O movimento Neo-Realista italiano, que foi influenciado pelas obras de cineastas como Jean Renoir (de quem Luchino Visconti foi assistente, tal como ocorreu no filme 'Toni', de 1935), Sergei Eisenstein e de Marcel Carné, revolucionou o cinema italiano e mundial na década de 1940.
O Neo-Realismo gerou obras clássicas e inesquecíveis, como aquelas que foram realizadas por Roberto Rossellini ('Roma, Cidade Aberta', 1945), Vittorio de Sica ('Ladrões de Bicicleta', 1948) e, também, por Pietro Germi.
E a significativa influência do Neo-Realismo se fez sentir na obra de inúmeros cineastas importantes nas décadas seguintes, bem como em inúmeros movimentos cinematográficos pelo mundo afora (o Cinema Novo brasileiro e o Cinema Iraniano são exemplos claros dessa influência).
Pietro Germi começou a sua carreira como ator e embora tenha, posteriormente, realizado muitas comédias italianas de sucesso mundial, algumas delas consideradas clássicas (como foi o caso de "Divorzio all'italiana", de 1961), ele começou sua carreira de diretor como um autêntico cineasta Neo-Realista.
Nesta fase, Germi dirigiu filmes como 'In Nome della Legge' ('Em Nome da Lei', 1949), "Il Ferroviere' ("O Ferroviário", 1951)), 'La Città si Difende' ('A Cidade se Defende', 1956), 'Un Maledeto Imbroglio' ('Aquele Caso Maldito', 1959) e este 'Il Cammino della Speranza' ('O Caminho da Esperança', 1950).
As mulheres dos operários esperam pelos seus maridos, que se recusam a sair da mina de enxofre, em protesto pelo fechamento da mesma, o que deixará a todos desempregados. |
E tal como acontecia nos filmes do Neo-Realismo, Germi se utilizou de cenários naturais e de inúmeros atores não profissionais em seu clássico filme 'Il Cammino della Speranza'.
A história de 'O Caminho da Esperança' mostra a vida de um grupo de mineradores que vive em um pequeno e miserável povoado da Sicília (Capodarso), o que sempre foi uma característica marcante do cinema de Germi, que nasceu na Sicília. Mesmo depois que ele começou a fazer comédias, as tramas dos seus filmes continuaram se desenvolvendo nesta região que sofre com a forte presença da Máfia.
O Sul da Itália é, historicamente, bem mais pobre do que o Norte, onde temos algumas das cidades mais ricas do mundo (Milão e Turim, em especial... FIAT, por exemplo, significa 'Fábrica Italiana de Automóveis de Turim') e muitos sulistas pobres migraram para o Norte da Itália durante o Pós-Guerra, a fim de trabalhar como operários industriais e onde sempre foram bastante discriminados, tal como ocorre com os nordestinos em São Paulo, por exemplo.
Outros milhões de italianos, no entanto, tomaram outro rumo, indo trabalhar e viver em outros países (França, Alemanha, Bélgica). Segundo o historiador Tony Judt, 7 milhões de italianos deixaram o país em direção a outros países entre 1945 e 1970 (informação retirada do livro "Pós Guerra: Uma História da Europa desde 1945", Tony Judt, pág. 341).
Quando retornam, eles debatem sobre o que fazer a partir do momento em que ficarão sem trabalho. Neste momento, vemos um líder sindical discursando no povoado, a fim de tentar convencer os operários a ocupar a mina, com o objetivo de assumir o controle da mesma. Mas o discurso dele acaba não atraindo os operários.
No entanto, em um bar do povoado, um forasteiro (Ciccio) tenta convencer os trabalhadores a ir embora para a França, contando uma história mirabolante de que lá eles terão um salário e condições de vida bem melhores do que se decidirem ficar ali, naquele povoado miserável e no qual eles não terão futuro algum.
No fim das contas, Ciccio acaba fazendo com que um grande número de operários aceite vender tudo o que tem a fim de poder pagar para que ele os leve para a França, dizendo que conhece a todos na fronteira e que eles, trabalhadores, não terão nenhuma dificuldade para entrar no novo país.
Saro é um viúvo que sente saudades da esposa falecida e que sonha em dar um futuro melhor aos seus três filhos. Barbara é namorada de um criminoso, Vanni, motivo pelo qual ela é rejeitada pela família, sequer conseguindo se despedir da mesma.
E no meio dessa viagem teremos, também, algumas histórias românticas, como a de Luca e a jovem e bonita Rosa, recém-casados e que também desejam em desfrutar de uma vida digna, construindo um lar juntos. Eles se casam e no mesmo dia vão embora do povoado, com os demais trabalhadores, em busca de uma vida melhor.
Os trabalhadores cantam para o jovem casal, mas não há nenhuma festa de casamento. Aliás, cantar é a única alegria dos operários nessa vida miserável e desesperada, que é marcada pela total incerteza quanto ao futuro. E a lua-de-mel de Luca e Rosa se passa em pleno ônibus, o que não é nada romântico, convenhamos.
Outro casal do filme é formado por Antonio e pela bela Lorenza. Vanni e Barbara também tem um caso, mas no caso deles os conflitos são muito mais frequentes, pois ele é extremamente violento (afinal, é um criminoso) e a própria Barbara demonstra ter medo dele.
Assim, a vida miserável dos trabalhadores, que é mostrada no filme, o que é uma característica marcante do Neo-Realismo, se mistura com várias histórias românticas, que estão presentes do começo ao fim de 'O Caminho da Esperança'.
Mas, não apenas os operários decidem ir embora, pois eles também são acompanhados por suas esposas e filhos. Assim, torna-se necessário alugar um ônibus, que os levará até o trem que os conduzirá a França. No entanto, os pobres trabalhadores desconhecem o fato de que Ciccio não tem a menor intenção de levá-los para a França. O seu plano é desaparecer quando chegarem em Roma, abandonando os pobres trabalhadores. Inclusive, ele até já se livrou do dinheiro, que usaria para subornar os policiais da fronteira.
Porém, o plano de Ciccio acaba sendo descoberto por Vanni, um criminoso que é procurado pela Polícia e que tem um romance com a belíssima Barbara. E com isso, Vanni acaba entrando em confronto com Ciccio, ameaçando-o. O picareta que enganou os trabalhadores acaba tendo que concordar em levar Vanni e Barbara até a fronteira com a França, mas não poderá dizer nada para os demais, que serão deixados para trás.
Em Roma, os operários ficam encantados com os monumentos e edifícios da capital italiana, afinal eles nunca tinham estado ali.
Ciccio acaba delatando Vanni para a Polícia. O criminoso troca tiros com alguns policiais, mas acaba conseguindo fugir. E os trabalhadores acabam sendo levados para a sede da Polícia, onde serão interrogados a fim de explicar para onde estavam indo e o que planejam fazer.
Os trabalhadores combinam de mentir para a Polícia, dizendo que estão indo para Turim, mas um deles (Antonio) acaba dizendo a verdade. Com isso, a Polícia determina que eles deverão retornar para o seu povoado, caso contrário serão presos. Isso demonstra o quanto eles são inábeis para viver fora do seu povoado, ainda mais numa cidade grande como Roma.
Inclusive, a bela Lorenza, uma das trabalhadoras sicialianas, acaba se perdendo na cidade grande, e ela e Antonio acabam se separando, embora ela atraia a atenção dos homens da capital da Bota por ser muito bonita. Mas ela está perdida e assustada demais para se envolver com alguém e os operários decidem retornar para o seu povoado, deixando ela e Antonio para trás.
No caminho de volta, temos uma das mais belas cenas do filme, na qual os trabalhadores cantam 'Vitti na Crozza', uma bela canção italiana e de origem popular que se tornou um clássico e que já foi gravada ou cantada em shows por artistas como Laura Pausini, Rosanna Fratello e Amália Rodrigues, entre outros.
Os operários chegam a uma fazenda onde o proprietário os contrata para trabalhar por um período de dez dias. Precisando do dinheiro para continuar a viagem, eles aceitam, sem saber que ninguém está trabalhando ali porque ocorre uma greve geral na região. Assim, os trabalhadores grevistas da localidade entram em confronto com os sicilianos, que são vistos como fura-greves.
No confronto, a filha de Saro acaba sendo atingida por uma pedra e passa mal.
Barbaba vai até a cidade a fim de conseguir que um médico atenda a garota, mas ela é reconhecida pelos grevistas, que tentam agredi-la. Barbara explica o motivo dela estar ali e, assim, ela consegue levar o médico para atender a menina.
Além disso, é claro que ela percebe que Saro é muito mais digno e a respeita muito mais do que o brutamontes Vanni. Tendo Saro ao seu lado, ela poderá ter uma vida dura, mas honesta, algo que jamais acontecerá se ficar com com o bandido Vanni.
Mas o antigo namorado de Barbara a encontra no local e entra em conflito com Saro.
No fim das contas, ela diz para Vanni que não tem mais como continuar com ele, deixando claro que prefere viver com Saro, o que leva o criminoso a ir embora depois de brigar com o novo namorado da bela e sensual Barbara.
Por fim, os trabalhadores são obrigados a sair da fazenda e o grupo acaba se dividindo.
Uma parte deles decide voltar para o povoado, para a mesma vida miserável de sempre, mas a cujo mundo eles conhecem e dominam, enquanto que os outros continuam a sua viagem para a França. Mas a viagem será marcada por inúmeras dificuldades, pois eles tem que superar as geladas e fortes tempestades que enfrentam na tentativa de atravessar os Alpes. E o velho contador (Carmelo) acaba morrendo em meio a uma das nevascas.
E também temos um confronto final, numa briga de facas, entre Saro e Vanni e que termina com a morte deste último. A tempestade também terminou e, com isso, eles conseguem entrar em território francês, sendo que o grupo está, agora, reduzido a apenas onze pessoas.
Porém, policiais de fronteira franceses, que confraternizam com os seus companheiros de profissão italianos, descobrem a presença deles em território francês. Mas o sorriso de Buda, o filho de Saro, faz com que o líder dos policiais franceses, sem que diga uma palavra sequer, apenas sorrindo, permita que eles entrem na França e, possam, assim, lutar para construir uma vida melhor. E os policiais ainda acenam para os miseráveis sicilianos que acabaram de chegar à terra de Charles De Gaulle.
Assim, para Pietro Germi, a união dos povos e países é a saída para que os mesmos possam melhorar as condições de vida da população e as fronteiras entre os mesmos deveriam ser derrubadas.
Aliás, isso não deixa de ser uma espécie de antevisão do processo de integração europeu que ganhou grande impulso a partir da criação da Comunidade Econômica Europeia (em 1957, com a assinatura do Tratado de Roma, por seis países: Alemanha, França, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo) e que tinha, entre os seus principais objetivos, promover a pacificação e o desenvolvimento econômico e social da Europa, e que resultou na formação da atual União Europeia, que é formada por 27 países do Velho Mundo.
Saro e Barbara observam o corpo caído de Vanni. Assim, eles poderão viver as suas vidas em paz, sem que tenha um criminoso para os perseguir. |
Título: Il Cammino della Speranza (O Caminho da Esperança);
Diretor: Pietro Germi;
Roteiro: Federico Fellini, Pietro Germi, Tullio Pinelli; baseado no romance 'Un Cuore Negli Abissi', de Nino Di Maria;
Duração: 97 minutos;
Ano de Produção: 1950; País de Produção: Itália;
Música: Carlo Rustichelli;
Elenco: Ralf Vallone (Saro Cammarata); Elena Varzi (Barbara Spadaro); Saro Urzi (Ciccio Ingaggiatore); Franco Navarra (Vanni); Lilliana Lattanzi (Rosa); Mirella Ciotti (Lorenza); Giuseppe Priolo (Luca); Angelo Grasso (Antonio); Renato Terra (Mommino); Francesco Tomalillo (Misciu); Carmela Trovato (Cirmena), Chico Coluzzi (Buda); Saro Arcidiacono (Carmelo, o Contador); Paolo Reale (Brasi); Giuseppe Cibardo (Turi); Luciana Coluzzi (Luciana).
Prêmio: Vencedor do Urso de Prata de Melhor Filme no Festival de Berlim em 1951.
O policial francês sorri e deixa os miseráveis operários italianos entrarem na França, a fim de conseguir construir uma vida melhor e digna para suas famílias. |
Informações sobre o filme:
http://www.imdb.com/title/tt0042301/?ref_=fn_al_tt_1
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