletário (Sandro) tomasse a iniciativa de atacar o burguês (Gorzone), para que o membro da pequena burguesia (Valerio) rompesse com a classe dominante e se aliasse aos trabalhadores explorados.

Quando a polícia, devidamente avisada por Angela e seu pai, vai até a casa de Valerio, com um mandado judicial para ver se Sandro se encontra escondido por lá, o médico não se opõe. 
Magda, esposa doente de Sandro, e um gato. Os gatos estão presentes neste filme de Bunuel e talvez passem a ideia de que, tal como os pobres moradores do povoado, eles também precisam de alguém que cuide deles, que os proteja e os ajude. 
Afinal, Valério e Clara já fizeram a sua escolha, já optaram por um dos lados conflito que ocorre entre a burguesia (Gorzone) e o proletariado (Sandro), fechando uma aliança com a classe revolucionária (o proletariado) e estão dispostos a pagar o preço pela opção que fizeram. 

Mas Sandro fugiu, acabou perseguido e cercado pela Polícia, preferindo cometer suicídio no final, para evitar que Valerio e Clara fossem prejudicados. Valerio e Clara lamentam a morte do amigo e aliado.

E a falsidade e hipocrisia do Comissário Fasaro ficam explícitas no final, quando ele diz para Valerio que sente muito pela morte de Sandro mas, logo na sequência, chama o mesmo de 'porco' e agradece pelo fato que Sandro guardou a última bala  do revólver para se matar.

Com a fuga e morte de Sandro, Valerio e Clara se livram da prisão e caminham ao lado de Pietro e de outros proletários, que são os seus novos aliados na luta pela transformação revolucionária da sociedade.

Fim.
Valerio (pequeno burguês) e Pietro (operário), dois grandes amigos de Sandro, de classes sociais diferentes, mas que se unem para ajudar o amigo proletário a fugir. A pequena burguesia e o proletariado se unem para combater a burguesia. 
Informações Adicionais:

Título: Cela S'Appelle L'Aurore ('Assim é a Aurora');
Diretor: Luis Bunuel;
Roteiro: Luis Bunuel e Jean Ferry (adaptação do romance de Emmanuel Robles);
Duração: 98 minutos;
Ano de Produção: 1956; País de Produção: França/Itália;
Elenco: Lucia Bosé (Clara Bernacci); Georges Marchal (Dr. Valerio); Jean-Jacques Delbo (Gorzone); Giani Esposito (Sandro Galli); Nelly Borgeaud (Angela); Julien Bertheau (Comissário Fasaro); Brigitte Eloy (Magda); Roberto Le Fort (Pietro); Henri Nassiet (pai de Angela); Simone Paris (esposa de Gorzone); Pascal Mazzotti (Azzopardi); Gaston Modot (novo empregado da fazenda); Yvette Thilly (Delphine). 

Links:

Informações sobre o filme:


Comentários sobre elementos importantes do filme:


Vídeo - Trecho do Filme: 

domingo, 24 de julho de 2016

'Le Ragazze di Piazza di Spagna': O Neo-Realismo encontra a comédia italiana! - Marcos Doniseti!

'Le Ragazze di Piazza di Spagna': O Neo-Realismo encontra a comédia italiana! - Marcos Doniseti!
'As Garotas da Praça de Espanha': Esta bela e agradável comédia de Luciano Emmer une o humor leve à crítica social do Neo-Realismo italiano. A mistura resultou num grande sucesso, de público e de crítica. 
Luciano Emmer une crítica social e comédia em um ótimo filme!

Inegavelmente quando decidimos assistir a uma comédia nós queremos esquecer um pouco dos problemas que enfrentamos em nossas vidas e que vemos ao redor, no mundo em que vivemos, pelo menos por alguns momentos.

Mas esta comédia do diretor italiano Luciano Emmer consegue um resultado incomum, que é o de combinar o riso fácil com a crítica social, mostrando as desigualdades sociais e os conflitos existentes numa sociedade que, no caso deste ótimo filme, é a Itália do início da década de 1950. 

A trama do filme se passa em Roma, numa época em que o país ainda se recuperava de mais de 20 anos de regime fascista, bem como da sua participação na Segunda Guerra Mundial, da qual a Itália saiu com cerca de 75% do seu território devastado e reduzida à miséria, com muita fome, desemprego, destruição e prostituição em grande escala. 

Esta trágica realidade foi mostrada nas telas de cinema do mundo todo por meio de um dos mais importantes e revolucionários movimentos cinematográficos da história, que foi o Neo-Realismo, que revelou cineastas do calibre de Vittorio De Sica, Roberto Rossellini, Michelangelo Antonioni, entre muitos outros. E filmes como 'Ladrões de Bicicleta' (De Sica) ou 'Paisà' (Rossellini) estão entre as suas obras máximas, que influenciaram o cinema do mundo todo, inclusive o cinema atual, vide o Cinema Iraniano. 

Na época em que se desenvolve a trama do filme, a reconstrução da Itália, que havia se iniciado no pós-Guerra, ainda não havia sido concluída. Com isso, apesar de já se ter iniciado um processo de crescimento econômico, que irá durar até 1973, a Itália ainda convivia com desigualdades sociais e a pobreza, com as periferias de suas cidades ainda abandonadas pelos governantes.

E tudo isso está presente na trama desta excelente comédia neo-realista, que faz humor, mas trata as questões sociais com seriedade. 
As três amigas (Marisa, Lucia e Elena) na escadaria da Piazza di Spagna, onde se reuniam diariamente para conversar sobre as suas vidas. 
A trama do filme!

A história do filme gira em torno da vida de três jovens operárias (Marisa, Elena e Lucia), que vivem na periferia de Roma e que trabalham numa indústria de tecidos, mostrando seus romances, aventuras, conversas sobre o futuro, o relacionamento com as suas pobres e numerosas famílias. 

Um narrador, o 'Professor' (interpretado por Giorgio Bassani), é quem conta o contexto em que se desenvolve a história. Ele gosta de admirar as três jovens, que conversam todos os dias, no mesmo horário, na escadaria da Piazza di Spagna (Praça de Espanha), em Roma. Ele também conversa com as jovens e, por meio disso, ele toma conhecimento do que ocorre na vida de cada uma delas, dos problemas amorosos ou familiares que elas estejam enfrentando. 

Uma destas jovens operárias, Marisa (interpretada pela belíssima Lucia Bosé), namora Augusto, de quem demonstra ter muito ciúmes, ainda mais que uma de suas vizinhas, Irene, vive paquerando o seu namorado, o que gera algumas situações de humor e de conflito entre ambas, que chegam à brigar em função disso.

Marisa acaba sendo escolhida pela gerente da empresa para trabalhar como modelo, passando a vestir os belos e caros vestidos que as operárias que os produzem não tem sequer condições de sonhar em comprar. 
As três jovens (Marisa, Lucia e Elena) conversam com o Professor, que narra e contextualiza a trama do filme. O charme das protagonistas é um dos pontos fortes do filme, que fez muito sucesso quando foi lançado, na Itália, em Março de 1952. 
Porém, isso faz com que Augusto afaste-se dela, pois ele passa a desenvolver e possuir um forte sentimento de inferioridade em relação à sua bela namorada, após vê-la desfilando para mulheres ricas, chegando a dizer para o pai da mesma que ela não é namorada para ele, que não passa de um jovem, simples, humilde e pobre operário, e falando que Marisa deveria namorar um homem rico. 

No entanto, Marisa realmente é apaixonada por Augusto e sofre com o fato dele tomar a decisão de se afastar após ela ter iniciado a sua carreira de modelo. 

Enquanto isso, Elena, por sua vez, namora Alberto, um funcionário de um escritório de contabilidade, que apesar do seu baixo salário tenta, claramente, demonstrar um sentimento de orgulho, procurando estar sempre bem vestido e demonstrando, também, possuir uma certa vergonha pelo fato de namorar uma pobre e simples operária. 

Entretanto, Elena mora com a mãe numa casa própria, embora simples, e Alberto deseja casar com ela para poder ter uma casa.

E quando ele vê que a mãe de Elena (Rosa) está pensando em casar com Vittorio (um velho solitário que frequenta a casa da namorada de Alberto), ele decide abandonar a namorada, pois entende que não poderá ir morar com todos eles juntos, pois daí não terá como se apossar da casa. Rosa ainda chega a abandonar Vittorio, pois não deseja ver a filha sofrer mas, mesmo assim, Alberto termina o relacionamento com Elena e acaba indo namorar com outra, o que leva a sua ex-namorada a tentar o suicídio.
A periferia de Roma, abandonada pelos governantes, onde vivem as jovens proletárias e as suas famílias, que sonham com uma vida melhor, trabalhando duramente para conseguir realizar os seus sonhos e poder ter uma vida de fotonovela. 
Lucia, por sua vez, é sempre paquerada por vários homens, sendo que sempre há vários deles esperando por ela quando a mesma sai do seu local de trabalho. No início, temos apenas um, depois chega um segundo e, finalmente, um terceiro. Em comum, temos o fato de que eles são todos muito altos. Ela também gosta de ler fotonovelas, onde os protagonistas são todos belos e ricos, algo muito distante da realidade na qual ela e as amigas vivem e da qual elas gostariam de sair, mas que em função do baixo salário que recebem jamais passará de um sonho. 

Lucia acaba se envolvendo, temporariamente, com um motorista de táxi, Marcelo Sartori (interpretado por Marcello Mastroianni), ao qual paga para perseguir Marisa, à noite, pois ela está muito preocupada pelo fato de que a amiga começou a sair com jovens ricos e que são inteiramente desconhecidos para ela. Durante a perseguição, ela chega a pensar que Marisa possa ter sido sequestrada e que poderá ser morta, mas o motorista do belo carro (um Studebaker) está apenas levando-a para sua casa, onde Marisa chega bêbada e chorando, pois foi abandonada por Augusto. 

Lucia e Marcelo ficam juntos apenas uma noite e isso é tempo suficiente para que este a peça em casamento, mas Lucia gosta mesmo é de um jóquei de baixa estatura, com o qual acaba namorando. E Marisa chora e sofre por ter sido abandonada por Augusto, que passa a ignorá-la em todas as ocasiões em que a vê. Mas, depois, Augusto irá corrigir a situação, voltando com a bela namorada. 
A belíssima atriz Lucia Bosé, no set de filmagem de 'Le Ragazze di Piazza di Spagna'. Além de Luciano Emmer, ela também trabalhou com diretores do calibre de Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Luis Bunuel, Francesco Maselli e Juan Antonio Bardem. 
O filme tem vários ótimos momentos, que fazem soltar um riso fácil, como aquele em que o paí dá um tapa no filho errado e uma outra cena, quando os vizinhos comentam a respeito do rompimento entre Marisa e Augusto e as fofocas modificam totalmente a história dos dois, atribuindo a ambos atitudes que jamais chegaram a tomar. 

O filme também mostra uma época em que as pessoas ainda saiam à noite, para conversar na calçada, tocar música, dar risada, brigar por namorados, elementos estes que se perderam à medida que as famílias foram ficando menores e acabaram cada vez mais enclausuradas dentro de suas casas, assistindo televisão, jogando videogame ou mesmo navegando na Internet. 

E ao mesmo tempo este ótimo filme de Luciano Emmer mostra as desigualdades sociais, a pobreza, a tentativa de melhorar de vida por meio de trabalho duro ou de golpes (caso de Alberto), a vida difícil em uma região periférica e abandonada de Roma, onde famílias numerosas (Marisa tem oito irmãos; Marcelo diz que tem sete irmãos) se amontoam em espaços minúsculos, mas onde sempre cabe mais um e a solução é, muitas vezes, rir da própria desgraça, cantar ou ler fotonovelas.  

Em função disso, 'Le Ragazze di Piazza di Spagna' foi definido por vários críticos como sendo do estilo 'Neo-Realismo Rosa', pois mistura a comédia leve com a denúncia e a crítica social. 

Mas, acima de tudo, é um ótimo filme. 
Marcello Mastroianni interpreta um motorista de táxi e acaba se envolvendo com Lucia, que persegue a amiga Marisa, imaginando que a mesma possa ter sido sequestrada. 
Informações Adicionais:

Título: Le Ragazze di Piazza di Spagna (As Garotas da Praça de Espanha);
Diretor: Luciano Emmer;
Roteiro: Sergio Amidei, Fausto Tozzi e Karin Valde;
Duração: 91 minutos;
Ano de Produção: 1952; País de Produção: Itália;
Elenco: Lucia Bosé (Marisa); Cosetta Greco (Elena); Liliana Bonfatti (Lucia); Giorgio Bassani (Narrador/Professor); Ave Ninchi (Giulia, Mãe de Marisa); Leda Gloria (Rosa, Mãe de Elena); Renato Salvatori (Augusto); Mario Silvani (Alberto); Eduardo De Filippo (Vittorio); 
Música: Carlo Innocenzi.

Link: 

http://www.imdb.com/title/tt0045066/?ref_=fn_al_tt_1

Vídeo:

sábado, 16 de julho de 2016

'Cronaca di un Amore': Influenciado pelos Filmes Noir, Antonioni conta uma bela e trágica história de amor! - Marcos Doniseti!

'Cronaca di un Amore': Influenciado pelos Filmes Noir, Antonioni conta uma bela e trágica história de amor! - Marcos Doniseti!
"Cronaca di un Amore" (1950): Já em seu primeiro longa-metragem, o gênio Michelangelo Antonioni produziu uma belíssima obra, bastante influenciada pelos filmes Noir. Antes, Antonioni realizou uma série de documentários baseados nos preceitos do Neo-Realismo, do qual foi um dos pioneiros. Mas, em 'Cronaca di un Amore' ele foi criticado porque começou a deixar de lado as teses neo-realistas, mostrando a burguesia como a protagonista da trama e não mais os trabalhadores.
Já no início de sua magistral carreira, Michelangelo Antonioni nos brindou com um belíssimo filme, no qual temos uma clara influência do policial Noir americano. Todos os principais elementos deste gênero policial, que foi extremamente popular nos anos 1930 e 1940, estão presentes neste excelente filme do mestre italiano: Mulheres fatais, crimes passionais e misteriosos, passados nebulosos, clima sombrio, detetives particulares, ciúme, suspeita, final trágico.

Este belo filme de Antonioni também antecipa parcialmente, de certa maneira, a sua produção a partir de 'A Aventura' (de 1960), que passa a tratar muito mais do interior dos personagens, das suas angústias, tristezas, melancolias, enfim, dos seus sentimentos, possuindo características marcadamente existencialistas. 

Assim, em seus filmes do período 1950-1957, Antonioni não trata apenas dos aspectos exteriores da sociedade, da sua realidade social e econômica, como fazia na época do Neo-Realismo, mas também do interior dos personagens. Esta mistura marcará a sua obra por toda a década de 50. 

Esta fase em que elementos neo-realistas e existencialistas se misturam em sua obra vai durar até 'O Grito' (1957), que é outro belíssimo filme de Antonioni, e que já foi comentado aqui no blog. Neste período, Antonioni também dirigiu 'A Dama Sem Camélias' ('La Signora Senza Camelie'; 1953), com a mesma Lucia Bosè de 'Cronaca di un Amore', 'Os Vencidos' ('I Vinti'; 1953) e 'As Amigas' ('Le Amiche', 1955).

A trama deste belo filme que é 'Cronaca di un Amore' gira em torno da jovem e bela Paola Molon, interpretada pela lindíssima Lucia Bosé que, na época da realização do filme, tinha apenas 19 anos, e que havia sido eleita Miss Itália em 1947, concurso no qual derrotou Gina Lollobrigida, Silvana Mangano e Eleonora Rossi Drago que, posteriormente, também tiveram brilhantes carreiras no Cinema.
A belíssima Lucia Bosé tinha apenas 19 anos quando protagonizou este filme de Antonioni. Este foi o seu segundo longa-metragem. Sua estreia tinha sido naquele mesmo ano (1950), em um filme do diretor Giuseppe De Santis ("Non c'è Pace Tra gli Ulivi" ou 'Páscoa Sangrenta' no Brasil). Ela voltaria a ser dirigida pelo grande mestre Antonioni em 'A Dama Sem Camélias', produção de 1953, que faz um retrato bastante crítico do mundo da produção cinematográfica.  
Paola Molon havia casado há apenas um ano com um rico industrial de Milão, Enrico Fontana, e isso ocorreu em Maio de 1943, apenas dois meses depois de terem se conhecido. O marido é muito ciumento, em função da beleza e do charme arrebatadores da jovem, sensual, charmosa e linda esposa. 

E depois de sete anos de casamento (que ocorreu em 1943, na época da Segunda Guerra Mundial), Fontana quer ter certeza de que Paola lhe é fiel e, para isso, contrata um detetive (Carloni) a fim de investigá-la, bem como para descobrir fatos relativos ao passado de Paola, no qual temos alguns acontecimentos nebulosos. 

E é justamente essa investigação que irá levar a que a, até então, fiel esposa reencontre um amor da juventude, Guido. Então, foi o ciúme de Enrico que fez com que Guido e Paola se reencontrassem e iniciassem um novo romance. O medo dele de que a esposa não lhe fosse fiel (e ela era, pelo menos até aquele momento) foi o que deu início a um romance fora do casamento por parte dela. 

Isso acontece depois que a sua amiga de diversão e namoros dos 'velhos tempos', Matilde, informou Guido que havia sido procurada por um homem desconhecido e que o mesmo havia feito inúmeras perguntas sobre o passado dela, Paola, e de Guido. 
Paola sentiu-se perturbada ao rever Guido, depois de muitos anos, pois é claro que os sentimentos dela pelo antigo namorado ainda não morreram.
E é claro que a velha chama do amor de Guido e Paola renasce com toda a força e eles acabam retomando o romance que, antigamente, foi interrompido por razões que serão esclarecidas mais adiante na história. 

Obs1: O belo figurino de Lucia Bosé foi de autoria de Ferdinando Sarmi, o mesmo que interpretou o rico burguês Enrico Fontana, marido de Paola. E a fotografia do filme, com um clima sempre nublado ou chuvoso, ruas escuras, crimes misteriosos, a presença de uma bela 'femme fatale' (Paola, é claro...), história de traição, suspense... Tudo remete ao filme Noir. 

O detetive Carloni vai até Ferrara, fazendo-se passar por um tio de Paola, onde ela viveu a sua juventude, a fim de começar a descobrir os segredos da jovem e bela esposa de Fontana, começando pela escola onde ela estudou. Carloni descobre que ela era namoradeira e que estava sempre acompanhada de duas amigas: Giovanna Carlini, já falecida, e Matilde Galvani. Ele descobre também que Paola foi embora, de forma repentina, logo após a morte de Giovanna. 

Carloni vai até a casa de Matilde, que agora mora com um Sr. Ludovico Algardi, apresentando-se como o 'Professor Ferri' e dizendo que o pai de Paola era um amigo dele e que possuía cartas escritas pelo mesmo que gostaria de entregar à jovem. 

Algardi não se faz de rogado e diz que Paola mora em Milão, que está casada com um rico industrial (Fontana). Carloni fica sabendo que Paola teve somente um romance sério em Ferrara e que o mesmo era noivo de Giovanna (chamava-se Guido), ao qual ela tentava conquistar. 
Paola, de branco, junto aos membros da burguesia de Milão, com seus carros luxuosos e caros. Ela entrou para esse mundo após se casar com Enrico Fontana, saindo da pobreza em que vivia anteriormente.
Giovanna acabou morrendo dois meses antes de seu casamento com Guido, mas não ficamos sabendo, neste momento, do motivo pelo fato deste e Paola não terem se casado após a morte da ex-noiva de Guido. Talvez a morte de Giovanna tenha tido o envolvimento de Paola e Guido e, em função disso, é que eles não se casaram.

Matilde chega à sua casa e é interrogada por Carloni, mas se recusa a colaborar, dizendo que não tem mais nenhum contato com Paola, mostrando muita desconfiança em relação às perguntas que o mesmo lhe faz. Matilde escreve uma carta para Guido, para lhe informar do ocorrido. 

Na sequência, vemos a belíssima Paola com o marido, no dia do seu aniversário (27 anos), e outros amigos. Neste momento, ela vê Guido e fica claramente perturbada com a simples visão do mesmo. Ela se sente mal e isso a leva a convencer o marido a ir embora para casa, para poder dormir. Mas ela recebe um telefonema de Guido, que a convence a se encontrar com ele no dia seguinte. 

No dia seguinte, Paola e Guido se encontram e ele diz que ela está 'estonteante' e que ela tem uma classe que não possuía. Paola também o elogia, dizendo que ele também mudou e que o mesmo demonstra ter mais maturidade do que nos tempos da juventude. 
Depois de muitos anos (sete) que seu romance chegou ao fim, Guido e Paola se reencontram e fica claro que eles não são felizes e que ainda sentem uma forte atração. E a paisagem, com a neblina ao fundo, que faz o mar ficar branco, também está relacionada com a situação dos protagonistas. A importância da paisagem é uma característica que também estará muito presente na obra posterior de Antonioni, principalmente a partir do filme 'A Aventura' (de 1960), que deu início à chamada 'Trilogia da Incomunicabilidade'. 
A atração de antes, entre Paola e Guido, está voltando... 


Guido pergunta se Paola está casada e se é feliz, mas ela não responde, deixando claro que seu casamento com Fontana se deu em função da fortuna do mesmo e não por amor. Guido mostra a carta que Matilde lhe enviou, contando a respeito da investigação que está sendo feita, por um desconhecido, a respeito do passado de ambos. 

Ela fica inquieta, dizendo que pode ser a Polícia agindo, mas ele diz que não deveriam se preocupar. Mas pela reação de Paola fica-se na dúvida se eles não teriam algum motivo para preocupação. Senão, porque ela pensaria que ambos estariam sofrendo uma investigação policial? O que eles escondem? Do que ela tem medo, exatamente? Então, fica claro que há um mistério envolvendo o passado de ambos. 

Guido informa que ficará apenas um ou dois dias em Milão, pois trabalha como vendedor de carros. Ela sugere que ele vá se encontrar com Matilde, em Ferrara, à qual ela viu uma única vez depois que saiu de Ferrara, dizendo que a amiga e Ludovico estão sem dinheiro e que podem estar querendo alguma coisa. Assim, Paola temia que poderia estar sendo vítima de algum tipo de chantagem da sua antiga amiga, pela qual não demonstra muita simpatia e por quem chega até a demonstrar um certo desprezo. 
Paola e Guido passam a se ver continuamente, em função da investigação que Carloni faz a respeito do passado de ambos, e isso leva a que o amor que sentem um pelo outro volte à tona.
À medida que a trama se desenvolve, vemos a evolução do relacionamento amoroso de Paola e Guido ser cada vez mais perturbado pelas investigações e descobertas feitas pelo detetive Carloni, com ambos tendo receio de que estão sendo seguidos e sobre o que poderá ser descoberto a respeito do seu passado. E a bela trilha sonora do filme (ao som de sax e piano) realça essas mudanças na trama. 

Depois, vemos o detetive Carloni lendo uma notícia de jornal a respeito da morte de Giovanna, a ex-noiva de Guido e amiga de Paola, e que faleceu em função de um acidente de elevador. 

Essa morte que, de alguma maneira, está relacionada a Guido e Paola, ajuda a entender o motivo desta última ter ficado tão preocupada com a investigação feita pelo detetive. 

Carloni, que é aquele tipo de detetive persistente e irritante, vai até o local em que ocorreu a morte de Giovanna e conversa com uma empregada da família desta, que lhe passa inúmeras informações a respeito das circunstâncias da morte da jovem, então com apenas 19 anos. Ele sai do local muito desconfiado a respeito da participação de Guido e Paola na morte de Giovanna. 
O Detetive Carloni investiga o passado de Paola e Guido, o que deixa os dois preocupados, pois eles se envolveram na morte de Giovanna, ex-noiva de Guido e amiga de Paola.
Carloni telefona para Enrico Fontana, informando-o a respeito do que descobriu, demonstrando suspeitar que a morte de Giovanna tenha sido em função de um assassinato, embora não diga isso ao marido de Paola.

Guido telefona para Paola e eles se encontram, momento no qual ele a informa a respeito do que o detetive descobriu a respeito do passado deles. Ela novamente se preocupa com a possibilidade de que a Polícia esteja investigando a ambos, mas Guido procura tranquilizá-la. Ele diz que terá que ir embora de Milão, pois está sem dinheiro e que vive 'duro' desde o final da Guerra. 

Ela se propõe a ajudá-lo, fazendo com que ele possa vender um carro para o seu marido, pois é aniversário dela e a mesma pedirá um carro (Ferrari ou Maseratti) de presente. Ela irá procurar fazer isso sem que o marido saiba que Guido irá ganhar dinheiro com o negócio, usando de um intermediário (Valerio). Eles combinam de convidarem Paola e o marido para uma casa noturna, onde o intermediário poderá conhecer Enrico. Mas Paola vê Guido dançando com uma modelo e fica com muito ciúmes. 

Daí, ela decide comprar um vestido, mas não o carro.

Depois, ela muda de ideia e eles vão levar Enrico para testar a Maseratti, mas o mesmo se recusa a comprar o carro de presente para Paola, pois teme pela segurança dela, já que o carro é muito veloz. 
Paola e Guido se beijam, enquanto o marido dela, Enrico, testa o carro (Maseratti) que ela deseja ganhar como presente de aniversário. Ela diz que sempre o amou e que se sente sozinha em sua vida ao lado de Enrico. 
Depois de receber flores, Paola vai ao encontro de Guido, em um hotel barato, mas é seguida por Carloni. Ela consegue despistá-lo depois de ir até uma loja para comprar um vestido. Sua tensão e nervosismo é notada pela gerente. 

No hotel, ela e Guido conversam sobre as circunstâncias misteriosas da morte de Giovanna, onde fica claro que eles poderiam ter agido para salvar a vida da mesma, mas que não o fizeram. 

Então, surge a pergunta: Agindo dessa maneira, será que eles não cometeram assassinato? E é justamente isso que faz com que eles carreguem consigo um sentimento de culpa, que foi o responsável por separá-los durante sete anos. Paola diz que 'Nós não a salvamos e agora podemos nos amar', demonstrando ter consciência do fato. Ela diz que se casou com outro, mas que sempre amou Guido. 

Guido diz que eles não salvaram Giovanna porque a desejavam morta, que isso foi um crime e que tal fato foi o responsável pela separação deles. E da mesma maneira que naquela época, agora também há uma pessoa entre eles (Enrico) e fala que, por isso, eles jamais serão felizes. Paola sugere que eles matem Enrico, para que possam ficar juntos, mas Guido não aceita a proposta e vai embora, deixando-a sozinha no hotel. 
Até mesmos os chapéus que Lucia Bosé usa no filme estão relacionados à trama: O primeiro, meio caído do lado, é uma referência à queda que provocou a morte de Giovanna no elevador. O amarelo, em forma de chamas, se relaciona a uma conversa que ocorreu entre Paola e Guido a respeito da possibilidade deles matarem Enrico, a fim de que pudessem ficar juntos. O último, no canto direito, lembra uma arma, pois ela e Guido estão prestes a matar Enrico. 
Angustiada e sofrendo, após a briga com Guido no hotel, Paola chora em seu quarto. 

Guido lhe telefona e agradece por ela ter devolvido a sua carteira, que havia esquecido no quarto do hotel, mas ele fala que não quer as 80 mil Liras que encontrou na mesma. Paola diz que o dinheiro foi a única maneira que ela encontrou de mantê-lo em Milão e pede para encontrá-lo, com o que ele concorda, marcando o encontro para o dia seguinte. Ele diz que até chegou a ir até a estação, mas que não conseguiu ir embora. 

Sempre que o marido procura se aproximar dela, Paola diz que está com enxaqueca, com sono ou inventa qualquer outra desculpa, demonstrando o seu total desinteresse pelo marido, com o qual evita ao máximo ter contatos íntimos. 

Enrico diz para Paola que mandou investigá-la e que descobriu informações a respeito dela. No encontro com Guido, ela conta isso para ele, dizendo ainda que não suporta o marido. Esta conversa ocorre numa escada, ao lado de um elevador. E foi em um elevador que Giovanna morreu... Isso é claramente uma sugestão do que eles poderão vir a fazer com Enrico. 

Carloni vai pedir a ajuda da Polícia em suas investigações, mas não consegue, pois a mesma não tem recursos suficientes para isso. Carloni diz para o seu chefe que tem certeza que Guido está em Milão e que se encontra com Paola, convencido de que os sentimentos deles continuam os mesmos. 
Guido e Paola juntos, no quarto de hotel, onde eles discutiram sobre a morte de Giovanna, reconhecendo que tiveram a oportunidade de impedir que ela morresse, mas que não o fizeram. E foi isso que os separou por tantos anos.  
Guido encontra a modelo, que acabou de terminar o seu relacionamento com Valerio e que comenta a respeito do mesmo, dizendo que não suportava o fato de que Valerio continuava casado e que vivia adiando a separação da esposa, afirmando que isso acontecia porque os laços matrimoniais são muito fortes, que nem o amor e a paixão suportam isso, e que ela não tolerava essa 'traição' de Valerio. 

Guido percebe que esses comentários da modelo acabam tendo uma clara relação com a situação dele, que também é um amante de uma pessoa casada (Paola). 

Paola e Guido encontram-se, novamente, em um quarto de hotel, e eles discutem sobre o que farão de suas vidas. Ele diz que poderiam ir embora, juntos, para outra cidade ou país. Enquanto isso, Paola faz uma digressão sobre o dinheiro, que escolheu Enrico em vez de Guido, que eles não podem continuar daquele jeito, se encontrando sempre às escondidas e correndo o risco de serem descobertos e que a solução dos problemas deles seria a morte de Enrico, ideia que Guido recusa-se a aceitar. 

Paola e Guido marcam um novo encontro. 

Daí, vemos uma sequência belíssima, que dura cerca de três minutos, na qual Antonioni usou uma única câmera. É um único plano-sequência, no qual vemos um encontro entre Guido e Paola sobre uma ponte. Nesta conversa eles decidem sobre a maneira como irão matar Enrico. 
Cena na qual Guido e Paola falam sobre a forma como pretendem matar Enrico, a fim de que possam ficar juntos. Este plano-sequência dura cerca de 3 minutos. Eles discutem a respeito da morte de Giovanna, com Paola culpando Guido pelo que aconteceu. Guido a esbofeteia por isso e eles vão embora. 
Obs2: Em uma cena que se passa no hotel em que Guido está hospedado, ele diz para a funcionária que se alguém procurar por ele, é para dizer que ele se encontra doente. E a funcionária pergunta 'Incluindo a Dama das Camélias', referindo-se à Paola, é claro. Três anos depois, Lucia Bosé voltou a trabalhar com Antonioni em um novo filme. Nome do filme? 'A Dama sem Camélias'. 

Carloni leva o seu relatório a respeito de Paola para Enrico. Quando termina de ler o mesmo é que ele percebe que a esposa, de fato, nunca o amou. 

Enquanto isso, Guido fica esperando Enrico passar por uma ponte, na qual ele irá matá-lo. E Paola aguarda, ansiosa e nervosa, pelo telefonema de Guido informando-a de que seu marido foi morto. Porém, enquanto Guido esperava, Enrico sofre um acidente fatal. Guido vai até o local do acidente e vê que Enrico está morto, mas não avisa Paola sobre o ocorrido. 

Aqui, surge a dúvida: Será que a morte de Enrico foi, mesmo, um acidente? Ou então, ao ler o relatório do detetive e perceber que Paola nunca o amou ele se deu conta de que, apesar do seu imenso sucesso financeiro, jamais conseguiria ser feliz ao lado dela e, assim, Enrico preferiu a morte?

A Polícia é avisada da morte de Enrico e vai até a casa de Paola para avisá-la, mas ela fica desesperada e foge, pensando que será presa. Ela encontra Guido e diz, novamente, que a culpa foi apenas dele. Mas Guido lhe diz o que aconteceu, falando sobre o acidente. 
Paola chora ao saber que Enrico morreu acidentalmente. 
E Guido percebe que Paola nunca irá se sentir responsável pelo que ocorreu com Giovanna e com Enrico. Ela sempre irá culpá-lo pelo que aconteceu aos dois. Primeiro, ela o culpou pela morte de Giovanna e, agora, faz o mesmo ao saber que Enrico morreu. 

Paola chora e Guido diz que viu Enrico e fala que ele tinha um buraco na garganta, como se tivesse levado um tiro. Assim, ele sente como se, de fato, fosse o assassino do marido de Paola. 

Paola pergunta o que eles farão e Guido diz que não há como continuar com o relacionamento deles. Ele a deixa em sua casa e vai embora, prometendo que voltará. 

Mas Paola sente que isso não vai acontecer. Guido entra no táxi e fala para o motorista levá-lo até a estação. Ele irá embora de Milão, para não mais voltar. Seu romance com Paola chegou ao fim. 

O sentimento de culpa, por parte de Guido, pela morte de duas pessoas inocentes, Giovanna e Enrico, e a incapacidade de Paola de compartilhar essa culpa pelo que ambos fizeram acabou por destruir o relacionamento deles. 

Fim. 
Chorando, a bela e deslumbrante Paola é abandonada por Guido. Ela sabe que ele não voltará mais. 
Diálogo:

Modelo: O Universo é nada, senão amor. Foscolo. Quem é esse?
Vendedor: Um cara sem dinheiro.

Informações Adicionais:

Título: Cronaca di un Amore (Crônica de um Amor; no Brasil foi traduzido como 'Crimes da Alma');
Diretor: Michelangelo Antonioni;
Roteiro: Michelangelo Antonioni; Francesco Maselli; Daniele D'Anza; Silvio Giovaninetti; Piero Tellini;
Ano de Produção: 1950; País de Produção: Itália;
Duração: 98 minutos;
Música: Giovanni Fusco;
Fotografia: Enzo Serafin;
Elenco: Lucia Bosé (Paola Molon Fontana); Massimo Girotti (Guido Garroni); Ferdinando Sarmi (Enrico Fontana); Gino Rossi (Carloni, o Detetive); Rubi d'Alma (amiga de Paola); Marika Rowsky (Joy, a modelo); Vittoria Mondello (Matilde).

Link:

http://www.imdb.com/title/tt0042355/?ref_=fn_al_tt_1

Vídeo - Trecho do filme: