quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

'The X-Files': 'Mulder & Scully Meet the Were-Monster' - Nós somos os monstros! - Marcos Doniseti!

'The X-Files': 'Mulder & Scully Meet the Were-Monster' - Nós somos os monstros! - Marcos Doniseti!
Mulder e Scully investigam o caso de um monstro, mas no início do episódio ele era cético e ela era a crente. 
Este foi um excelente episódio escrito pelo Darin Morgan, no qual se dá várias risadas, sim, como nos episódios antigos dele para a série, mas que ao mesmo tempo trata da condição humana, da natureza do ser humano e do papel deste no mundo. 

Logo, Darin Morgan conseguiu criar um episódio existencialista cômico, algo que não é nada fácil, sem dúvida alguma. Será que Jean-Paul Sartre imaginou que iriam usar as ideias existencialistas para fazer humor numa série dramática americana de suspense e ficção científica? Com certeza, não.  

Nos episódios que escreveu para 'The X-Files', Darin Morgan sempre brincou (e criticou, de fato) com as principais ideias e características do seriado e até dos personagens, algo que ele voltou a fazer novamente nesta temporada. Vimos isso em 'A Fraude' (2X20), 'O Repouso Final de Clyde Bruckman' (3X04), 'A Guerra das Baratas' (3X12) e 'Do Espaço Sideral' (3X20).

Darin Morgan parece que é aquele sujeito que fica nos ouvidos de C.Carter dizendo: 'Chris, as coisas não são exatamente assim, do jeito que você pensa, não... tem mais coisas entre o céu e a terra por aí, hein!'. 

Mas não tivemos apenas cenas de humor neste episódio. De fato, elas nem foram o principal. 
Darin Morgan escreveu um roteiro existencialista cômico. Sartre deve ter gostado... 
Nele também vimos muitas referências aos episódios antigos da série, como 'O Repouso Final de Clyde Bruckman', 'Quagmire' (3X22), 'Tithonus' (6X10) e 'Deep Throat' (1X01). E Mulder foi chamado de louco por Scully, tal como aconteceu em 'Deep Throat'. 

O cãozinho Queequeg, que Scully cita no episódio, era do Clyde Bruckman e ela ficou com o mesmo após a morte dele. Ele morreu no episódio 'Quagmire'. Scully também brincou com Mulder, dizendo que ela era imortal, ideia que apareceu na série depois que ela não morreu em 'Tithonus'. E agora Mulder foi chamado de louco por Scully, tal como aconteceu em 'Deep Throat'. 

Darin Morgan também brincou com os papéis de Mulder, com este virando cético e demonstrando toda a sua descrença com os inúmeros e antigos casos que ele investigou nos 'Arquivos-X', chegando até a transformar o poster do 'I Want To Believe' em um alvo dos seus lápis, como se estivesse jogando dardos nele. Ele se pergunta se deseja continuar com as mesmas crenças de quando era mais jovem. 

E Scully se tornou a crente, inclusive convencendo Mulder de que o novo caso que havia chegado para eles investigarem tinha, sim, um monstro envolvido.  

Também foi muito bacana a cena na qual Mulder começa a falar para Scully que, de fato, eles estavam investigando o caso envolvendo um monstro e, daí, ele mesmo responde quais seriam as objeções de Mulder, e termina com Scully chamando-o de 'louco' depois de tudo o que ele disse. Olha o Darin Morgan fazendo a série retornar às suas origens. 
Mulder jogou lápis no seu amado pôster... Mas essa fase cética não durou muito, pois o Guy Mann o fez ter vontade de procurar pela verdade novamente. 
Afinal, Scully fez exatamente isso (chamar o Mulder de louco) no episódio 'Deep Throat' (1X01), da primeira temporada, quando Mulder lhe disse que os pilotos da base aérea de Ellens, em Idaho, estavam pilotando naves espaciais que tinham sido construídas usando tecnologia de OVNIs (ideia que, alias, faz parte da Conspiração que está sendo desenvolvida nesta temporada).

Mas outra situação relevante no episódio, talvez o seu aspecto mais importante, é que Darin Morgan também inverteu o papel de monstro. E esta é, de fato, a ideia central deste ótimo episódio da nova e ótima temporada de 'Arquivos-X'. 

Geralmente, nos filmes e séries de terror (como na própria 'The X-Files', inclusive) sempre vemos um humano virando monstro (lobisomens, vampiros, demônios, ETs, etc) e passando a agir de maneira maligna em função disso. 

Aqui acontece exatamente o contrário: um lagarto com forma humana acaba sendo mordido por um ser humano normal e se transforma, pelo menos durante o dia, em humano também.

Daí esse lagarto-humano (o Guy Mann) passa a ter que enfrentar todos os problemas que seres humanos comuns tem: arrumar emprego, pagar as contas, procurar alguém para namorar ou casar, enfim, conviver com as outras pessoas, o que nem sempre é fácil. 
Mulder teve dificuldades para usar o smartphone, na tentativa de tirar uma foto ou filmar o Guy Mann.
E aqui Darin Morgan percorre o caminho inverso que sempre é mostrado nos filmes e séries de terror e ficção científica, deixando claro que os monstros somos nós mesmos, os humanos, e que o Mal está, de fato, dentro de nós e não nos aliens, lobisomens, vampiros. Estes são, de fato, criados para que sejam uma espécie de projeção do Mal que existe dentro do ser humano. 

Nós não temos coragem de mostrar ou de assumir o nosso lado maligno, então criamos essas figuras monstruosas, para que elas fiquem com todos os nossos defeitos, vícios, transferindo para eles toda a maldade que existe dentro dos seres humanos. Nós separamos os humanos (o Bem) dos monstros (o Mal). 

Assim, nós ficamos apenas com a parte boa da essência humana. Muito conveniente, não é mesmo? 

Mas o que Darin Morgan mostra é que nós temos o Bem e o Mal dentro de nós, sim. 

Portanto, o que se pode concluir é que não existem monstros. Os monstros somos nós. 

Não é à toa, portanto, que o Guy Mann (homem-lagarto) fica desesperado quando percebe que está virando humano. Ele não deseja isso, muito pelo contrário, pois percebe, melhor do que ninguém, a natureza monstruosa que os humanos possuem. 
O Guy Mann no momento que ele mais odiava: quando se tornava humano. 
Aliás, foi justamente por ver que um assassino em série está fazendo mais uma vitima, que ele saiu correndo e assustou a transgênero que tentava conquistar um cliente. 

E Darin Morgan também deixa claro que é aquilo que temos dentro de nossa mente e até do nosso coração que faz com que viremos monstros.

Senão, como explicar os campos de extermínio nazistas? Como explicar Pol Pot, cujo governo eliminou cerca de 40% da população do Camboja? Como explicar a destruição e o extermínio deliberado de povos e civilizações inteiras, pelos conquistadores europeus, após a chegada de Colombo à América, o que resultou na morte de dezenas de milhões de nativos em poucas décadas? Como explicar os Bandeirantes, que assassinaram, estupraram e dizimaram povos inteiros do território brasileiro após o início da Colonização europeia?  

Como explicar tantas guerras, massacres, conflitos das mais variadas naturezas  e que foram provocados pelos mais variados fatores (políticos, religiosos, sociais, econômicos, étnicos etc) durante a história da Humanidade, que já resultaram na morte de centenas de milhões de pessoas? 

Como explicar tanto ódio, preconceito e intolerância, pelos mais variados motivos (étnicos, religiosos, ideológicos, de orientação sexual, etc), que temos vivenciado no mundo atualmente?

Como explicar, por exemplo, que uma líder política de um partido de extrema-direita da Alemanha tenha declarado, nesta semana, que os refugiados que estão chegando ao país aos milhares passem a ser recebidos com tiros? E olha que isso está acontecendo em um país que criou o Nazismo e começou duas guerras mundiais (em 1914 e em 1939). 

E quem foi o responsável por tudo isso? Os lobisomens? Os Vampiros? Os ETs? Os demônios? Nada disso. Foram os seres humanos, mesmo.

Então, quem são os monstros, mesmo? Darin Morgan responde: Somos nós. 
Frauke Petry, líder do partido direitista 'Alternativa para a Alemanha', que defende que os refugiados que chegarem à Alemanha sejam recebido a tiros... Depois os monstros são os vampiros, os ETs e os lobisomens?
Então, parece que Darin Morgan concorda plenamente com Albert Einstein, que afirmou ser mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito. 

Assim, neste episódio, Darin Morgan está fazendo uma crítica bem nítidas às relações sociais de nosso tempo e que são marcadas por inúmeras e crescentes demonstrações  de ódio, preconceito e de intolerância, seja por razões de caráter político, religioso, comportamental, ideológico, étnico, de nacionalidade, de gênero. 

Mesmo com todo esse passado trágico que a humanidade já acumulou, estão voltando com força, os movimentos políticos de extrema-direita, neofascistas e neonazistas, que estão ganhando espaço novamente na Europa e que defendem, na cara-dura, a xenofobia, o racismo, o preconceito contra muçulmanos, pessoas de pele escura (negros, mestiços). Tempos atrás uma ministra negra do novo governo italiano foi publicamente chamada de macaca e chegaram a dizer que ele estava querendo levar 'costumes tribais do Congo' para a Itália.

Afinal, como é possível que alguém seja tão estúpido, burro, ignorante, troglodita e imbecil? De onde vem tudo isso? De dentro do próprio ser humano, diz Darin Morgan. 

Nos EUA, uma figura absolutamente ridícula e patética como o milionário Donald Trump (mas que herdou a fortuna do pai... nada a ver com a ideia patética da tal da 'meritocracia') mostra força na campanha eleitoral com um discurso que, entre outros absurdos, promete expulsar os imigrantes ilegais do país, chegando a dizer que eles são todos traficantes, estupradores e criminosos. 
Mulder faz um longo discurso para Scully, no qual apresenta os seus argumentos e os dela, ao mesmo tempo, não deixando-a falar...
E olha que eles chegam a um número considerável, de 11 milhões. Imaginem o que irá acontecer se uma neofascista idiota desses virar Presidente dos EUA e decidir colocar uma política estúpida dessas em prática? De quem será a culpa por isso? Dos vampiros, lobisomens e dos ETs? Claro que não.

Então, somos nós mesmos que nos transformamos em verdadeiros monstros, repletos de ódios, preconceitos e de intolerância com aqueles que são diferentes, comportamento este que está crescendo no mundo todo, não apenas no Brasil, de forma trágica. 

Nada de bom poderá vir daí... Como nunca veio, aliás. Hitler, Pol Pot e os Bandeirantes que o digam...

Aliás, não foi à toa que o episódio teve a participação de uma transgênero, que deu uma 'bolsada' no Guy Mann por ter se assustado com o mesmo quando ele corria em sua direção. 

Inclusive, no diálogo (talvez um pouco longo demais, mas que era cortado pelos fatos relatados pelo Guy Mann) que tem com o 'lagarto-humano', o próprio Mulder chegou a fazer uma piada preconceituosa, dizendo para o mesmo que ele não deveria fazer uma cirurgia para se transformar em um transgênero, como o Guy Mann chegou a pensar. 

Assim, a mensagem deste excelente episódio de 'The X-Files' é mais do que óbvia: 
Os monstros somos nós e basta ver o noticiário para ver que continuamos espalhando e disseminando ódio, preconceito e intolerância contra quem é diferente. 

E foi isso que o lagarto-humano jogou em nossa cara. E ele está certo. 
Mulder, Scully interrogam uma transgênero, que viu o Guy Mann correr em sua direção, se assustou e lhe deu uma bolsada... 
Assim, é melhor que ele fique hibernando por 10 mil anos, mesmo. Quem sabe, até lá, a espécie humana já melhorou bastante, certo? Se é que não iremos nos destruir bem antes disso, o que não é nada improvável, com certeza.

Espero estar enganado. 

Obs: Com este episódio, também ficou claro uma coisa: Chris Carter errou de ter exibido o 'Founder's Mutation' como o segundo episódio da temporada, sendo que ele era para ser o quinto. 

E porque eu digo isso? 

Simples: Foi nesse episódio ('Mulder & Scully Meet the Were-Monster) que Mulder recuperou a sua crença no sobrenatural, nos fenômenos alienígenas, enfim, em tudo que ele investigou durante tantos anos nos 'Arquivos-X'. 

É por isso que ele, no final, acaba agradecendo ao Guy Mann. 

Quando este voltou a ser o lagarto na frente de Mulder, este percebeu que podem até não existir monstros, mas que tem muita coisa ineXplicável e misteriosa em nosso mundo e que nem sempre a Ciência explica tudo.

O Guy Mann fez Mulder voltar a dizer que 'eu quero acreditar'. 
Graças ao Guy Mann, Mulder volta a procurar pela Verdade que tanto buscou durante tantos anos. 
Mas quando vimos o segundo episódio que foi exibido, o excelente 'Founder's Mutatino', não fica claro porque é que o Mulder tinha voltado a tentar acreditar nos fenômenos ineXplicáveis aos quais ele investigou por tantos anos. Percebia-se, ali, que o velho Mulder de sempre estava de volta, mas não tínhamos ideia do que havia provocado esse seu retorno às origens. 

Mas esse mistério é esclarecido neste terceiro episódio. Foi o Guy Mann que trouxe de volta a vontade do Mulder de tentar acreditar em que a verdade continua lá fora e que cabe a ele continuar procurando pela mesma. 

Logo, C.Carter errou, sim, em mudar a sequência dos episódios.  

Obs: Gostei da homenagem que a série fez ao Kim Manners, que dirigiu inúmeros episódios de 'Arquivos-X'. Ela foi mais do que merecida, sem dúvida alguma. 

Vídeo: Mulder discursando para Scully...

Links:

Donald Trump chama imigrantes de traficantes, estupradores e criminosos: 

http://br.sputniknews.com/mundo/20150730/1708862.html

Ministra negra da Itália é agredida com insultos racistas:

http://www.sul21.com.br/jornal/macaca-congolesa-primeira-ministra-negra-da-italia-e-alvo-de-insultos-racistas/

Alemanha: Líder de partido de direita defende receber refugiados a tiros:

http://observador.pt/2016/02/01/alemanha-lider-partidaria-defende-armas-fogo-imigrantes-ilegais/

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