domingo, 9 de junho de 2019

Wim Wenders, a falta de aquecimento, a Cinemateca de Paris e a paixão pelo Cinema!

Wim Wenders, a falta de aquecimento, a Cinemateca de Paris e a paixão pelo Cinema! - Marcos Doniseti!

Wim Wenders, um dos principais cineastas do cinema alemão.

Wim Wenders é um dos principais nomes do Cinema Novo Alemão, ao lado de Rainer W. Fassbinder, Werner Herzog, Volker Schlondorff, Margarethe von Trotta, Alexander Kluge e Edgar Reitz, entre outros.

Mas uma história interessante é como nasceu a paixão dele pelo Cinema.

Em 1966, Wenders foi morar em Paris, com o objetivo de tentar entrar na Academia de Belas Artes, mas não conseguiu ser aceito. Dai, ele passou a trabalhar no atelier de um gravurista dos EUA (Johnny Friedlander) que morava na Cidade Luz, em Montparnasse.

Porém, Wenders morava em um apartamento que não tinha calefação e, logo, sentia muito frio. Assim, ele passava grande parte do tempo livre na Cinemateca Francesa, a mesma que foi a responsável pela formação dos cineastas que criaram a Nouvelle Vague (Godard, Truffaut, Chabrol, Rivette e Rohmer), pois ali era bastante quente.  
 
Com isso, diz Wenders, ele desenvolveu uma paixão doentia pelo Cinema e chegou a assistir a mais de 1000 filmes durante aquele ano. Wim Wenders diz que o ingresso era barato (1 franco) e muitas vezes ele passava o dia inteiro assistindo aos filmes, chegando a ver 5 filmes em apenas um dia.

Depois, em 1967, ele retornou para a Alemanha e ingressou na Escola Superior de Cinema e Televisão de Munique, concluindo o curso em 1970.
 
Durante o curso ele realizou vários curtas-metragens e em 1970 fez um longa que foi o seu trabalho de conclusão do mesmo, que foi 'Summer in the City'. Este foi filmado em preto e branco e em 16 mm.

Então, foi graças à falta de aquecimento no apartamento em que morava em Paris que o mundo ganhou um cineasta bastante talentoso.

Link:

Especial Wim Wenders:
https://www.fronteiras.com/artigos/especial-wim-wenders 

'Cinefilia' - Antoine de Baecque conta a história da Cinefilia na França entre 1944 e 1968! -

'Cinefilia' - Antoine de Baecque conta a história da Cinefilia na França entre 1944 e 1968! - Marcos Doniseti!
Excepcional livro de Antoine de Baecque a respeito da importância da Cinefilia na França do Pós-Guerra.

No começo de 2019 eu li esse fantástico livro de autoria do Antoine de Baecque, jornalista e historiador francês que é o principal historiador de Godard, Truffaut, da Nouvelle Vague e da revista "Cahiers du Cinéma", publicação de onde saíram os criadores do mais revolucionário movimento cinematográfico da história.

Baecque, que já escreveu brilhantes biografias de Truffaut (junto com Serge Toubiana e que foi lançada no Brasil em 1998) e de Godard (ainda não foi lançada no Brasil), conta a história da Cinefilia francesa, a partir de 1944 quando, logo após a Libertação da França pelos Aliados ocidentais, o mercado francês foi inundado por centenas de filmes originários dos EUA (cuja exibição havia sido proibida durante a ocupação do país pelos alemães).

Além disso, o país passou a ter um grande número de cineclubes e de publicações dedicadas ao Cinema: Cahiers du Cinema, L'Écran français, Arts (Truffaut foi um grande colaborador da publicação), Positif, Revue du Cinéma, entre outras. E todas estas publicações foram criadas por cinéfilos. 

E a França ainda tinha a Cinemateca, criada e dirigida por Henri Langlois desde a sua fundação (em 1936) e cujo trabalho foi fundamental para a formação dos cinéfilos e de muitos críticos e cineastas franceses.


Godard sempre disse que a formação dos cineastas da Nouvelle Vague não se fez em faculdades de Cinema, mas na Cinemateca de Paris e nos cineclubes. Logo, a cinefilia teve uma importância fundamental naquele período. 

Baecque mostra que os cinéfilos não apenas assistiam aos filmes, mas debatiam intensamente sobre os mesmos e escreviam críticas. Todas estas atividades destes apaixonados pelo Cinema irão resultar na criação de inúmeras publicações ('Cahiers', 'Positif'...) e, depois, estes cinéfilos começaram a fazer filmes, o que vai resultar na criação da Nouvelle Vague. 

Nesta época, a opinião dos críticos era levada em consideração pelo público e se um filme fosse mal avaliado pela crítica isso afetava fortemente as bilheterias dos filmes.

É bom ressaltar que a própria Nouvelle Vague, no início, dividiu as opiniões, pois ela era fortemente atacada pelos críticos mais tradicionalistas, defensores do cinema de 'tradição de qualidade' existente no país, a qual os críticos chamados de 'Jovens Turcos' da Cahiers du Cinema (Truffaut, Chabrol, Rivette, Rohmer e Godard) queriam fazer picadinho.
Jean Rouch, Chabrol (segurando a placa) e Godard lideram manifestação defendendo o retorno de Henri Langlois ao comando da Cinemateca Francesa, que foi criada por ele em 1936.

O cinema francês dos anos 1950 (chamado de 'tradição de qualidade') era caracterizado pelo conservadorismo e pela padronização, ou seja, faziam-se sempre filmes com temas muito semelhantes, que eram dirigidos sempre pelos mesmos diretores, que eram escritos sempre pelos mesmos roteiristas e com os mesmos intérpretes. 

Truffaut, quando atuou como crítico (brilhante) do 'Cahiers du Cinéma', na década de 1950, criticou duramente ao cinema francês do período, que via em situação de estagnação criativa, liderando uma verdadeira batalha contra o mesmo, o que fazia com o total apoio dos outros críticos, chamados de 'Jovens Turcos', da 'Cahiers', incluindo Godard, Chabrol, Rivette e Rohmer. 

Em seu livro, Baecque analisa a trajetória da Cinefilia francesa de 1944 até 1968, quando tivemos a chamada 'Batalha da Cinemateca', que foi resultado da demissão de Henri Langlois da direção da Cinemateca de Paris pelo governo de Charles De Gaulle (mas a decisão de demitir Langlois foi do ministro da Cultura, André Malraux).

A demissão de Langlois gerou uma forte reação dos cineastas e dos profissionais de Cinema franceses, que o viam como uma figura essencial para a sua formação cinematográfica. 

Afinal, a Cinemateca havia sido criada por Langlois ainda antes da Segunda Guerra Mundial e seu trabalho à frente da mesma foi fundamental para a formação dos cinéfilos e de muitos cineastas franceses, principalmente aqueles ligados à Nouvelle Vague. 

Não foi à toa, portanto, que Truffaut, Godard, Rivette, Jean Rouch e Jean-Pierre Léaud, entre outros, estivessem à frente do movimento, que acabou sendo vitorioso, para que Langlois fosse reconduzido ao comando da Cinemateca.

Tal movimento mobilizou cineastas consagrados do mundo inteiro (Hitchcock, Rossellini, Kurosawa, etc), sendo que muitos chegaram a proibir a exibição dos seus filmes na Cinemateca enquanto Langlois não voltasse ao comando da instituição que ele mesmo criou. 

E a 'Batalha da Cinemateca', que ocorreu entre Fevereiro e Abril de 1968 acabou antecipando em três meses a rebelião que tivemos durante o famoso Maio de 68, acabou sendo o ponto final desta história da Cinefilia francesa que Baecque conta neste livro fantástico. 

Portanto, o livro de Baecque é uma leitura imprescindível para quem deseja conhecer a história da cinefilia, da atividade crítica e do próprio cinema francês no Pós-Guerra.

Obs: Temos vários filmes que estão, de alguma maneira, relacionados ao assunto do livro de Baecque (a cinefilia, é claro), como 'Os Sonhadores', de Bernardo Bertolucci, 'Beijos Proibidos', de François Truffaut e "Les Sièges d'Alcazar" (1989), de Luc Moullet. 
Henri Langlois: Para o crítico Serge Toubiana, sem o trabalho de Langlois na Cinemateca a Nouvelle Vague jamais teria existido.

Links:

Entrevista com Serge Toubiana sobre a importância da Cinemateca de Paris, criada por Henri Langlois:

http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2661,1.shl

Entrevista com Antoine de Baecque, sobre o seu livro:
https://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/cinefilia/