domingo, 3 de dezembro de 2017

"A Voz Adormecida" mostra mulheres que tiveram suas vidas destruídas pela Ditadura de Franco na Espanha! - Marcos Doniseti!

"A Voz Adormecida" mostra mulheres que tiveram suas vidas destruídas pela Ditadura de Franco na Espanha! - Marcos Doniseti!
'A Voz Adormecida', dirigido por Benito Zambrano, é um belíssimo filme sobre o tratamento brutal dado às mulheres Republicanas durante a Ditadura de Franco (1939-1975). Franco implantou uma violentíssima Ditadura no país, que continuou perseguindo e assassinando milhares de pessoas durante várias décadas. 

A Guerra Civil Espanhola e o contexto espanhol e internacional da época!


'La Voz Dormida' é mais um bonito filme a respeito da 'Guerra Civil Espanhola' e que se inspirou em um livro de mesmo título, de autoria de Dulce Chacón. Embora esta tenha escrito um livro de ficção, o mesmo foi baseado em histórias reais que afetaram muitas mulheres espanholas na época da Guerra Civil (1936-1939) e durante a brutal e genocida Ditadura Franquista (1939-1975). 

A "Guerra Civil Espanhola" foi, de certa maneira, a primeira grande batalha da Segunda Guerra Mundial, pois as cinco grandes potências europeias da época (Alemanha Nazista, Itália Fascista, URSS, França e Grã-Bretanha) e os EUA acabaram, de uma forma ou de outra, se envolvendo neste conflito, no qual morreram cerca de 500 mil pessoas. 

A 'Guerra Civil Espanhola' começou em Julho de 1936, quando tivemos um Golpe de Estado promovido por uma parte do Exército espanhol e que era ligado aos interesses dos segmentos mais reacionários do país: Latifundiários sulistas, Igreja Católica e pequena burguesia rural (do norte do país) de mentalidade obscurantista e medieval. 

Tais segmentos reacionários rejeitavam o processo de mudanças que havia sido iniciado pelo governo Republicano que havia sido eleito em 1931, ano em que as forças Republicanas venceram com folga as eleições municipais (elas foram maciçamente votadas nas regiões mais industrializadas e urbanizadas do país: País Basco, Catalunha, Madrid), o que levou à queda da Monarquia. 
'La Voz Dormida': Livro de Dulce Chacón que serviu de fonte para o filme. Dulce entrevistou, por quatro anos, mulheres que foram vítimas do Franquismo durante a década de 1940. Ela disse, anos depois, que as histórias que relatou em seu livro não chegam nem perto do sofrimento que as mulheres espanholas passaram durante e após a Guerra Civil. A realidade foi muito pior do que o seu livro mostra. 

Inicialmente, o governo Republicano promoveu uma série de mudanças de inegável caráter progressista (reforma agrária, grandes investimentos em educação pública, separação entre Estado e Igreja, ampliação do alcance das leis trabalhistas para os trabalhadores rurais, limitações ao poder da Igreja Católica e do Exército). 


No entanto, conflitos intensos entre os próprios Republicanos acabaram levando a ascensão de um governo direitista e bastante conservador, que governou entre 1934-1936, que tratou de reverter algumas das principais mudanças do governo anterior e que foi bastante repressivo. 

Mas em Fevereiro de 1936 as principais forças Progressistas espanholas se uniram em torno de uma 'Frente Popular', que venceu a eleição para o Parlamento do país. O novo governo tratou de retomar a agenda progressista, o que levou à uma fortíssima reação das forças retrógradas da sociedade espanhola, que se recusaram a aceitar a derrota eleitoral.

Com isso, Franco e outros generais reacionários do Exército (que foi uma das instituições que se sentiu prejudicada pelas reformas feitas pelos Republicanos) promovem um Golpe de Estado, que acabou fracassando, o que acabou levando ao início de uma brutal Guerra Civil. 
Foto histórica e icônica da 'Guerra Civil Espanhola', que foi tirada por Hans Gutmann (Juan Guzmán, na Espanha), da jovem jornalista (17 anos) Marina Ginestá, no Hotel Colón, em Barcelona (21/07/1936). Marina usa o uniforme das milícias Republicanas, que foram as grandes responsáveis por impedir a queda da República no início do conflito. Marina faleceu em 2014, poucas semanas antes de completar 95 anos.

A 'Guerra Civil Espanhola' acabou se tornando, principalmente a partir de 1937, um conflito com características internacionais, principalmente devido à imensa interferência da Itália Fascista e da Alemanha Nazista, que estavam em nítido processo expansionista durante toda a década de 1930. 


Obs1: Exemplo deste expansionismo Nazi-Fascista foi a brutal guerra promovida pela Itália Fascista contra a Etiópia (que na época era chamada de Abissínia), na qual foram usados até mesmos gases venenosos e bombardeios contra a população civil (este último fenômeno também ocorreu na Espanha). Vide os bombardeios contra as cidades Republicanas: Guernica, Barcelona, Madrid, entre outras. 

O ditador italiano Benito Mussolini enviou 75 mil soldados italianos para lutar ao lado das forças franquistas, enquanto que Hitler enviou outros 19 mil e Salazar (Ditador de Portugal) enviou mais 10 mil, totalizando 104 mil soldados enviados por essas três Ditaduras Fascistas/Reacionárias europeias em ajuda a Franco. 

Alemanha e Itália também enviaram armamentos modernos (aviões, blindados, etc) e usaram novas estratégias de luta (como a famosa Blitzkrieg alemã), que foram testados nos campos de batalha espanhóis. 
Dois ditadores juntos: Franco e Mussolini. O apoio da Itália Fascista foi fundamental para a vitória franquista na Guerra Civil Espanhola. Mussolini enviou 75 mil soldados para lutar ao lado das forças franquistas. Sem este apoio, a vitória seria impossível, pois o governo Republicano controlava a maior parte do território do país, bem como as regiões mais industrializadas e urbanizadas da Espanha (incluindo Barcelona, Madrid, Bilbao e Valência). 

Em algumas das principais batalhas da Guerra Civil Espanhola, os soldados italianos eram mais numerosos do que os espanhóis, tal como aconteceu na 'Batalha de Guadalajara', que ocorreu em Março de 1937 e que terminou com a vitória dos Republicanos. 


Em 1936, quando a Guerra Civil começou na Espanha, os governos da Grã-Bretanha e da França ainda adotavam a política de 'apaziguamento', por meio da qual faziam sucessivas concessões para Hitler e Mussolini, imaginando que, desta maneira, em algum momento, conseguiriam deixá-los satisfeitos. A Grã-Bretanha, sob o comando de um desprezível e covarde Neville Chamberlain, preferia, na verdade, a vitória de Franco na guerra espanhola. 

Porém, como havia uma substancial simpatia da opinião pública a favor dos Republicanos, na França e na Grã-Bretanha, o governo britânico adotou uma mentirosa política de 'não intervenção', convencendo inúmeros países a não vender armas para as forças em conflito na Espanha, concedendo o mesmo tratamento para o governo democrático da Frente Popular e para as forças golpistas de Franco. 

Assim, enquanto a democrática República espanhola teve dificuldades imensas para se armar, as forças de Franco recebiam uma substancial ajuda militar da Alemanha Nazista e da Itália Fascista, com a total complacência do governo britânico. 
O desprezível e covarde Neville Chamberlain (Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha) cumprimenta, sorrindo, o tirano genocida Adolf Hitler durante o 'Pacto de Munique'. A política de 'apaziguamento' britânica resultou no apoio do Reino Unido ao falangista e criminoso Franco, contribuindo decisivamente para a vitória das forças reacionárias espanholas na Guerra. O apoio britânico a Franco deveu-se ao fato de que havia muito capital britânico investido na Espanha e ao anti-comunismo histérico de Chamberlain.

Porém, quanto mais concessões britânicos e franceses faziam, mais ambiciosos Hitler e Mussolini ficavam. Porém, somente quando Hitler ordenou a invasão da Polônia, em 01/09/1939, é que a Grã-Bretanha e a França perceberam que tal política estava completamente equivocada. 


Mas, neste momento, a Guerra Civil na Espanha já havia terminado e Franco havia sido o vencedor. E isso aconteceu, essencialmente, devido à política britânica e, em menor grau, francesa de se recusar a apoiar o governo Republicano espanhol, que havia sido eleito democraticamente, enquanto que a Alemanha Nazista e a Itália Fascista proporcionavam um substancial apoio às forças Franquistas. Somente a URSS, França e México tentaram ajudar às forças democráticas dos Republicanos espanhóis, mas o faziam em condições muito mais precárias. 

De fato, o governo britânico apoiou Franco, enquanto que o governo francês (também da 'Frente Popular') ainda tentava ajudar aos Republicanos, mas tinha os seus esforços bloqueados pelo governo da Grã-Bretanha, que ameaçava romper a aliança com a França caso a mesma decidisse ajudar aos Republicanos espanhóis. 

Como resultado desta trágica política de 'apaziguamento' imposta pela Grã-Bretanha, a Espanha se tornou uma Ditadura brutal, obscurantista e medieval no Pós-Guerra, em vez de um país moderno, democrático e com um amplo Estado de Bem-Estar Social (tal como aconteceu nos outros países da Europa Ocidental). 
Milicianas espanholas lutando em defesa da República Democrática do país durante a Guerra Civil (1936-1939), que foi iniciada pelas forças reacionárias espanholas. Estas contaram com um significativo apoio da Itália Fascista, da Alemanha Nazista e da Grã-Bretanha, o que decidiu a guerra em seu favor. Somente os governos da URSS, França e México ajudaram a República Espanhola e de forma muito precária. 

A Ditadura Franquista tornou-se o mais brutal regime político europeu do Pós-Guerra, sendo que até mesmo criou campos de concentração para aprisionar os adversários políticos, chegando também a transformá-los em trabalhadores escravos. Antes mesmo que a Guerra Civil terminasse, Franco havia deixado claro que um governo seu iria promover o extermínio de todos os que lutavam contra as suas forças. 


E assim foi feito. 

Logo, não foi à toa que o número de espanhóis assassinados pela Ditadura Franquista seja incalculável. As estimativas vão de 2 a 5 milhões de mortos, mas não há registros ou documentos sobre estas mortes, pois os mesmos foram destruídos pela Ditadura Franquista quando ficou claro que a mesma estava com os dias contados.

E tal como aconteceu em outros países da América Latina, após o fim da Ditadura Franquista nunca tivemos uma investigação a respeito dos crimes e atrocidades cometidos pelo regime genocida de Franco e os criminosos jamais foram acusados, julgados e condenados pelos mesmos.
Mulher Republicana tendo o seu cabelo raspado pelos Franquistas vitoriosos. Após o fim da Guerra Civil Espanhola, as mulheres Republicanas foram humilhadas e até estupradas pelos franquistas vitoriosos. O livro de Dulce Chacón e o filme de Benito Zambrano mostram apenas uma parte das perseguições e atrocidades sofridas por estas corajosas e idealistas mulheres. 

A trama do filme!


A trama deste belo, emocionante e dramático filme gira em torno de duas irmãs, que são Pepita e Hortensia (chamada de Tensi no filme). Hortensia é uma militante do PCE (Partido Comunista Espanhol) que foi presa pela Ditadura Franquista e mesmo grávida ela é mantida prisioneira em péssimas condições (a prisão retratada no filme é a de Ventas, localizada em Madrid, uma das principais da Espanha). A situação somente não era pior porque as demais prisioneiras faziam de tudo para ajudá-la. 

E as prisioneiras vivem permanentemente aterrorizadas pela possibilidade de que serão as próximas vítimas do Terror de Estado promovido pela Ditadura Franquista, cuja especialidade era organizar julgamentos forjados a fim de acusar, julgar e condenar pessoas comuns por crimes que não cometeram. Sempre que uma delas era escolhida para ser fuzilada, elas ouviam os tiros desferidos pelo pelotão de fuzilamento. 

Além disso, Hortensia recebe visitas frequentes da irmã mais jovem (Pepita), que saiu de Córdoba (na Andaluzia, no sul da Espanha) e foi morar em Madrid, e que leva roupas e alimentos para a mesma. 

As duas irmãs são as protagonistas do filme e ambas são interpretadas por ótimas atrizes. E é claro que quando elas se encontram, nas visitas, o choro corre solto, pois há um grande sentimento de afeto e carinho entre elas. 
Cartaz dos Republicanos que defendia a estratégia do governo de Juan Negrín (do PSOE, que foi Primeiro-Ministro Republicano entre 1937-1939) durante o conflito: Resistir o máximo de tempo possível, contando que o cenário internacional iria se modificar, o que iria beneficiar o governo democrático dos Republicanos. Mas quando isso aconteceu, as forças reacionárias lideradas por Franco já tinham vencido a Guerra. 
Em uma das visitas, Hortensia pede que Pepíta vá ao encontro de militantes do PCE que estão sendo perseguidos pela Ditadura Franquista, sendo que entre os mesmos está Felipe, o marido de Hortensia. Pepita resiste a fazer isso, pois não tem nenhuma militância política e diz, para a irmã, que se ela for presa acabará contando tudo o que sabe para a Polícia.

Mas em um outro momento do filme veremos que Pepita adotará uma atitude mais corajosa do que ela mesma imaginava. Afinal, não era apenas política que estava em jogo, mas o amor. 

Obs2: No filme vemos que a prisão de Ventas é administrada por Madres da Igreja Católica, o que de fato acontecia durante a Ditadura Franquista, período durante o qual a Igreja administrou escolas, instituições correcionais e prisões. A Ditadura Franquista foi, durante toda a sua existência, sustentada pelas forças mais retrógradas da sociedade espanhola (Latifundiários, Exército e Igreja Católica, em especial). Os governos capitalistas do Ocidente (EUA, em especial) também apoiaram a criminosa Ditadura de Franco, em nome do 'combate ao Comunismo'. A Igreja tinha até mesmo o direito de escolher os livros que seriam usados nas escolas e também o de censurar qualquer filme, livro ou produção cultural do país.

Por indicação da mulher (Dona Celia) que lhe dá abrigo em Madrid, Pepita vai trabalhar como empregada doméstica na residência de um casal. 
Mulheres presas em Ventas (Madrid), com Hortensia ao centro, cantam a 'Internacional'. O primeiro governo Republicano (1931-1933) reconheceu o direito de voto para as mulheres espanholas e valorizava a sua independência. Além da luta de classes (reforma agrária, ampliação de direitos trabalhistas, enfraquecimento da Burguesia) questões de gênero, de comportamento e culturais também influenciaram na decisão das forças reacionárias da Espanha em querer destruir o governo Republicano.

O casal é formado por um médico Republicano (Fernando), que se recusa a trabalhar na condição de médico por ser contrário ao regime ditatorial Franquista, e por uma mulher franquista (Amparo). Fernando somente não vai preso porque o seu pai é um importante e poderoso General (Don Gonzalo) e que também é um amigo pessoal de Franco. Mas ele é obrigado a ter muito cuidado, pois o próprio pai lhe diz que tem problemas pelo fato de proteger o filho, impedindo que o mesmo seja preso ou até fuzilado. 


Apesar de ter abandonado a luta política, Fernando ainda mantém contatos, mesmo que intermitentes, com os antigos militantes do PCE. E a ele a quem Pepita irá recorrer para prestar assistência médica para Felipe (o marido de Hortensia, que está foragido e se encontra gravemente ferido). Sua esposa, Amparo, tem um ódio mortal dos comunistas e dos Republicanos porque perdeu dois irmãos mais jovens na Guerra Civil. Pepita e Hortensia também perderam o pai (que foi fuzilado pelos Franquistas) e Felipe (marido de Hortensia) está na prisão.


Obs3: Esta é uma realidade importante que é retratada pelo filme, ou seja, ele mostra que milhares de famílias espanholas perderam alguém na guerra (pai, primo, irmão, sobrinho, mãe) e que isso aconteceu dos dois lados (Franquistas e Republicanos).
Dona Amparo é uma franquista convicta. Ela odeia os 'Rojos' ('Vermelhos') porque perdeu dois irmãos mais jovens na Guerra. Mas as perdas pessoais (de parentes, familiares e amigos) foram algo que atingiram a praticamente todas as famílias na Guerra, de ambos os lados. 

Afinal, morreram 500 mil pessoas nesta guerra brutal, numa época em que a população da Espanha era de apenas 26 milhões de pessoas. Logo, quase 2% da população espanhola morreu em uma guerra que durou 'apenas' dois anos e nove meses (para quem vivenciou o brutal conflito isso deve ter parecido uma eternidade). 


O filme mostra também o cenário de permanente humilhação que os antigos Republicanos passaram a sofrer durante a Ditadura de Franco. 

Assim, embora Pepita seja uma católica fervorosa, ela é obrigada a se humilhar perante o casal que lhe contrata como empregada doméstica, principalmente para Amparo, a dona de casa franquista. Ela também fará o mesmo quando conhece Don Gonzalo, poderoso General franquista e pai de Fernando, a quem irá pedir ajuda para que consiga a libertação da irmã.

Pepita representa aquele segmento da população espanhola que não tinha uma posição política e ideológica definida (diferente da sua irmã, Hortensia, ou de Amparo, sua patroa) e que, de fato, não toma partido no conflito. Ela ajuda Hortensia não pelo fato dela ser uma militante do PCE, mas porque é a sua amada irmã. 
Hortensia, na prisão de Ventas, em um momento no qual recebe a visita de Pepita. Ela sofre porque não vê o marido, Felipe, há muitos meses. 

Pepita também demonstra uma imensa ingenuidade a respeito da realidade em que vive. Ela está sempre dizendo para Hortensia que a mesma será libertada e que tudo dará certo. Ela também fala para que Felipe abandone a luta e volte com Hortensia e ela para Córdoba. 


Assim, ela não se dá conta, a não ser quando será torturada brutalmente e vê Felipe ferido na prisão, do tipo de sistema político que Franco implantou na Espanha e que, agora, Justiça ou Lei não tem mais importância alguma. 

E quando Pepita fez o que Hortensia lhe pediu, ir ao encontro de militantes do PCE, ela acabou conhecendo Paulino Rodriguez, um outro importante militante do PCE, que é amigo de Felipe e é procurado pela Polícia. Paulino se chama Jaime Salas e é conhecido pelo codinome de 'Jaqueta Negra'. Paulino protege Felipe, que está ferido. Eles tentam manter viva a luta contra a Ditadura Franquista, mesmo após a derrota que sofreram na Guerra Civil. 


Posteriormente, Pepita irá iniciar um romance com Paulino, mas no momento em que se conheceram, Pepita adotou uma postura de desconfiança e ela faz isso de uma maneira que a situação se torna irônica. Este é um momento mais leve em meio a um filme que mostra, quase que o tempo inteiro, cenas fortes, tristes e dramáticas, incluindo as de torturas em homens e mulheres e também de execuções. 
Momento em que o guerrilheiro Paulino Rodriguez (o 'Jaqueta Negra') conheceu a íntegra, ingênua, geniosa e corajosa Pepita. 

Aliás, a atuação brilhante de María de León (que interpreta Pepita) e das atrizes que interpretam as demais personagens femininas (Hortensia, Mercedes, Tomasa) é o que mais chama a atenção no filme. 


E Pepita fará isso mesmo com ele avisando que não abandonaria a luta em defesa do PCE e que, portanto, ela estaria sujeita a correr inúmeros riscos e perigos, incluindo o de ficar sozinha por longos períodos de tempo, pois ele atuava na clandestinidade e o Partido tinha sido infiltrado por agentes da polícia.

Apesar de estar presa, Hortensia fica sabendo do que acontece com Felipe, pois as presas a ajudam a obter informações por meio de parentes e, até, de guardas da prisão, que vêem o quanto as mulheres são maltratadas. 

Uma das cenas mais fortes do filme nós temos quando as presas são reunidas para beijar uma imagem de Jesus, como punição pelo fato de que muitas delas se recusaram a receber a Eucaristia em pleno Natal. E quem não o fizesse, ficaria proibida de receber visitas por um mês. Várias prisioneiras não o fizeram e foram estapeadas. 
Tomasa, à esquerda, e outras prisioneiras que ajudavam Hortensia na prisão de Ventas. As condições da prisão eram terríveis e elas se uniam para poder suportar todos os sofrimentos e humilhações, o que incluía torturas brutais e a obrigação de fazer a saudação fascista e cantar o hino franquista. 

E é justamente neste período em que Hortensia tinha ficado sabendo que receberia a visita de Felipe na prisão. Por isso, uma outra prisioneira (Tomasa) acaba armando uma pequena confusão, recusando-se a beijar a imagem e jogando a mesma no chão, que acaba quebrando. 


A Madre, enfurecida, espanca a prisioneira na frente das demais e faz um discurso de ódio no qual prega a morte de todos os 'Vermelhos' (Socialistas, Comunistas e Anarquistas, é claro), fazendo assim o mesmo discurso de violento e extremista que o genocida Franco fazia. Na prática, Tomasa se sacrificou para que Hortensia pudesse ver o marido (Felipe), o que não deixa de ser um comportamento cristão da parte dela. 

Obs4: A prisão exclusivamente feminina de 'Ventas', que é retratada no filme, ficava em Madrid e foi inaugurada em 31/08/1933. Inicialmente, homens também eram presos ali, mas a partir de 1937, já durante a Ditadura Franquista, ela passou a ser destinada apenas para mulheres (Republicanas ou Esquerdistas). No auge da repressão Franquista, ela chegou a encarcerar cerca de 4000 prisioneiras, mesmo possuindo capacidade para apenas 400. Ventas oferecia péssimas condições de higiene e saúde, sendo que praticamente inexistia qualquer tipo de assistência médica para as prisioneiras. Foi ali que permaneceram presas as jovens chamadas de 'As 13 Rosas', que foram executadas em 05/08/1939. A prisão foi destruída em 1969 e, assim, agora não resta nenhum vestígio da sua existência, sendo que também há poucos documentos sobre a mesma. A Ditadura Franquista desapareceu com a prisão de Ventas, onde tantos crimes e horrores aconteceram. 
Hortensia é idealista, altiva e enfrenta os seus algozes durante o julgamento. Ela se recusou a abrir mão de suas convicções e dos seus ideais, mesmo que o resultado fosse a morte. Muitas mulheres espanholas de espírito e comportamento moderno e independente foram perseguidas e assassinadas pelos Franquistas em função disso. Uma delas foi Amparo Barayón (Republicana, Socialista e Anarquista) que foi fuzilada pelos Franquistas logo no início da Guerra Civil (em Outubro de 1936).

A atuação política de Pepita chamará a atenção da Polícia, que passará a vigiá-la. Com isso, ela também acabará sendo presa, interrogada e torturada para que confesse que conhece Paulino (o 'Jaqueta Negra'), mas ela não o faz, mesmo com ele (todo ferido) ficando à sua frente, mostrando que era mais corajosa do que ela mesma pensava. Mas no caso de Pepita, a coragem dela não é originária de motivações políticas e ideológicas, mas do amor que sente por Paulino.


Pepita diz para Celia, dona da casa onde ela mora, que desejava levar o corpo da irmã para Córdoba, para ser enterrada junto com o pai. Mas sabiamente Celia lhe diz que na 'Nova Espanha' de Franco as pessoas não tem liberdade sequer para enterrar os seus mortos e elas também devem tomar muito cuidado quanto estão em locais públicos, nos quais o simples fato de chorar poderá ser usado para perseguir e prender alguém. E Celia diz "A única coisa que não podem tirar de você são as lembranças e a dor da ausência deles". 

Esta é uma perfeita descrição de como funcionou o Estado Policial franquista, que era caracterizado pela violência institucionalizada, pela vigilância (feita pelos cidadãos comuns e não apenas pela Polícia), repressão, campos de concentração e prisões que chegaram a reunir 500 mil prisioneiros, pelo silêncio e pelo luto. 
Pepita visita Felipe (guerrilheiro do PCE), marido de Hortensia, que se feriu após enfrentar forças policiais que reprimiam brutalmente os membros da Resistência.

Um pouco antes de ser fuzilada, Hortensia é pressionada (pelas Madres e pelo Padre) para que entregue a sua filha recém nascida para que a mesma seja batizada, mas ela se recusa. Logo, Hortensia não abdica da sua fé na construção de uma sociedade mais justa e igualitária (Socialista). Logo, a jovem Hortensia se mantém fiel à sua 'Fé' comunista até o fim. Ela pode ser comparada aos mártires cristãos que foram assassinados pelo Império Romano, na época em que este perseguia aos mesmos. 


Hortensia também insistiu para que uma das guardas da prisão (Mercedes, que foi brilhantemente interpretada por Ana Wagener) entregasse a sua filha para a irmã, Pepita. E a humanitária Mercedes (que também perdeu um marido e um filho na guerra) cumpriu com a promessa que fez, sendo que também permitiu que Hortensia amamentasse a filha pela última vez, um pouco antes de ser fuzilada. Na conversa que travam, Mercedes fala que não importa quem começou a guerra, mas Hortensia responde, dizendo que isso é importante, sim, e que a guerra nunca deveria ter acontecido. 

Porém, após o seu fuzilamento (que é assistido pelo Padre), as Madres tomaram a iniciativa de batizar a menina e a entregaram para Pepita, sugerindo que não jogasse fora o papel do batizado, pois isso iria criar muitos problemas para a menina.
Momento do julgamento de Hortensia e de outras mulheres. Eles eram uma farsa completa e a condenação delas já estava decidida antes mesmo do julgamento começar. A política da Ditadura Franquista era a de eliminar totalmente os Republicanos da sociedade espanhola e tais julgamentos faziam parte desta política. 

Pepita chora, com a menina nas mãos, pois sabe que nunca mais verá a sua amada irmã. E no fim vemos uma bela e emocionante narração feita pela menina (que também se chama Hortensia), que resume a história do filme e da Ditadura Franquista, que impôs um luto e um silêncio sepulcral sobre o povo espanhol.


Fim.

Narração de Hortensia (a filha):

"Minha tia Pepita, que também é minha mãe, sempre disse que as dores da guerra deveriam acabar quando acabam as guerras. Mas não foi bem assim. A 'Nova Espanha' de Franco encheu-se de silêncio e de luto. E também de espera. Minha tia Pepita aprendeu a viver em espera. Jaime Salas (Paulino González) foi condenado a 30 anos e um dia. Ele escapou da pena de morte. Nunca conseguiram provar que ele era o 'Jaqueta Negra'. Talvez tenha sido a sorte, ou quem sabe, mas pela primeira vez as preces de minha tia foram ouvidas. Ela prometeu que esperaria o tempo necessário e isso levou 19 anos. Apenas permitiram uma visita por anos e uma carta cada quinzena. Quando meu tio Jaime saiu da prisão, a primeira coisa que fizeram foi se casar. Naquela mesma noite eles pegaram o trem para Córdoba. Minha tia realizou outro sonho postergado: Volta à casa dela em Córdoba. Ela tinha 39 anos e o noivo a havia beijado apenas três vezes. Eu decidi ficar em Madrid para seguir levando flores à sepultura de minha mãe e para cumprir uma promessa que fiz à mim mesma: Achar o corpo de meu pai e enterrá-los juntos. Para que juntos estivessem na eternidade dos enamorados. Cada vez que vejo as fotos de minha mãe e minha tia, que também é minha mãe, sorridentes e felizes antes da guerra, é quando mais eu choro de dor e raiva, porque aquela maldita guerra, e tudo que veio depois, nunca deveria ter acontecido.".
Pepita implora ao General (Don Gonzalo, amigo de Franco) para que ele faça algo para ajudar a sua irmã (Hortensia), que está grávida e que se encontra presa em Ventas. Os Republicanos, derrotados na Guerra, eram obrigados a se submeter à inúmeras situações humilhantes durante a criminosa Ditadura Franquista. 

Informações Adicionais:


Título: La Voz Dormida (A Voz Adormecida);
Diretor: Benito Zambrano;
Roteiro: Benito Zambrano e Ignacio del Moral (baseado no livro de Dulce Chacón);
País de Produção: Espanha; Ano de Produção: 2011;
Duração: 118 minutos; Gênero: Drama Político;
Música: Magda Rosa Galván e Juan Antonio Leyva; Fotografia: Alex Catalán;
Elenco: Inma Cuesta (Hortensia/Tensi); María León (Pepita); Marc Clotet (Paulino); Daniel Holguín (Felipe); Ana Wagener (Mercedes); Lola Casamayor (Reme); Ángela Cremonte (Elvira); Charo Zapardiel (Tomasa); Arantxa Aranguren (Conchita); Teresa Calo (Dona Celia); Begoña Maestre (Amalia); Berta Ojea (Florencia); Susi Sánchez (Sor Serafines); Lluís Marco (Don Gonzalo); Jesús Noguero (Don Fernando); Myriam Gallego (Dona Amparo);
Prêmios: Goya de Atriz Revelação (María León); Goya de Atriz Coadjuvante (Ana Wagener); Melhor Canção Original (Carmen Agredano).
Pepita (à direita) com os integrantes do PCE que ainda tentavam resistir à brutal e genocida Ditadura Franquista. 

Links:


Ventas - A prisão mais desconhecida:

https://elpais.com/ccaa/2015/11/10/madrid/1447183193_301585.html

Gerda Taro - A pioneira na fotografia de Guerra:

http://marusasaki.blogspot.com.br/2012/09/gerda-taro-pioneira-da-fotografia-de.html

Gerda Taro - A mulher por trás de Robert Capa:

http://iphotochannel.com.br/fotopedia/gerda-taro-a-mulher-por-tras-de-robert-capa

Marina Ginestà e a fotografia icônica da Guerra Civil Espanhola:

http://www.museudeimagens.com.br/marina-ginesta-guerra-civil-espanhola/

A vida de Amparo Barayón:

http://www.paraquetuveas.com/amparo-barayon
Momento no qual o pelotão de fuzilamento se prepara para dar continuidade à política de extermínio que Franco já havia iniciado ainda durante a Guerra Civil. Franco disse que se fosse necessário exterminar metade da população espanhola ele o faria. 

Vídeo - Trailer do Filme:


Vídeo - Trecho em que se canta 'A Internacional'!


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