'Morir en Madrid': Excelente documentário que mostra a evolução dos conflitos políticos e sociais que geraram a Guerra Civil Espanhola. Ele foi indicado ao Oscar em 1966. |
'Mourir a Madrid' é um excepcional documentário, dirigido por Frédéric Rossif. Ele mostra quais foram as causas da Guerra Civil Espanhola e porque as forças mais reacionárias acabaram vitoriosas no conflito, no qual morreram cerca de 1 milhão de pessoas em dois anos e nove meses de guerra.
O documentário é muito esclarecedor a respeito dos conflitos políticos e sociais que provocaram essa que foi, sem dúvida, a 'Guerra Civil Espanhola' (1936-1939), e que se transformou na primeira batalha da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Afinal, todas as principais potências europeias, mais os EUA, se envolveram, de uma forma ou de outra, no brutal conflito espanhol: Grã-Bretanha, Alemanha Nazista, Itália Fascista, França URSS. Destas, somente França e, principalmente, a URSS ajudaram ao governo democrático da República.
Mas, no caso francês, pois havia uma divisão muito forte dentro do governo (também de Frente Popular) e do país. Uma boa parte dos franceses apoiou Franco e, ainda, pressionou o governo do país para que recusasse qualquer ajuda à República espanhola. A França possuía muitos movimentos políticos de Direita e de Extrema-Direita que simpatizavam com Franco, Hitler e Mussolini, sendo que os mesmos contavam com significativo apoio popular.
Exemplo disso foi o movimento de Direita Radical chamado 'Croix de Feu', liderado por François la Roque, que possuía uma força paramilitar própria (chamada de 'Dispos'), defendia a instalação de uma Ditadura, atacava o Liberalismo e o Socialismo, bem como defendia o Corporativismo.
Desta maneira, a 'Croix de Feu' reunia as principais características de um movimento tipicamente Fascista.
As causas da Guerra Civil Espanhola foram essencialmente internas, mas as questões envolvidas eram as mesmas que afetavam outros países da Europa neste período:
- Luta de classes, com o fortalecimento das mobilizações promovidas por operários e camponeses, que lutavam por reforma agrária, melhores salários, leis trabalhistas e, até, por uma Revolução Social que destruísse o Capitalismo e criasse uma sociedade igualitária.
No caso espanhol, uma parte deste movimento era mais radical e queria também destruir o Estado, a Igreja e o Capitalismo: Eram os Anarquistas ou Anarcossindicalistas, representados pela CNT-FAI, e por uma minoria dos Socialistas, que eram representados pelo PSOE e pela UGT (seu principal líder era Francisco Largo Caballero, que foi o primeiro líder do governo Republicano, entre 1936-1937).
Uma outra ala, mais moderada, queria reformar e modernizar a Espanha, mas sem promover uma Revolução Social, o que era o caso da maioria dos Socialistas, dos Comunistas, da Burguesia Liberal e da Classe Média;
A) Rejeição às mudanças e à modernização por parte das forças conservadoras (Igreja, Exército, Latifundiários);
B) Crescente papel dos jovens e das mulheres na sociedade;
C) Industrialização e urbanização, que enfraquecia progressivamente os poderes da Igreja Católica e dos Latifundiários, que exercia uma influência bem pequena nas regiões mais industrializadas e nas maiores cidades (Barcelona, Madrid, Valência, Bilbao);
Cartaz do PCE chamando os operários, camponeses, soldados e intelectuais a se unirem ao Partido e em defesa da República. |
D) Expansão das classes médias instruídas e urbanas, que lutavam para participar do sistema político, o que era barrado pelas forças mais reacionárias do país;
E) Lutas de algumas regiões por maior autonomia em relação ao governo central. Na Espanha, este era o caso do País Basco e da Catalunha, em especial. As forças Franquistas queriam o contrário, construindo um Estado totalmente centralizado.
Com isso, depois que venceu a Guerra Civil, Franco chegou até a proibir que as populações da Catalunha e da região Basca usassem as suas línguas, obrigando-as a falar apenas o Castelhano.
Também vemos, no documentário, quais eram as forças políticas e sociais que entraram em choque na Guerra e quais os motivos que as levaram a participar do conflito:
A) De um lado, as forças reacionárias, contrárias às mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais que ocorriam no país, pois as mesmas levavam a uma crescente perda do seu imenso poderio e dos seus privilégios.
Estes eram os casos dos Latifundiários, do Exército, da Monarquia e da Igreja Católica, cujo apoio vinha das regiões mais pobres e atrasadas do país (as áreas rurais, onde ainda vivia mais da metade da população espanhola);
B) Enquanto isso, outras forças políticas e sociais lutavam para aprofundar e acelerar as mudanças e promover a modernização da Espanha: Operários, Camponeses, Classe Média instruída, Industriais, Nacionalistas bascos e catalães, jovens e mulheres.
A base social destas forças se concentrava nas regiões mais ricas, industrializadas e urbanizadas do país: Catalunha, Valência e País Basco, em especial.
Brigadistas internacionais que foram lutar do lado Republicano na Guerra Civil Espanhola. A ida deles para a Espanha era organizada pelo PCF (Partido Comunista Francês, liderado por Maurice Thorez). |
Os Anarquistas (ou Anarcossindicalistas) conseguiram, também, conquistar um grande apoio entre os camponeses e trabalhadores rurais miseráveis da região Sul da Espanha, pois estes eram brutalmente explorados pelos Latifundiários. Estes contavam com o apoio da Igreja e das forças policiais, motivos pelos quais os camponeses sulistas espanhóis repudiavam o Estado, o Capitalismo e a Religião.
Isso explica o grande apelo popular do discurso Anarcossindicalista na região sulista espanhola.
Os segmentos reacionários temiam os efeitos das mudanças realizadas pelo primeiro governo Republicano (de perfil progressista e liberal, que durou de 1931 a 1933), que promoveu a reforma agrária, fez investimentos maciços na educação pública, aumentou salários, criou leis trabalhistas (jornada de 8 horas diárias, a licença-maternidade, as férias remuneradas,), reconheceu o direito de voto para as mulheres, reformou o Exército e proibiu cultos religiosos.
Este governo Republicano era um governo de perfil Iluminista, cuja principal fonte de inspiração era a Revolução Francesa de 1789-1799. Mas, entre 1935-1936, a divisão das forças progressistas, que entraram em choque entre si, enfraqueceu o governo Republicano.
Isso aconteceu porque alguns segmentos sociais dos Republicanos entendiam que as mudanças promovidas pelo governo eram insuficientes e queriam acelerar e radicalizar o processo de transformação. Este era o caso dos Anarquistas e de setores radicais dos Socialistas (cuja maioria era reformista, mas não revolucionária).
Com isso, as forças mais conservadoras venceram as eleições de 1934 e retomaram o controle do governo espanhol. Daí, elas procuraram reverter as principais mudanças que o governo Republicano progressista havia promovido.
Esse retrocesso fará com que as forças políticas e sociais mais progressistas (Anarquistas, Socialistas, Comunistas, Republicanos de Esquerda e Burguesia Liberal) se unam.
E essa união as levará a criar a chamada 'Frente Popular', que venceu (por estreita margem) as eleições para o Parlamento espanhol em Fevereiro de 1936.
Assim, a Espanha voltou a ter um governo Republicano e progressista novamente. E com isso, as mudanças do governo de 1931-1933 foram retomadas.
E foi isso que levou as forças mais retrógradas da Espanha a se unir para promover um Golpe de Estado que derrubasse o governo da Frente Popular. Mas esta tinha substancial base popular organizada, que lhe dava sustentação: partidos políticos, sindicatos, centrais sindicais, movimentos de jovens e mulheres.
E tais segmentos progressistas resistiram ao Golpe das forças Reacionárias, que estourou em 17/07/1936, graças à esta base social organizada que possuía.
Com isso, o Golpe Reacionário foi apenas parcialmente vitorioso.
No início da Guerra Civil, os golpistas conseguiram assumir o controle apenas das regiões mais atrasadas do país: parte agrária do Sul (dominada pelos latifundiários) e o Norte, no qual a Igreja Católica predominava. Já nas áreas mais ricas e industrializadas, as forças progressistas da Frente Popular foram vitoriosas, conseguindo derrotar os golpistas.
Se dependesse apenas das forças políticas e sociais internas, é muito provável que a República fosse vitoriosa. Afinal, ela controlava as regiões mais ricas e tinha as reservas de ouro do país em suas mãos. Mas tal vitória não aconteceu, pois o fator que acabou decidindo o resultado final do conflito foi a atuação das grandes potências mundiais.
Assim, Franco contou com o apoio descarado e gigantesco da Itália Fascista e da Alemanha Nazista que, somadas, enviaram mais de 90 mil soldados (passam de 100 mil se somarmos os 10 mil soldados enviados pela Ditadura de Salazar) e muitos armamentos modernos (aviões, blindados e artilharia), tais como os canhões de 88 mm e os aviões alemães Junker 52, Henkel 111 e Messerschmitt 109.
Franco também contou com um significativo apoio dos setores privados dos EUA, da Grã-Bretanha e da França. Muitos industriais e banqueiros destes países ajudaram as forças franquistas com petróleo, empréstimos e veículos. A GM e a Ford forneceram milhares de veículos para os franquistas.
Enquanto isso, a República contava apenas com o apoio limitado da URSS que, no entanto, evitou um envolvimento maior no conflito espanhol para não alarmar a França, a Grã-Bretanha e os EUA, com quem Stalin desejava forjar uma ampla aliança a fim de conter a expansão do Nazi-Fascismo.
E tudo isso acontecia enquanto o governo da Grã-Bretanha promovia uma hipócrita, falsa e mentirosa política de 'não-intervenção', que foi inteiramente prejudicial apenas para o governo Republicano.
Afinal, tal política foi totalmente ignorada pela Itália Fascista e pela Alemanha Nazista, que controlavam o acesso dos espanhóis ao Mar Mediterrâneo (impedindo a chegada de produtos e armamentos para as forças Republicanas) e enviaram armamentos e soldados em grande quantidade para as forças Franquistas.
Logo, as forças franquistas sempre dispuseram de uma significativa vantagem em termos de forças militares, tanto no número de soldados (seus mortos e feridos eram repostos com mais facilidade e rapidez), quanto nos armamentos disponíveis (aviões, blindados, canhões). E também nunca faltou acesso a empréstimos externos por parte de banqueiros britânicos, franceses e estadunidenses para que Franco e seus aliados pudessem comprar o petróleo, alimentos, veículos necessários a uma guerra que durou dois anos e nove meses.
Essa substancial ajuda externa que as forças Franquistas receberam, bem como o isolamento internacional da República, foi o fator principal que levou à vitória das forças franquistas na Guerra Civil Espanhola.
Sem o apoio decisivo de Hitler e Mussolini, e do apoio disfarçado, mas significativo, dos EUA e da Grã-Bretanha, Franco jamais teria vencido a Guerra na Espanha.
E o povo espanhol pagou um alto preço por esta vitória de Franco, que impôs uma Ditadura brutal, que procurou aniquilar toda e qualquer oposição, real ou imaginária, implantando um Estado Policial e Totalitário dos mais brutais e cruéis que já existiu na Europa, construindo campos de concentração, explorando trabalho escravo dos prisioneiros, eliminando fisicamente centenas de milhares de Republicanos.
Informações Adicionais:
Título: Mourir à Madrid (Morrer em Madrid);
Diretor: Frédéric Rossif;
Roteiro: Frédéric Rossif e Madeleine Chapsal;
Ano de Produção: 1963; País de Produção: França;
Gênero: Documentário; Fotografia: Georges Barsky; Música: Maurice Jarre;
Narradores: Suzanne Flon; Germaine Montero; Pierre Vaneck; Roger Mollien e Jean Vilar;
Prêmios: BAFTA Awards de Documentário de 1968; Prêmio Jean Vigo, de 1963, de Melhor Produção.
Link:
A Guerra Civil Espanhola - Augusto Buonicore:
http://vermelho.org.br/noticia/283839-1
As 'Mujeres Libres' Anarquistas:
http://www.publico.es/politica/memoria-publica/80-anos-mujeres-libres-xxx-mujeres-libres-anarquistas-revolucionaron-clase-obrera.html
Vídeo - Documentário 'Morir à Madrid' na íntegra (legendado em Português):