sábado, 24 de junho de 2017

‘Act of Violence’ mostra o peso de um passado que é melhor esquecer, mas que sempre volta! – Marcos Doniseti!

‘Act of Violence' mostra o peso de um passado que é melhor esquecer, mas que sempre volta! – Marcos Doniseti!
Fred Zinnemann dirigiu 'Act of Violence', um clássico filme Noir de 1949. 
Esse ótimo filme Noir trata dos efeitos da Segunda Guerra Mundial sobre os cidadãos americanos e mostra que nem todos os soldados do país se comportaram como heróis durante o conflito. 

Mas o assunto principal de 'Act of Violence' é um tema que está sempre presente nos filmes Noir, que é o retorno do passado, de algo que aconteceu na vida do protagonista e que ele procura esquecer, mas do qual não consegue fugir. Esse passado sempre acaba voltando. 

Quanto a Segunda Guerra começou, os EUA possuíam um Exército pequeno, de cerca de 115 mil soldados. A principal força militar do país era a Marinha, que atuava intensamente na América Latina e na Ásia, onde promovia inúmeras intervenções militares desde a segunda metade do século XIX (Cuba, Porto Rico, Filipinas). 

Mas nos anos posteriores ao início da Segunda Guerra Mundial, o General Marshall comandou um processo de rápido crescimento do Exército americano, que chegou a possuir um efetivo total de 12 milhões de soldados em seu auge. 

É claro que para conseguir atingir esse tamanho foi necessário adotar o alistamento militar obrigatório e, assim, milhões de cidadãos comuns (operários, professores, engenheiros, jovens, etc) foram convocados para prestar o serviço militar. 
Um homem na cidade, sozinho, à noite: Uma cena clássica dos filmes Noir. 

Depois de vários anos mobilizados e lutando em várias frentes de combate (África, Europa e Ásia) esses milhões de soldados retornaram para as suas casas e retomaram as suas vidas, junto às suas namoradas e esposas. 


A trama de ‘Act of Violence’ gira em torno de dois destes ex-soldados: Frank Enley e Joseph Parkson. 

O capitão Frank Enley é considerado como sendo um herói de guerra, sendo até homenageado pela população da pequena cidade californiana na qual vive (Santa Elisa), mas cuja atuação no conflito mundial é cercada de alguns mistérios, que serão revelados durante o filme.

Quando voltou da Guerra, o capitão Enley tornou-se um pequeno empreiteiro, muito bem sucedido, e se casou com a bonita e fiel Edith, com quem teve um filho (Georgie). 
Joe Parkson se prepara para se vingar de Frank, seu capitão durante a Segunda Guerra Mundial, onde o mesmo agiu de maneira que o prejudicou, bem como aos seus amigos. 

Eles formam a típica família de classe média ‘WASP’ (Branca, Anglo-Saxônica e Protestante) feliz e bem sucedida que a propaganda ianque adorava divulgar pelo mundo todo como sendo uma legítima representante do chamado ‘american way of life’. 


Assim, Frank e família são felizes e bem sucedidos, sendo que ele também é um herói de guerra. Tudo parece perfeito. Parece. 

Até que surge Joe Parkson, um veterano de guerra que era um velho amigo de Frank, mas que por motivos desconhecidos (no início do filme, é claro) vai atrás do mesmo para se vingar por algo que ocorreu durante a Guerra. E justamente por isso, Joe quer matar Frank de qualquer jeito. 

Assim, o tema principal deste clássico filme ‘Noir’ é um assunto que quase sempre está presente nos filmes do ‘gênero’: A fuga do passado. 
Frank, carregando o filho (Georgie, de dois anos), ao lado da esposa (Edith). Ele lutou na Segunda Guerra Mundial e, depois, se tornou um pequeno construtor de sucesso e montou uma família unida, bem de vida e feliz. Mas o 'american way of life' que ele e família desfrutam esconde um passado o qual ele prefere não se lembrar.  

Em muitas produções ‘Noir’ o protagonista destes filmes sempre tem algo em seu passado do qual ele foge e que procura esquecer, mas esse passado sempre ressurge, na presença de uma pessoa que o procura, com o objetivo de ‘acertar as contas’ ou de relembrar o que aconteceu.


Obs1: Outro excelente e clássico filme Noir que trata justamente deste assunto é 'Out of the Past' ('Fuga do Passado’), produção de 1947, que foi dirigido por Jacques Torneur. 

Quando Joe chegou à Santa Elisa, ele imediatamente foi até a residência de Frank, mas a esposa lhe diz que o mesmo foi pescar com um amigo. 
Ingenuamente, e sem saber quem é aquele homem que manca o tempo inteiro (resquício da Guerra), ela lhe diz qual é o lugar para o qual Frank foi. 

Quando é informado, pelo dono do pesqueiro, que foi procurado por um homem alto e que mancava, Frank percebe que está sendo procurado por Joe e decide ir embora imediatamente do local, o que o amigo e vizinho estranha, pois eles acabaram de chegar ao mesmo. 

Joe chega à Santa Elisa, pequena cidade californiana na qual vive Frank, do qual ele deseja se vingar. Ele viu uma matéria no jornal exaltando o 'herói' Frank. Este já havia saído de Siracusa em função da perseguição que Joe lhe movia há muito tempo. 

Assim, Frank retorna rapidamente para a sua bonita e confortável casa e procura fechar as portas e janelas da mesma, bem como apaga todas as luzes da residência, o que deixa a sua jovem esposa muito preocupada com a situação. 


Edith quer saber o que está acontecendo e Frank conta que Joe é um   ex-amigo, da época em que prestaram serviço militar durante a Guerra, e que o mesmo o considera responsável por algo de ruim que lhe aconteceu durante o conflito. 

Ele também diz para a esposa que Joe é louco, mas em nenhum momento Frank conta em detalhes o que foi que aconteceu entre ele e o seu vingativo ex-amigo para que o mesmo esteja, agora, lhe perseguindo desta maneira e com uma imensa vontade de mata-lo.  

Na ânsia de fazer o ex-amigo parar de persegui-lo, Frank vai até Los Angeles, com o objetivo de participar de uma festiva reunião que contará com a participação de pequenos empreiteiros. 
Joe vai ao pesqueiro, atrás de Frank, com o objetivo de matar o mesmo. Ele não consegue se livrar do passado, do qual sofre as consequências. Joe culpa Frank por isso.

Joe chegou a ir até a casa de Frank, novamente, forçando a sua entrada na mesma, mas o mesmo não se encontrava no local e a esposa recusou-se a lhe informar para onde Frank tinha ido, pois percebe que ele deseja matar o seu marido. 


Edith decide ir para Los Angeles, até o local da convenção dos empreiteiros, e encontra Frank, que finalmente lhe conta, com todos os detalhes, o que havia acontecido entre ele e Joe na época da Guerra. 

Frank diz que ele era capitão e que o seu avião foi abatido pelos alemães e que ele e os outros soldados que estavam sob o seu comando foram feitos prisioneiros. Eles foram levados para um campo alemão, onde eram muito mal tratados, sendo que mal tinham o que comer. Com isso, os prisioneiros tentavam fugir, mas sempre que isso acontecia os soldados da SS matavam os fugitivos. 

Frank havia sido informado que Joe e outros prisioneiros estavam planejando uma fuga e que cavaram um túnel para isso. Com medo de que eles fossem mortos pelos alemães, Frank procurou o chefe do campo (um oficial da SS), que lhe garantiu que nada aconteceria aos fugitivos se ele lhe informasse os detalhes (dia e horário) da fuga. 
Frank fica assustado com a perseguição feita por Joe e se tranca dentro de sua casa, junto com a esposa e o filho. Inicialmente, ele evita de lhe dizer qual é o verdadeiro motivo desta perseguição que sofre por parte do ex-amigo. 

Frank confiou no oficial da SS e lhe informou tudo, mas quando Joe e os demais tentaram fugir, os mesmos foram executados pelos alemães, sendo que apenas Joe sobreviveu. E agora Joe quer vingança. 


Com isso, Edith chora muito e percebe que o seu marido não é aquele homem perfeito que imaginava, mas que é um ser humano comum, com suas fraquezas e que o mesmo também comete erros. 

Apesar disso, ela decide continuar ao lado de Frank, que sempre procurou esquecer tudo o que havia acontecido. Mas a tentativa de vingança que Joe leva adiante faz com que ele tenha que se defrontar com aquilo que fez. 

Com isso, Frank reconhece o erro que cometeu e diz para a esposa que não há nada que possa ser feito. Ele tem que caminhar em direção ao seu destino, que é a morte, mas em nenhum momento ele diz isso para Edith, é claro. 
Frank finalmente conta para a esposa o que aconteceu na Segunda Guerra Mundial. Um fato da época é que provoca a perseguição e o desejo de vingança de Joe. 

O esperto Joe consegue descobrir para onde ele viajou, ao telefonar para a vizinha de Frank (Martha) que não sabia quem era Joe e o que ele queria com Frank. 

A namorada de Joe (Ann) também viajou de Nova York até Los Angeles e, sabendo o que o mesmo planejava fazer, procurou por Edith e lhe contou que Joe tinha descoberto para onde Frank tinha viajado. 

Desesperada, Edith telefona para Frank, mas ele estava no bar e o barulho o impedia de ouvir o que ela dizia. Mas, neste momento, ele viu Joe e lhe desferiu um soco, conseguindo fugir na sequência. 

Frank acaba saindo pela cidade e entra em um bar, no qual encontra uma mulher (uma prostituta) que está disposta a lhe ajudar. Ela o leva para o local em que mora e Frank termina por lhe contar o que está acontecendo. Ela diz que conhece um ‘advogado’ (Gavery) que poderia ajuda-lo a resolver a situação. 
Ann, a namorada de Joe, tenta evitar que o mesmo prossiga com o seu plano de levar adiante a sua vingança contra Frank, não consegue e, com isso, ela vai avisar Edith a respeito dos planos de Joe.

Mas o tal advogado é, de fato, um intermediário que contrata um assassino de aluguel (Johnny) que cobra muito caro (8 a 10 mil dólares) para fazer os seus trabalhos sujos. Totalmente embriagado e sem ter inteira consciência do que está fazendo, Frank acaba concordando com que Johnny marque um encontro com Joe, com o objetivo de mata-lo, em um local de Santa Elisa. 


Frank fica desesperado com o que está para acontecer e retorna para Santa Elisa, onde se despede da esposa (e do filho) sem que a mesma perceba que ele está indo embora para encontrar o seu destino e que nunca mais irá vê-lo vivo novamente.  

Obs2: O fatalismo é outra característica marcante dos filmes ‘Noir’. Entre outros elementos do ‘Noir’ que estão presentes no filme nós temos a escuridão, a ambiguidade dos personagens e a volta do passado. Em compensação não temos aqui nem a figura de uma ‘femme fatale’ e tampouco de policiais corruptos. 

Quando Frank sai da casa, Edith fica desesperada. Mas ele vai encontrar Joe, com o objetivo de avisar ao ex-amigo que o mesmo será morto.
O desesperado Frank corre pela cidade, à noite, fugindo de Joe.

Porém, Johnny já está esperando por Joe dentro de um veículo e quando Frank vê que o mesmo será assassinado, ele entra na frente e recebe o tiro que se destinava a Joe. Frank sobrevive e se atira na direção do carro, provocando um acidente fatal, que resulta na morte de ambos.


Joe e a namorada (Ann) e outros moradores do local observam o corpo de Frank estendido no chão, já sem vida. O falso herói de Guerra deu a sua vida para salvar o amigo. 

Agora, sim, ele tornou-se um herói. 

Quando vê que o homem que perseguia se sacrificou para salvá-lo, um consternado Joe coloca o braço de Frank sobre o peito e vai embora com Ann. 

Fim. 
Frank recebe proposta de 'ajuda' de Pat e Gavery, mas isso o colocará em uma situação bastante complicada.  

Informações Adicionais:


Título: Act of Violence (Ato de Violência);
Diretor: Fred Zinnemann;
Roteiro: Robert L. Richards, Collier Young;
Ano de Produção: 1949; 
País de Produção: EUA;
Duração: 82 minutos; 
Gênero: Policial Noir;
Música: Brosnilau Kaper; 
Fotografia: Robert Surtees;
Elenco: Robert Ryan (Joseph Parkson); Janet Leigh (Edith Enley); Van Heflin (Frank Enley); Mary Astor (Pat); Berry Kroeger (Johnny); Phyllis Thaxter (Ann Sturges), Taylor Holmes (Gavery); Will Wright (Pop); Harry Antrim (Fred Finney); Connie Gilchrist (Martha Finney). 
Frank entra na frente de Joe e leva o tiro que se destinava ao seu ex-amigo, evitando que o mesmo fosse assassinado.

Vídeo - Trecho do Filme:

sábado, 17 de junho de 2017

‘The Big Combo’: Um clássico ‘Noir’ com os elementos essenciais do ‘estilo’: Crimes, corrupção, escuridão, amor e traição! – Marcos Doniseti!

‘The Big Combo’: Um clássico ‘Noir’ com os elementos essenciais do ‘estilo’: Crimes, corrupção, escuridão, amor e traição! – Marcos Doniseti!
'The Big Combo' é um dos principais clássicos do 'Noir'. A fotografia do filme é marcante. O filme tem muitos fãs, incluindo Quentin Tarantino, que o homenageou em 'Cães de Aluguel'. 
Os Filmes Noir!

‘The Big Combo’ foi realizado em 1955 e é um dos grandes clássicos do chamado filme ‘Noir’, um estilo ou gênero cinematográfico que até hoje possui milhões de fãs e admiradores em todo o mundo. 

O filme ‘Noir’ é debatido exaustivamente até os dias atuais, sendo que muitos estudiosos chegam a dizer que ele sequer existiu. A expressão foi criada por um crítico francês (Nino Frank) em 1946, cinco anos após a produção dos primeiros filmes do ‘gênero’, quando vários filmes policiais dos EUA foram exibidos na França. 

Os críticos franceses entendiam que tais filmes possuíam algumas características comuns, passando a considerar que eles constituíam um estilo diferente de filme Policial, ao qual chamaram de ‘film Noir’. 

Apesar das críticas, o uso da expressão ‘film Noir’ acabou sendo assimilada e é utilizada até hoje para classificar ou definir um determinado número de filmes policiais que foram produzidos entre 1941 e 1958, quando tivemos o auge do ‘gênero’. 
A escuridão é muito presente no filme, o que é resultado da forte influência que os filmes Noir sofreram do cinema Expressionista alemão. A maioria das cenas foi feita em ambientes com pouquíssima iluminação. O responsável pela bela fotografia do filme foi John Alton, que trabalhou em outros clássicos 'Noir' ('Raw Deal e 'He Walked By Night', produções de 1948). 
As listas mais recentes já incluíram cerca de 250 filmes sob esta denominação, embora nem todos os filmes possuam todas as características que os definiriam como sendo 'Noir'. 

Entre os principais elementos que são estão quase sempre presentes em um ‘film Noir’, nós temos: 

A) A existência de uma ‘Femme Fatale’ (quase sempre loira); 

B) Crimes; 

C) Policiais corruptos; 

D) Mafiosos e rufiões; 

E) Histórias tipicamente urbanas, que ocorrem em grandes cidades; 

F) Escuridão; 

G) Personagens ambivalentes; 

H) Fatalismo. 
A bela Susan Lowell tem um romance, que já dura quatro anos, com o mafioso Sr. Brown. Ele a trata de forma autoritária e controladora, mas mesmo assim ela não esconde que ele é o seu grande amor. 
E praticamente todas estas características estão presentes neste excelente filme Noir que é ‘The Big Combo’, com a exceção de uma femme fatale propriamente dita, embora tenhamos três mulheres envolvidas na trama. E todas elas são tristes e infelizes. 

Obs1: Para maiores esclarecimentos a respeito dos filmes ‘Noir’ recomendo a leitura de alguns artigos e trabalhos acadêmicos que podem ser baixados na Internet. Entre os mesmos, sugiro os seguintes: 

A) “Chandler no Cinema Noir: algumas reflexões sobre ‘A simples arte de matar’”, de Michel Misse, publicado na revista ‘Sociologia’, ano 15, número 34, set/dez de 2013, págs. 140-154; 

B) ‘Film Noir’: Análise e identificação das características, padrões e clichês do film Noir clássico’, Tese de Mestrado de Abigail Rito Fragoso; 

C) ‘Sobre crimes, mulheres fatais e investigadores: Do romance Noir ao film Neo-Noir, um longo percurso’ – Artigo da Profa. Marilu Martens Oliveira;

D) No livro ‘História do Cinema Mundial’ também temos um capítulo dedicado ao filme ‘Noir’, de autoria de Fernando Mascarello.
Susan é triste e infeliz em sua vida com o Sr. Brown e por isso ela tenta cometer suicídio. Amor, obsessão, sexo e psicose estão presentes na trama deste fantástico filme Noir. 
A trama do Filme!

A trama de ‘The Big Combo’ se desenvolve em uma grande cidade dos EUA (que pode ser Nova York ou Chicago) e envolve um tenente da Polícia (Leonard Diamond) que investiga um perigoso e violento criminoso (Mr. Brown). Este último comanda uma organização criminosa que controla inúmeras atividades ilegais.

Porém, Brown é muito esperto e procura não deixar pistas ou provas das suas atividades criminosas, sendo que possui um grande cofre secreto em sua residência, no qual esconde dinheiro e armas. Brown fica impune dos crimes que comete, pois ele também consegue comprar o silêncio das pessoas que poderiam lhe criar problemas. A corrupção sempre era denunciada nos filmes 'Noir'. 

Já o tenente Diamond é obcecado em querer investigar e prender Brown, mas não consegue obter provas concretas do envolvimento dele em qualquer crime. E para piorar um pouco mais, ele ainda é totalmente apaixonado por Susan Lowell, a amante do chefão mafioso. 

As significativas despesas de Diamond com essa investigação (US$ 18 mil dólares) acabam por fazer com que o Capitão Peterson determine o encerramento da mesma, pois não existem provas do envolvimento do mesmo com qualquer atividade criminosa, mas Diamond não desiste e diz que conseguirá obter as provas necessárias para prender Brown em breve. 
Sr. Brown (interpretado magistralmente por Richard Conte) dá uma bronca em um boxeador que não consegue sentir ódio pelo seu oponente. Ele ama o poder e diz que 'O primeiro é o primeiro. E o segundo é ninguém'. 
Diamond chega a gastar o seu próprio dinheiro e a trabalhar no seu tempo livre durante seis meses tal é a sua vontade em prender Brown. Tal perseguição ao criminoso também ocorre em função do fato dele ser totalmente apaixonado pela amante de Brown, a bela Susan Lowell (uma loira linda e sensual que foi interpretada por Jean Wallace).  

Obs2: Na vida real, Cornel Wilde (Tenente Diamond) e Jean Wallace (Susan Lowell) foram casados por 30 anos, entre 1951 e 1981. 

Diamond tenta fazer com que Susan colabore com a Polícia, falando tudo o que sabe a respeito das atividades criminosas do mesmo, mas ela se recusa, pois é apaixonada por ele. Susan diz que Brown foi o primeiro – e único - amor da sua vida, embora ele a trate de forma autoritária, dizendo até que qual é a cor do vestido que ela deve usar, embora ela se recuse. A vida infeliz que Susan tem ao lado de Brown acaba fazendo com que ela fume e beba bastante, bem como a leva a confrontá-lo em várias oportunidades. 

No início do filme, Brown diz que conseguiu subir no mundo do crime por ser mais violento e implacável do que os outros criminosos e se orgulha daquilo que conquistou agindo desta maneira. Ele é orgulhoso e autoconfiante e não teme ninguém, pois sabe que possui aliados poderosos, que lhe dão cobertura para as suas atividades criminosas e que são bem remunerados por isso. 
Mr. Brown trata o tenente Diamond com arrogância e desprezo. Ele sequer olha para Diamond ou se dirige a ele diretamente. O policial quer prender Brown de qualquer maneira e não esconde que é apaixonado pela bela amante (Susan) do mesmo. 
Diamond é o policial honesto e correto, que trabalha o tempo inteiro e que se dedica a combater o crime acima de tudo. Ele é ironizado por Brown que diz ‘Ele é um homem correto’ em tom de desprezo, dizendo que o tenente ganha um salário inferior ao dos empregados dos seus hotéis. Mesmo assim, Diamond não desistirá enquanto não colocar Brown na prisão. 

Enquanto isso, Peterson é um capitão da Polícia que não esconde de Diamond que já livrou a cara de um grande criminoso no passado, mostrando que as linhas que separavam a Polícia e os criminosos eram bastante tênues, o que era outra características importante dos filmes Noir. Neles, a ambiguidade é uma característica que está sempre presente nos personagens. 

Desesperada com a vida infeliz que tem ao lado de Brown, Susan tenta cometer suicídio e Diamond se aproveita do fato para interroga-la no hospital. No local, meio inconsciente, ela acaba falando o nome de uma mulher: Alicia, o que deixa Diamond intrigado. E a pronúncia deste nome muda o rumo da história. 

Diamond chegou a mandar prender Brown e todos os empregados deste, a fim de descobrir alguma informação a respeito de Alicia, mas não conseguiu obter nenhuma prova do envolvimento de Brown com qualquer atividade criminosa, pois o mesmo ameaçou aos seus funcionários, que ficaram em silêncio. 
 O tenente Diamond tenta convencer Susan a contar tudo o que sabe sobre os crimes de Brown, mas ela se recusa a fazer isso, pois o ama, mesmo sendo muito mal tratada pelo mesmo. 
E Brown também não confessou absolutamente nada para Diamond, é claro, mesmo sendo interrogado com o uso do detector de mentiras. Durante o interrogatório ele demonstrou, novamente, o seu desprezo pelo policial, dizendo que conhece e vai a restaurantes aos quais Diamond jamais teria condições financeiras de frequentar. 

Assim, Brown saiu ileso, sendo que posteriormente ele mandou sequestrar Diamond, que acabou sendo interrogado por Brown e por seus capangas (Joe, Fante e Mingo). Diamond acaba sendo deixado bêbado em frente ao apartamento de Peterson, que percebe o que havia sido feito com o teimoso tenente. 

Durante a investigação feita por Diamond a respeito das atividades criminosas de Brown, o persistente tenente foi atrás de um antigo sócio do mafioso, que é Bettini, que é um velho solitário e que acaba contando a história de Alicia para Diamond. Bettinio acaba dizendo que a Alicia era esposa de Brown, mas que ela teria sido assassinada pelo mesmo durante uma viagem marítima, alguns anos antes, para Portugal. 

Porém, ao investigar o caso, Diamond descobre que Alicia não está morta, mas que vive perto dali. Ele descobre o local onde ela está e vai interroga-la, mas ela resiste a passar qualquer informação para o tenente. Ela demonstra, claramente, que ama e odeia Brown e que tem muito medo do mesmo, pois conhece o caráter inescrupuloso e violento do mesmo.
Mesmo sendo tratada de forma arrogante por Mr. Brown, Susan não resiste ao mesmo. No filme 'Cães de Aluguel', Quentin Tarantino interpretou um personagem que se chamava justamente 'Mr. Brown', numa clara homenagem ao clássico filme dirigido por Joseph H. Lewis. 
E fica claro que Alicia era muito mais bonita anteriormente, quando era esposa de Brown, mas que o tempo foi cruel com ela. Assim, Mr. Brown é aquele típico homem todo-poderoso que deseja ter uma bela mulher sob o seu domínio, mesmo que não sinta nada pela mesma. 

Quando Brown descobriu (por meio de Susan) que Diamond tinha obtido informações importantes a respeito de Alicia, o mesmo mandou Mingo e Fante ir até o apartamento do tenente, com o objetivo de eliminá-lo. 

Mingo e Fante formam um casal de amigos bastante próximos e que trabalham como capangas para Mr. Brown. No filme é sugerido que o relacionamento deles seria mais íntimo do que o habitual, o que também não comum nas produções de Hollywood nesta época. 

Mas quem estava no local era a bonita e sensual Rita, uma dançarina com quem Diamond teve um relacionamento amoroso e que ainda é apaixonada por ele. 

Quando ele a procurou, anteriormente, na boate em que ela trabalhava, e a convidou para ir à sua casa a fim de participar de uma 'festa', inicialmente ela recusou, mas logo depois ela mudou de ideia. Nesta ocasião ela reclamou que Diamond demorou seis meses para procurá-la, sugerindo ele havia esquecido dela. 
A bela dançarina Rita é apaixonada por Diamond, que sofre porque deseja amar e viver com Susan, que é a amante do mafioso Mr. Brown. 
Ela pede para Diamond que quando outra mulher fizer com que ele sofra, que ele não espere tanto tempo para procurá-la novamente. Assim, fica claro que Rita é apaixonada por Diamond e que eles passaram uma noite juntos na qual tiveram relações sexuais. 

Mas nos filmes da época isso era apenas sugerido, pois o chamado 'Código Hays' não permitia que as produções de Hollywood exibissem cenas de sexo. 

Rita já tinha avisado Diamond, em outro momento, de que Brown iria tentar matá-lo, mas ela é quem acabou sendo assassinada no lugar do homem que ela tanto amava.


Agora, após o assassinato frio e brutal de Rita, o tenente Diamond fica mais determinado do que nunca e quer prender Brown de qualquer maneira e, para isso, ele passou a contar com a colaboração de Susan, que passou a ver o seu amante do jeito que ele realmente é. 

Porém, Brown não quer correr riscos e tenta matar Fante e Mingo, pois estes sabiam tudo a seu respeito. No entanto, Mingo sobrevive à tentativa de assassinato e, desesperado em função da morte do amigo (Fante), ele decide colaborar com a Polícia. 
Diamond não esconde de Susan que a ama intensamente, mas inicialmente ela se recusa a colaborar na investigação que ele faz sobre o cruel Mr. Brown, apesar do tratamento possessivo e repressor que recebe do mesmo. No filme os relacionamentos entre homens e mulheres são, no mínimo, bastante problemáticos. 
Mas o esperto Brown foge, levando a bela Susan junto. Eles se dirigem até um aeroporto, pois ele havia contratado um piloto para levá-los embora, de avião. 

Diamond acaba usando a fotografia do corpo de Rita para convencer Alicia a colaborar com a Polícia e ela termina por concordar, dizendo qual era o aeroporto para onde Brown havia fugido com Susan. Alicia deixa claro que odeia todas as mulheres que se aproximaram de Brown. Assim, ela ama e odeia Brown ao mesmo tempo. 

Diamond chega ao aeroporto, que está imerso em total escuridão (o Noir...), o que deixa Brown assustado. Este desfere vários tiros na direção de Diamond, mas não consegue acertar nenhum. Diamond manda prender Brown que, desesperado, pede para ser morto, mas isso não acontece, pois ele não deseja ir para a prisão.

Diamond e Susan vão embora, juntos. 

Fim. 
Nesta cena o antigo chefe de Mr. Brown (Joe McClure) foi executado por Fante e Mingo. Mr. Brown retirou o aparelho de surdez que Joe usava, para que ele não ouvisse nada. E com isso não se ouve nenhum som nesta cena. Godard fez o mesmo no filme 'Bande à Part', de 1964. 

Informações Adicionais:


Título: The Big Combo (O Império do Crime);
Diretor: Joseph H. Lewis;
Roteiro: Philip Yordan;
Ano de Produção: 1955; País de Produção: EUA;
Duração: 87 minutos; Gênero: Filme Policial ‘Noir’;
Música: David Raksin; Fotografia: John Alton;
Elenco: Cornel Wilde (Leonard Diamond); Richard Conte (Mr. Brown); Brian Donlevy (Joe McClure); Jean Wallace (Susan Lowell); Lee Van Cleef (Fante); Robert Middleton (Capitão Peterson); Earl Holliman (Mingo); Helen Walker (Alicia Brown); John Hoyt (Nils Dreyer); Ted de Corsia (Ralph Bettini); Helene Stanton (Rita); Roy Gordon (Audubon).
Susan e Diamond vão embora, juntos, depois que Brown foi levado preso. Assim, eles irão começar uma nova vida. A fotografia escura e sombria é um dos aspectos mais marcantes deste fantástico filme Noir.  
Vídeo - Trecho do Filme:

sábado, 10 de junho de 2017

‘Cette Nuit-Là...’ (‘Aquela Noite’): Maurice Cazeneuve fez um clássico do ‘Noir’ francês! – Marcos Doniseti!

‘Cette Nuit-Là...’ (‘Aquela Noite’): Maurice Cazeneuve fez um clássico do ‘Noir’ francês! – Marcos Doniseti!
'Cette Nuit-Là' (1958), de Maurice Cazeneuve... Para Stanley Kubrick este é um dos 10 melhores filmes de todos os tempos. 

Os filmes Noir: Sua história e características!

‘Cette Nuit-Là’ é um filme francês produzido em 1958, que claramente está inserido na tradição dos filmes policiais ‘Noir’, e que Stanley Kubrick considerava como um dos dez melhores filmes de todos os tempos. 

Este é um típico filme policial ‘Noir’, sendo que grande parte dos principais elementos do ‘estilo’ estão presentes no mesmo.

Para os estudiosos dos filmes ‘Noir’, entre os seus principais elementos e características, nós temos: 

A) A presença da ‘femme fatale’: Uma mulher bela, sensual e fatal (e quase sempre loira); 

B) O erotismo latente, com a presença de muitas jovens e belas mulheres, que usam da sua beleza e sensualidade para manipular os homens, que acabam tendo, muitas vezes, finais trágicos; 

C) Crimes, que são vistos pelas pessoas como o único mecanismo possível de ascensão social e econômica numa época de crise econômica marcada pela Grande Depressão e pela Segunda Guerra Mundial, bem como a melhor maneira de resolver os conflitos, pois as instituições estão corrompidas (principalmente a Polícia e a Justiça) e não são confiáveis; 
A belíssima Mylène Demongeot interpreta Sylvie, uma femme fatale que manipula o patrão e que desencadeia uma sucessão de acontecimentos sobre os quais ela perde totalmente o controle e que prejudicam o seu próprio marido. 
D) Investigação policial feita por um detetive durão, que vive no ‘limite da honestidade’: Ele enfrenta os poderosos, mas também faz acordos com os mesmos a fim de garantir a sua sobrevivência; 

E) Cenas noturnas, tipicamente urbanas, feitas em ruas escuras e desertas;

F) Forte influência do cinema Expressionista alemão, de filmes realizados por cineastas como Fritz Lang, Paul Leni e F.W. Murnau que, depois, foram trabalhar em Hollywood;

G) Significativa influência dos filmes de Gângsters, muito populares nos EUA durante a década de 1930, época da Lei Seca e da Grande Depressão. A principal obra desta época foi ‘Scarface’ (1932), de Howard Hawks. Tais filmes glorificavam os bandidos, eram marcados por uma moral ambivalente e mostravam muitas cenas de crimes e violência, é claro;

H) Visão crítica e bastante negativa sobre a sociedade, que é mostrada como sendo corrupta, repressiva, injusta, moralista, hipócrita e violenta; 
Reverdy é um patrão rico, corrupto, amoral e sem escrúpulos que é apaixonado pela bela modelo Sylvie, que é casada com Jean, e que tenta conquista-la de qualquer maneira. 
I) Influência da literatura policial ‘Hard-Boiled’, que também foi chamada de ‘Noir’, que foi produzida por escritores como Dashiel Hammett (inventor do gênero), Raymond Chandler, James M. Cain e David Goodis, entre outros;

J) Influência das histórias de crime e mistério que foram publicadas nas chamadas ‘Pulp Magazines’ (alguém aí se lembrou de ‘Pulp Fiction’?), caso das revistas ‘Black Mask’, ‘Dime Detective’ e ‘Detective Fiction Weekly’ que fizeram imenso sucesso durante a década de 1930 e 1940. 

O termo ‘Filme Noir’ foi criação de um crítico francês, Nino Frank, que o usou, pela primeira vez, em um texto intitulado "Um Nouveau Genre Policier: L’Aventure Criminelle", que foi publicado por uma revista francesa ("L’Ecran Français") em 
Agosto de 1946. 

Nino Frank e outros críticos franceses tomaram contato, no Pós-Guerra, com uma série de filmes policiais produzidos nos EUA, sendo que eles possuiriam certas características em comum. 

Obs1: Outro crítico francês que passou a usar o termo ‘Filme Noir’ foi Henri-François Rey, que é um dos roteiristas deste clássico filme de Cazeneuve.
Alan Ladd e Veronica Lake, casal icônico dos filmes Noir. 
Entre os filmes tidos como definidores do ‘Noir’ por tais críticos, temos: ‘Relíquia Macabra’ (John Huston, 1941); ‘Alma Torturada’ (Frank Tuttle, 1942); ‘Até a vista, Querida’ (Edward Dmytryk, 1943); ‘Laura’ (Otto Preminger, 1944); ‘Pacto de Sangue’ (Billy Wilder, 1944); ‘Um Retrato de Mulher’ (Fritz Lang, 1944); ‘Assassinos’ (Robert Siodmak, 1946); ‘À Beira do Abismo’ (Howard Hawks, 1946); ‘Gilda’ (Charles Vidor, 1946); ‘A Dama do Lago’ (Robert Montgomery, 1947). 

No livro ‘História do Cinema Mundial’ (página 181), Fernando Mascarello escreveu o seguinte a respeito dos filmes ‘Noir’:

“O elemento central é o tema do crime, entendido pelos comentadores como campo simbólico para a problematização do mal-estar americano do pós-guerra (resultado da crise econômica e da inevitável necessidade de reordenamento social ao fim do esforço militar). 

Segundo esses autores, o Noir prestou-se à denúncia da corrupção dos valores éticos cimentadores do corpo social, bem como da brutalidade e hipocrisia das relações entre indivíduos, classes e instituições.

Foi veículo, além disso, para a tematização (embora velada) das emergentes desconfianças entre o masculino e o feminino, causadas pela desestabilização dos papéis sexuais durante a guerra. 
Cena do filme 'The Big Combo', clássico Noir de 1955 que foi dirigido por Joseph H, Lewis. 
Metaforicamente, o crime Noir seria o destino de uma individualidade psíquica e socialmente desajustada, e, ao mesmo tempo, representaria a própria rede de poder ocasionadora de tal desestruturação. 

A caracterização eticamente ambivalente da quase totalidade dos personagens Noir, o tom pessimista e fatalista, e a atmosfera cruel, paranoica e claustrofóbica dos filmes, seriam todos manifestação desse esquema metafórico de representação do crime como espaço simbólico para a problematização do pós-guerra.”.

A respeito dos aspectos narrativo e estilístico dos filmes ‘Noir’, Mascarello escreveu o seguinte: 

“Já do ponto de vista narrativo e estilístico é possível afirmar (grosso modo) que as fontes do Noir na literatura policial e no Expressionismo cinematográfico alemão contribuíram, respectivamente, com boa parte dos elementos cruciais. 

Entre os elementos narrativos, cumpre destacar a complexidade das tramas e o uso do flashback (concorrendo para desorientar o espectador), além da narração em over do protagonista masculino.
Dorothy Malone e Humphrey Bogart em 'The Big Sleep', um dos maiores clássicos Noir. 
Estilisticamente, sobressaem a iluminação low-key (com profusão de sombras), o emprego de lentes grande-angulares (deformadoras da perspectiva) e o corte do big close-up para o plano geral em plongée (este, o enquadramento Noir por excelência).

E ainda a série de motivos iconográficos como espelhos, janelas (o quadro dentro do quadro), escadas, relógios etc. - além, é claro, da ambientação na cidade à noite (noite americana, em geral), em ruas escuras e desertas. 

Num levantamento estatístico, possivelmente mais da metade dos Noirs traria no título original menção a essa iconografia - night, city, street, dark, lonely, mirror, window - ou aos motivos temáticos - killing, kiss, death, panic, fear, cry etc.”.

Obs2: Trecho retirado do livro ‘História do Cinema Mundial’ (Fernando Mascarello – org.), capítulo ‘Filme Noir’, de autoria de Fernando Mascarello, páginas 181-182. 

Estudos feitos a respeito dos filmes policiais ‘Noir’ também notaram a presença de um tema que, muitas vezes, está meio que escondido nas ‘entrelinhas’ dos mesmos, que é a ‘crise da masculinidade’, com o homem tendo cada vez menos controle sobre o comportamento das mulheres nesta época. 
Jean, Reverdy e Sylvie. Dois homens em conflito por causa de uma bela mulher? Isso não pode acabar bem... 
Sobre este assunto, Fernando Mascarello escreveu o seguinte: 

“Os proponentes do Noir afirmam ter sido ele veículo para a representação de um dos elementos centrais da "cultura da desconfiança" do pós-guerra: a intensa rivalidade entre o masculino e o feminino. 

Esta resultava, por um lado, da modificação dos papéis sexuais em decorrência da mobilização militar e, por outro, da disputa pelo mercado de trabalho entre os contingentes retornados do front e a mão-de-obra feminina treinada para substituí-los durante o conflito. 

O que produzia, em conjunto, uma verdadeira crise identitária masculina ou, como quer Richard Dyer, "uma ansiedade com relação à existência e definição da masculinidade e da normalidade" (1978, p. 91). 

De acordo com esse autor, o tema é "raramente expresso de forma direta, podendo, no entanto, ser considerado constitutivo da problemática do Noir, aquele conjunto de temas e questões de que os filmes procuram dar conta sem porém nunca realmente articulá-los".
Reverdy olhando uma fotografia da bela, jovem, sensual e irresistível Sylvie... 
É nesse contexto que deve ser entendida a figura Noir mítica da mulher fatal. Um dos temas mais recorrentes da história da arte, no Noir, a femme fatale metaforiza, do ponto de vista masculino, a independentização alcançada pela mulher no momento histórico do pós-guerra. 

Ao operar a transformação dela em sedutora malévola e passível de punição, o Noir procura reforçar a masculinidade ameaçada e restabelecer simbolicamente o equilíbrio perdido.”.

Obs3: Trecho retirado do livro ‘História do Cinema Mundial’ (capítulo ‘Filme Noir’, de 
Fernando Mascarello, página 182). 

A trama do filme!

E neste belo filme de Cazeneuve essa ‘crise da masculinidade’ fica mais do que evidente. 

A estrela do filme é a jovem, sensual e belíssima atriz Mylène Demongeot, que interpreta Sylvie, que contava com 23 anos de idade quando o filme foi realizado. 
Sylvie tem plena consciência da atração que exerce sobre Reverdy e usa isso para conseguir dinheiro dele. Nos filmes Noir as mulheres que exerciam o papel da 'femme fatale' eram quase sempre loiras. 
Sylvie é uma modelo fotográfica e também a bela esposa de um funcionário (Jean Mallet) de uma revista de moda, cujo proprietário (André Reverdy) demonstra grande interesse por Sylvie, sendo apaixonado pela mesma. Esse interesse fica bastante evidente desde as primeiras cenas do filme. 

Já no primeiro diálogo entre ambos, Reverdy diz 'Ela era bela e ele era rico. E assim começam todas as histórias de amor'. Logo depois, Reverdy critica acidamente o trabalho feito por Jean e sua equipe e determina que a capa da próxima edição da revista seja uma fotografia de Sylvie. 

Jean pergunta para Giselle, secretária de Reverdy, porque o patrão o detesta. Ela diz que o motivo disso é que ele, Jean, é mais talentoso e mais jovem... Ela também segura a revista com a fotografia de Sylvie, como se estivesse dizendo 'Mas o principal motivo é você tem a mulher que ele deseja'. Ela completa falando que aquilo que Reverdy deseja, ele deseja de verdade. 

Assim, Jean percebe o crescente interesse do seu patrão por sua bela esposa e isso faz com que ele fique, cada vez mais, com ciúmes de sua mulher, o que é percebido por Sylvie, é claro. Além disso, Jean também adota uma postura crescentemente hostil em relação à Reverdy, dizendo para este ficar longe da mesma. 
Sylvie: Bela, sensual, jovem e manipuladora. Sua independência em relação ao marido irá criar sérios problemas para ambos. Os filmes Noir retratavam a perda de poder dos homens sobre as mulheres na sociedade americana e europeia do Pós-Guerra. 
Reverdy, porém, neste momento, pega o exemplar da revista (com Sylvie na capa), o que é uma maneira clara de dizer que ele não fará isso. Mesmo assim, a bela Sylvie procura amenizar o clima ruim que existe entre os dois homens. 

Porém, existe uma razão muito forte para que ela adote esse comportamento: Jean e Sylvie precisam de dinheiro (dois milhões de Francos) para construir uma garagem.

Sylvie sugere para o marido que sabe como poderá conseguir o dinheiro: procurando atrair e seduzir Reverdy, fazendo com que este passe a ter esperanças de que poderá vir a conquista-la. 

Assim, Sylvie é a mulher fatal e sedutora da história (e é muito bonita e loira, é claro). 

Jean, porém, repudia inteiramente essa ideia e fica inconformado quando descobre que a sua bela esposa pensou em levar tal plano adiante. Neste momento, fica claro que o marido, Jean, não consegue controlar o comportamento de Sylvie. É a ‘crise do homem’, ou da ‘masculinidade’, que está em evidência no filme. 

Em outra cena, inclusive, um personagem (um chantagista) diz para Jean que o padrão de vida que ele desfruta somente é possível devido ao trabalho de Sylvie como modelo, mostrando que há uma dependência econômica de Jean em relação à esposa. 
Sylvie e Jean vivem momentos de angústia com a possibilidade dele ser preso pela Polícia de Paris. As ações de Sylvie desencadearam uma sucessão de acontecimentos sobre os quais ela perdeu o controle. 
Para se constatar essa independência de Sylvie em relação a Jean basta ver como a mesma age em relação à Reverdy, patrão dela e do marido. 

Sylvie decide usar do imenso poder de atração que exerce sobre Reverdy para tirar proveito do mesmo, tentando conseguir, desta maneira, os dois milhões de francos que ela e o marido necessitam para completar a reforma do seu apartamento. E ela age dessa maneira mesmo com o marido reprovando tal comportamento. Logo, ela é muito bela, mas de ingênua a sensual Sylvie não tem absolutamente nada. 

E quando ele fica sabendo que Reverdy mandou lhe entregar um cheque de dois milhões de francos e mandou muitas rosas para Sylvie, Jean fica convencido de que a sua jovem, bela e sensual esposa foi seduzida pelo seu rico e poderoso patrão, embora isso não tenha acontecido. 

Afinal, Sylvie é completamente apaixonada por Jean e muito dificilmente o trairia. Mas ela não percebeu que o jogo que fazia com Reverdy era bastante perigoso, pois mexia com sentimentos muito fortes, e que o mesmo poderia ter consequências imprevisíveis. 
Mesmo com o marido correndo o risco de ser preso, em nenhum momento a bela Sylvie deixa de apoiar Jean. Até porque ela se sente responsável pelo que aconteceu. 
Ela queria ‘apenas’ usar do seu poder de sedução para arrancar o dinheiro de Reverdy, mas jamais pensou em se relacionar (sexual ou romanticamente) com o mesmo. Logo, eles não chegam a ‘consumar’ tal relação de atração e sedução que Sylvie faz. 

Mas Jean não sabe disso, ficando inteiramente possesso ao pensar na possibilidade de que Sylvie tenha se relacionado com o seu patrão e, assim, toma a decisão de matar Reverdy. 

Desta maneira, Jean pega o carro e vai atrás de Reverdy. Assim, Jean vai, pelas ruas de Paris, à noite, o que dá origem a uma bela cena, tipicamente urbana, que está sempre presente nos filmes ‘Noir’, com seus carros em ruas escuras, mal iluminadas. 

Jean vai até a casa em que Reverdy recebe os seus amigos e amigas, que é um local reservado para beber, usar drogas, praticar a prostituição e fazer outras ‘cositas más’, práticas claramente ilegais que são do conhecimento da Polícia, mas que esta não tem como reprimir, pois Reverdy tem fortes conexões com os poderosos mandas-chuvas da cidade, que lhe dão cobertura para as suas atividades ilícitas. 
Martin faz chantagem com Jean, exigindo a entrega de uma grande soma de dinheiro para devolver o revólver do mesmo. Mas o destino de Martin não será dos melhores.
Assim, a denúncia da corrupção praticada pelos poderosos, que é outra característica importante da literatura policial e dos filmes ‘Noir’, também está presente nesta bela e clássica produção de Cazeneuve. 

Jean vê a sua esposa ir embora, entrando em um táxi, e fica esperando pelo momento em que Reverdy sairá da sua mal afamada casa (muitas pessoas sabem o que se faz ali...) para matar o homem que deseja lhe tomar a esposa, a qual ele ama intensamente, sentimento no qual é plenamente correspondido por Sylvie. 

Mas o seu plano tem um resultado catastrófico: Em vez de assassinar o seu patrão, ele acaba matando outro homem, inteiramente desconhecido.  E quando percebe o que fez, ele fica preocupado em saber se ninguém o viu cometendo o crime e esconde o corpo da vítima. 

Porém, ele deixa algumas pistas para trás: a chave do seu carro e um revólver.

Quando ele volta para casa, Sylvie o esperava para sair, mas ele conta que havia 
cometido um assassinato. A esposa reage com perplexidade, porém, fica ao lado dele e decide ajudá-lo. Ele até chega a buscar o carro, usando a sua própria chave. 
A bela Sylvie fica tensa e preocupada com o fato de que Jean ainda poderá ser preso e faz de tudo para ajudar o marido. 
Afinal, Sylvie sabe que tem uma grande parte da responsabilidade pelo que aconteceu e, com isso, ela rasga o cheque de dois milhões de francos que havia recebido e Jean devolve a chave do apartamento de Reverdy para o mesmo. 

Sylvie também telefona para a Polícia a fim de descobrir se haviam encontrando o corpo de um homem que tivesse as mesmas características daquele que Jean matou, mas o investigador não lhe diz coisa alguma. 

Na sequência, vemos uma parte do filme que mostra toda a crescente tensão, angústia e nervosismo do casal, que fica preso dentro do seu apartamento, aguardando pelo momento em que algum investigador da Polícia irá aparecer ali para interrogar e prender Jean pelo crime que o mesmo havia cometido. 

Jean e Sylvie compram todos os jornais (‘Le Figaro’, ‘Le Parisien’) para descobrir se a Polícia já encontrou o corpo, mas nenhuma informação é publicada a respeito. 

Mas não demora muito e Jean passa a ser chantageado por um homem, que lhe envia a chave e um desenho da cena do crime. Este chantagista acabará exigindo três milhões de francos para devolver o revólver, dinheiro que o casal não possui. O chantagista e Jean marcam um encontro no Metrô, onde trocarão o revólver pelo dinheiro. 
Sylvie tenta usar do seu poder de sedução para conseguir que Reverdy não prejudique Jean. Mas o seu ex-patrão quer muito mais do que apenas seduzir Sylvie...
Jean e Sylvie vão juntos, mas ela fica olhando de longe, apenas observando, sendo que a missão dela seria perseguir o chantagista depois que o mesmo devolvesse o revólver. 

Porém, nem Jean levou o dinheiro combinado e tampouco o chantagista levou o revólver. Com isso, o chantagista aumenta o valor do 'resgate' do revólver para quatro milhões de francos. Porém, o mesmo estava sendo vigiado pela Polícia e na tentativa de fugir ele acaba morrendo, ao cair sobre os trilhos do Metrô. 

Assim, Jean e Sylvie pensam que os seus problemas terminaram, mas depois foi a vez de Reverdy aparecer, reconhecendo que o chantagista estava a seu serviço e que o revólver usado por Jean no crime está com ele. 

Para devolver o revólver, Reverdy diz que deseja que Jean lhe entregue a sua esposa e que se ele não o fizer irá para a prisão. Reverdy também afirma que todos podem ser comprados e que ele nunca fracassa. 
Sylvie despreza e humilha Reverdy depois que este lhe disse que desejava ser amado e viver com ela. 
Jean recusa-se a dizer para Sylvie o que Reverdy deseja em troca da devolução do revólver e decide ir atrás do mesmo, com o objetivo de eliminá-lo. Desesperada com a situação que criou, Sylvie telefona para Reverdy, atraindo-o para a sua residência, com o objetivo de trocar o revólver por uma relação sexual. 

Mas ela fica surpresa quando o mesmo lhe diz que não deseja ter apenas uma relação sexual com ela, mas viver ao lado dela, para ser amado por Sylvie. Esta reage com uma risada histérica, o que irrita Reverdy. Sylvie lhe diz que jamais irá amá-lo, pois já sente esse amor por Jean. Ela humilha Reverdy, dizendo que ele acabará sua vida como um velho infeliz, amargo e solitário. 

Reverdy vai para a sua casa (em Montmartre), onde é procurado pelo investigador Toussaint, que lhe diz que sabe das suas conexões ilegais com o chantagista morto e que um homem que havia sido atacado (por Jean) nas proximidades de sua residência sobreviveu ao ataque. 

Toussaint diz que tal homem havia saído da casa de Reverdy e que o mesmo contou tudo sobre as atividades ilícitas deste, dizendo que ele não conseguirá, desta vez, se livrar de uma investigação, mesmo tendo conexões poderosas que sempre lhe protegeram. 
Reverdy apontando a arma para Jean...
Neste momento, Jean estava dentro da residência de Reverdy, escondido, e ouviu tudo. Porém, Reverdy está com a sua arma e ameaça mata-lo. Jean chega a telefonar para Sylvie, dizendo que logo voltará para casa, mas fala num tom de voz diferente, como se estivesse se despedindo da esposa. 

Mas ele sai da casa e Reverdy não o mata. Logo depois, ouve-se um tiro, que é o do suicídio do patrão rico, solitário, velho e amargurado. 

Jean caminha de volta para casa, feliz, onde vê, na cidade, uma imagem imensa da esposa na capa da revista de Reverdy.

Fim. 

Obs4: Na obra-prima ‘A Dupla Vida de Véronique’, do genial cineasta polonês Krzysztof Kieslowski, também aparece uma imensa fotografia, na mesma cidade de Paris, da protagonista do filme, e que também é (tal como Sylvie) uma modelo fotográfica (que é interpretada por Irène Jacob). Teria o cineasta polonês se inspirado neste filme de Cazeneuve? 

Frase: Reverdy: Faça o que digo ou faça-me desaparecer. Eu também gostaria disso. Matar duas vezes ao mesmo homem. 
Fotografia imensa de Sylvie em rua de Paris, fazendo propaganda da revista... Será que, no belíssimo 'A Dupla Vida de Véronique', Kieslowski se inspirou no filme de Cazeneuve? 
Informações Adicionais:

Título: Cette Nuit-Là (Aquela Noite);
Diretor: Maurice Cazeneuve;
Roteiro: Maurice Cazeneuve, Paul Guimard, Henri-François Rey (baseado no romance de Michel Lebrun ‘Un Silence de Mort’)
Ano de Produção: 1958; País de Produção: França;
Duração: 90 minutos; Gênero: Drama; Policial; Romance; 
Fotografia: Léonce-Henri Burel;
Música: Claude Bolling (sequências de Jazz), Henri Forterre, Maurice Leroux;
Elenco: Mylène Demongeot (Sylvie Mallet); Maurice Ronet (Jean Mallet); Jean Servais (André Reverdy); Jean Lara (Investigador Toussaint); Françoise Prévost (Secretária de Reverdy); Hubert Noel (Gérald Martin); Gilbert Edard (François).

Vídeo - Trecho do Filme: